Acórdão nº 50009783520188215001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50009783520188215001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001971643
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000978-35.2018.8.21.5001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: WILLIAN FARIAS LUDWIG (AUTOR)

APELADO: LOJAS RENNER S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por WILLIAM FARIAS LUDWIG da sentença que julgou improcedente os pedidos formulados na ação de desconstituição de débito com pedido de indenização por danos morais ajuizada contra LOJAS RENNER S.A (Evento 16), cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos:


“Isso posto, com fulcro no artigo 487, I, do CPC, IMPROCEDENTES os pedidos formulados por Willian Farias Ludwig contra Lojas Renner S/A. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte ré, os quais fixo em 10% sobre o valor atribuído à causa, corrigido monetariamente pelo IGPM desde o arbitramento, o que faço com supedâneo no artigo 85, § 2º, do novo CPC, tendo em vista o trabalho desenvolvido pelo profissional e a natureza da causa. Dispensada parte a autora dos ônus sucumbenciais em vista da AJG deferida, observado, contudo, o disposto no art. 98, §3° do CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.”

Em razões recursais, aduz o apelante que o feito foi julgado improcedente com base em documento que sequer comprova o suposto saldo devedor de R$ 198,43 que ensejou a anotação restritiva em seu nome. Destaca que o documento que lastreou o juízo de improcedência se trata de documento de adesão e coleta de dados. Refere que tal anexo data do ano de 2011. Assevera que a documentação colacionada com a contestação é unilateral. Alude que o contrato nº 02961558026 não foi juntado aos autos, alegando a ilicitude deste e a sua inexistência. Preconiza não teriam sido coligidas faturas ou boletos discriminando que supostamente adquiriu algo junto à loja ré. Defende ser devedor da quantia levada a registro. Pugna pela reforma da sentença, a fim de serem julgados procedentes os pedidos contidos na inicial. Pede provimento do presente recurso (Evento 20).

Foram apresentadas contrarrazões pela parte ré (Evento 31).

É o relatório.

VOTO

A apelação interposta no Evento 20 é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 07/12/2021 (Evento 18) e o recurso foi interposto em 18/01/2022 (Evento 20). Além disso, a parte apelante é beneficiária da gratuidade judiciária, sendo dispensada do pagamento do preparo (Evento 3 - OUT2 – P. 24). Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. INOCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

No que diz respeito ao contrato de cartão de crédito, da mesma forma, resta induvidoso que as empresas de cartão de crédito são prestadoras de serviços.

A respeito da normatização dos contratos de cartão de crédito, Sérgio Cavalieri Filho refere que:

“ (...) Embora não exista lei especifica disciplinando a atividade econômica exercida pelas empresas de cartão de crédito, estão elas enquadradas no Código de Defesa do Consumidor no que diz respeito aos limites das cláusulas do contrato que celebram com o titular do cartão, bem como no pertinente à natureza da sua responsabilidade”1.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco, assim como do estabelecimento comercial é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que respondem, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

“(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos”2.

Nesse sentido, vale reproduzir precedente do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE.

1. "As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno" (REsp 1.197.929/PR, Rel.

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, DJe de 12.9.2011). 2. O Tribunal de origem julgou nos moldes da jurisprudência desta Corte.

Incidente, portanto, a Súmula 83/STJ.

3. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria de fato (Súmula 7/STJ).

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 1158721/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 15/05/2018) – grifei.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

No caso em tela, a parte ré demonstrou que a inscrição negativa não resulta de falha na prestação do serviço, mas sim do mero exercício regular de um direito do credor.

Conforme relato da inicial (Evento 1 – INIC1), o nome do autor foi incluído nos cadastros de proteção ao crédito em razão de débito no valor de R$ 198,43, por solicitação da parte ré (Evento 3 - OUT2 - Página 22).

Afirma o demandante que tal débito seria "eivado de ilegalidade" e que sua "constituição ocorreu em desacordo com os ditames legais".

Entretanto, a parte ré, na contestação (Evento 3 - MANDCITACAO4 – p. 7-31), provou o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte autora, conforme determina o artigo373, inciso II, do CPC, ou seja, comprovou a existência do débito devido pelo demandante oriundo da utilização do cartão de crédito por ele contratado junto à demandada.

Esclareceu que a parte autora aderiu ao cartão de crédito Renner. Destacou que o plástico foi utilizado pelo autor para a realização de compras a serem adimplidas de forma parcelada que não foram por ele adimplidas. Mencionou que, por não terem sido liquidadas as parcelas assumidas pelo demandante, foi efetivada a inscrição de seu nome nos órgãos de proteção ao crédito. Juntou, para comprovar o alegado, o documento de emissão do cartão das Lojas Renner (Evento 3, CERT5, Página 13), devidamente firmado pelo autor, bem como telas sistêmicas, documentação que entendo suficiente para comprovar a contratação do cartão de crédito e a dívida objeto da inscrição negativa.

Veja-se que as telas sistêmicas colacionadas junto à contestação demonstram a realização de compras a prazo pelo demandante, cujas prestações não restaram por ele integralmente adimplidas, consoante se observa abaixo:

Ao contrário do alegado nas razões de apelo, a documentação acostada aos autos atesta a existência de valores inadimplidos pela demandante que ensejaram o cadastramento do seu nome no rol de inadimplentes.

No caso em tela, observa-se que não há “uma única” dívida de R$ 198,43 assumida pelo autor, mas que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT