Acórdão nº 50009748020208210101 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 13-04-2022

Data de Julgamento13 Abril 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50009748020208210101
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001970435
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000974-80.2020.8.21.0101/RS

TIPO DE AÇÃO: Compra e venda

RELATOR: Desembargador DILSO DOMINGOS PEREIRA

APELANTE: ELIAR MARIA SARTORI BENETTI (AUTOR)

APELANTE: GIOVANI BENETTI (AUTOR)

APELADO: ROYAL HOLIDAY BRASIL NEGOCIOS TURISTICOS LTDA. (Massa Falida/Insolvente) (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por ELIAR MARIA SARTORI BENETTI E OUTRO contra sentença que extinguiu sem resolução de mérito a ação de resolução contratual n. 5000974-80.2020.8.21.0101, movida em desfavor de MASSA FALIDA ROYAL HOLIDAY BRASIL NEGOCIOS TURISTICOS LTDA, constando no dispositivo (Evento 35):

Ante o exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, com amparo no art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador da parte ré, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, observados os parâmetros do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões (Evento 48), discorrem sobre a situação fática envolvendo os litigantes. Alegam ter ajuizado a presente ação buscando resolver obrigação havida frente à ré por meio de contrato de compra e venda de títulos de férias. Destacam os supostos vícios do negócio jurídico. Apontam ter sido deferida tutela provisória de urgência, assim como a inversão do ônus da prova. Indicam que a ré se limitou a afirmar a respectiva ilegitimidade passiva sem maiores comprovações. Ressaltam a legitimidade passiva da ROYAL HOLIDAY BRASIL NEGOCIOS TURISTICOS LTDA em virtude da existência de grupo econômico. Frisam a aplicabilidade do princípio da aparência ao caso concreto. Mencionam a cadeia sucessória de consumo. Salientam que a empresa recorrida possui o mesmo domínio eletrônico daquela que figurou como contratada no instrumento objeto da demanda. Colacionam jurisprudência.

Ao final, pugnam pelo provimento do recurso, para que seja reformada a sentença apelada, reconhecendo a legitimidade passiva da ora recorrida e, assim, julgando procedente a ação. Pedem, alternativamente, a redistribuição dos ônus sucumbenciais.

Intimada, a empresa ré deixou transcorrer in albis o prazo para contrarrazões (Evento 55).

A seguir, subiram os autos a esta Corte e vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Narraram os autores ter celebrado frente à empresa ré, em 07 de fevereiro de 2019, Contrato de Compra e Venda de Títulos de Férias, sendo a avença identificada pelo n. 30-681332. O pacto em questão evidencia dever de pagamento da quantia de USD 33.308,00, bem bem como quota anual de USD 1.455,00, atualizada a cada ano. À ré, por sua vez, caberia transmitir o título constituído de crédito de férias, a ser utilizado por 30 (trinta) anos em um dos estabelecimentos da demandada, no sistema Time Sharing. Destacaram que do valor total fora adimplido o montante de USD 10.500,00, além de 6 (seis) parcelas de USD 533,00 e ainda 6 (seis) mensalidades de USD 614,10, totalizando, até o ajuizamento da ação, a quantia de USD 17.382,00. Referiram que a fase negocial se deu em ambiente hostil aos direitos dos demandantes, pois não foram informados acerca das caracteristicas do produto. Alegaram que descobriram que a ré teve sua falência decretada no dia 29/05/2017, mais de dois antes da celebração do contrato. Indicaram que não possuem alternativa além de ajuizar o presente contrato, resolvendo a obrigação com o retorno das partes ao status quo ante. Frisaram a aplicabilidade do CDC ao caso concreto. Ao final, pugnaram pela procedência da ação, para que seja rescindido o contrato n. 30-681332, com o devido retorno das partes ao status quo ante, condenando-se a demandada a restituir a totalidade das quantias adimplidas.

Após a regular instrução do feito, sobreveio a sentença extintiva ora apelada, reconhecendo a ilegitimidade da recorrida para figurar no polo passivo da demanda (Evento 35).

Com tais considerações, passo ao exame do mérito contratual propriamente dito, antecipando o voto no sentido de que merece parcial acolhimento a irresignação.

Ocorre que, no caso concreto, em que pese o respeitável posicionamento adotado pela Magistrada a quo, é possível constatar a legitimidade passiva ad causam da ora apelada, ROYAL HOLIDAY BRASIL NEGÓCIOS TURÍSTICOS, tendo em conta os diversos elementos que compõem a relação contratual.

De se notar, por exemplo, ao analisar o contrato que embasa a ação (Evento 1, Doc. 4), a existência do logo da empresa Royal Holiday impresso no cabeçalho do documento.

Por outro lado, a página web da empresa (www.royal-holiday.com) é referida como meio de consultar saldos e transações (segundo parágrafo do item 12 – Evento 1, Doc. 4, p. 4).

Também o e-mail da requerida constante no cadastro junto ao CNPJ (Evento 48, Doc. 1, p. 6/8), remete ao mesmo domínio eletrônico (www.royal-holiday.com), a indicar a participação da ora apelada na cadeia de fornecedores, juntamente com a Travel Advisory S.A.

De tal sorte, efetivamente, tem-se que os demandantes, na qualidade de consumidores, não podem ser prejudicados em virtude da organização interna entre as empresas do grupo em questão, prevalecendo na hipótese a aplicação da teoria da aparência, como já decidiu esta Corte em casos análogos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. TIME SHARING. REDE DE HOTEIS MELIÁ. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. POSSIBILIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. DECISÃO MANTIDA. LEGITIMIDADE PASSIVA. Na hipótese dos autos, não há falar em ilegitimidade passiva ad causam da empresa demandada, ainda que o contrato que embasa a presente ação tenha sido celebrado no exterior. Com efeito, a empresa requerida, integrante brasileira do grupo econômico que explora a marca Meliá Hoteis, tem legitimidade para responder pelo pedido de exclusão do programa CLUB MELIÁ, ao qual aderiram os requerentes. Teoria da aparência. Precedentes desta Corte. DA TUTELA ANTECIPADA. O deferimento da antecipação de tutela depende da verossimilhança das alegações iniciais, atestada por prova inequívoca, além do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, nos termos do art. 273, I, do Código de Processo Civil. No caso concreto, sendo possível constatar, a partir do exame do conjunto probatório dos autos, o preenchimento dos requisitos autorizadores, deve ser mantida a decisão agravada, que deferiu o pedido antecipatório. Negaram provimento ao agravo de instrumento. Unânime.(Agravo de Instrumento, Nº 70067500496, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em: 24-02-2016)

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. REDE DE HOTÉIS MELIÁ. FURTO NO INTERIOR DE HOTEL NO EXTERIOR. LEGITIMIDADE PASSIVA. Não há se falar em ilegitimidade passiva da parte demandada. Ainda que o hotel onde supostamente ocorreu o evento danoso seja pessoa jurídica distinta, tem-se que a demandada Meliá Brasil Administração Hotelaria e Comercial Ltda. faz parte do mesmo grupo econômico, explorando a marca Meliá Hotéis Internacional no Brasil, de modo que aparenta, ao consumidor, tratar-se da mesma pessoa jurídica, devendo ser aplicada a Teoria da Aparência. Legitimidade passiva reconhecida. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. (Apelação Cível Nº 70052560109, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 27/02/2013)

AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRATO DE TIME SHARING. LEGITIMIDADE PASSIVA. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. Legitimidade da empreendedora para a causa, à luz da teoria da aparência. Demonstrado que os autores não usufruíram das diárias a que tinham direito em face do fechamento e venda do hotel objeto do contrato, configurado o inadimplemento contratual por parte das demandadas. Rescisão do contrato e restituição das quantias pagas. REPELIRAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70012528519, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Rafael dos Santos Júnior, Julgado em 28/03/2006)

Assim sendo, embora o contrato em tela tenha sido celebrado no exterior, frente à sociedade mexicana denominada “VACATION TRAVEL ADVISORY, S.A. DE C.V.", a partir do que dispõe o art. 88, inciso I, parágrafo único, do Código de Processo Civil, nada impede que os autores demandem contra a subsidiária brasileira do grupo, ROYAL HOLIDAY BRASIL NEGÓCIOS TURÍSTICOS, ora apelada, para respectiva exclusão do “PROGRAMA DE FÉRIAS HOLIDAY CLUB”. Veja-se:

Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:
I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
(...)
Parágrafo único.
Para o fim do disposto no no I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

Ante o exposto, no ponto, voto por dar provimento ao recurso, para que seja reconhecida a legitimidade da ora apelada para integrar o polo passivo da ação.

Entretanto, nas circunstâncias, desnecessária a desconstituição da sentença extintiva e retorno dos autos à instância de origem.

Ocorre que, por força do art. 1.013, §3º, I, do CPC, admite-se o julgamento imediato do recurso quando reformar sentença fundada no art. 485 do diploma processual. Note-se:

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que
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