Acórdão nº 50009793520208213001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 09-12-2022

Data de Julgamento09 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50009793520208213001
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002983817
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000979-35.2020.8.21.3001/RS

TIPO DE AÇÃO: Transação

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: CLECI REINEHR (AUTOR)

APELADO: CESAR SANTO CALVI (RÉU)

RELATÓRIO

CLECI REINEHR apela da sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na "ação de rescisão contratual c/c indenização e/ou obrigação de não fazer" movida em face de CESAR SANTO CALVI e julgou procedentes os pleitos reconvencionais formulados por este em face daquela. Transcrevo o dispositivo sentencial:

ANTE O EXPOSTO, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados por CLECI REINEHR em face de CÉSAR SANTO CALVI, nos termos da argumentação acima.

No mais, julgo PROCEDENTES os pedidos formulados na reconvenção proposta por CÉSAR SANTO CALVI em face de CLECI REINEHR para condenar a reconvinda ao pagamento de R$ 32.592,37, referente as parcelas atrasadas do contrato formulado, corrigido monetariamente pelo IGPm/FGV e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar dos respectivos vencimentos.

Condeno a autora ao pagamento das custas processuais da ação principal e da reconvenção. Ainda, condeno o autor/reconvindo ao pagamento de honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, que estabeleço em R$1.500,00. Ressalto que para a fixação dos honorários sucumbenciais foram avaliados o tempo de tramitação, grau de complexidade da matéria e o volume de manifestações nos autos, na forma do art. 85, §§1º, 2º, 6º e 8º, CPC. Saliento que os valores dos honorários serão atualizados pelo IGP-M.

Suspensa a exigibilidade da condenação aos ônus sucumbenciais em relação a parte autora, eis que a elas concedidas o benefício da Gratuidade da Justiça (art. 98, §3º, do CPC).

Por derradeiro, tendo em vista a nova sistemática do Código de Processo Civil e, diante da inexistência de juízo de admissibilidade, conforme dispõe o artigo 1.010, § 3º, do NCPC, em caso de interposição de recurso de apelação, proceda-se na intimação da parte apelada para que apresente contrarrazões, querendo, no prazo de 15 dias. Decorrido o prazo, subam os autos ao egrégio TJRS.

Com o trânsito em julgado, não sendo nada requerido no prazo de 5 dias, e satisfeitas eventuais custas pendentes, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em razões (Evento 98), a autora alega que o contrato, no valor total de R$ 115.600,00 envolveu a aquisição de dois objetos: o estabelecimento comercial e o ponto comercial. Argumenta que, não tendo logrado adimplir o total acordado, decidiu pela rescisão contratual, de forma verbal e contratual, não tendo o réu/apelado lhe ressarcido qualquer valor, razão pela qual ingressou com a presente ação, a fim de evitar o enriquecimento sem causa do mesmo. Asseverou que, assim que devolvidas as chaves pela autora, o réu alugou o imóvel para outrém, sem qualquer consideração à autora, proprietária do ponto comercial. Pretende ser indenizada no valor de R$ 100.000,00 pelo ponto comercial, argumentando que, não tendo o réu interesse em utilizar-se do ponto comercial, tampouco pode transferi-lo a terceiro, como fez, em prejuízo à autora. Sustenta que há cláusula resolutiva expressa (cláusula nona), invocando o teor dos artigos 474 e 475 do Código Civil a autorizar a rescisão. Reitera que a rescisão buscada é somente quanto ao estabelecimento comercial, pois o ponto foi quitado e é de propriedade da apelante, devendo ser ressarcida quanto ao mesmo pelo réu/apelado. Alega quebra do equilíbrio contratual. Cita o teor do depoimento de uma testemunha que afirmou que após o encerramento das atividades pela autora funcionou no local um brique de móveis, por 4 ou 5 meses, sendo que, na data da audiência funcionava no local um estabelecimento de gêneros alimentícios. Entende ser inadmissível que a apelante afastada do seu direito de propriedade do Ponto Comercial do imóvel sito na Rua Marieta, n. 113, nesta capital, devendo ser ressarcida por parte do apelado, no valor de R$ 100.000,00, com a dedução do débito que ainda pende de pagamento por parte da mesma. Alternativamente, protesta seja o apelado impedido de alienar ou locar o imóvel para terceiros, tendo em vista a alienação do Ponto Comercial. Pugna pelo provimento do apelo.

A parte ré apresentou contrarrazões (Evento 101) argumentando que a autora/apelante nada traz de novo a subsidiar o presente recurso, tendo se limitado a reapresentar os argumentos que já foram em mais de uma oportunidade contrapostos pelo Apelado. Alega ser inaceitável que uma pessoa que contratou com outra a compra de estabelecimento e ponto comercial, não tendo cumprido com a sua parte, qual seja, pagar os valores contratados, venha em Juízo querer receber valores indevidos, sendo que entregou o imóvel locado totalmente desocupado, tendo levado consigo todas as mercadorias, os móveis e os utensílios do contrato que não quitou. Refere ter sido plenamente demonstrado que a Recorrente, não tendo condições, nem intenção, de arcar com o contrato firmado com o Apelado, lançou mão de ardil para querer obter vantagem ilícita, não bastasse isso, pretendeu com este devaneio compensar o valor devido, ou seja, a Apelante contratou, não pagou o valor contratado e, ainda, aumenta o valor do contrato por mera ficção sua e pretende que os valores que deve sejam extraídos da fantasiosa indenização que entende lhe seja devida. Afirma que, contrariamente ao que a autora alegou, não houve alienação do ponto comercial, mas, sim, o aluguel do imóvel, que pertence ao Recorrido. Pugna pela manutenção da sentença.

É o relatório.

VOTO

O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e comporta conhecimento.

Inicialmente, impõe-se esclarecer a relação jurídica existente entre as partes.

Conforme contratos constantes no Evento 1, CONTR3 e Evento 34, CONTR7, as partes entabularam contrato de compra e venda de estabelecimento e de "ponto" comercial e, concomitantemente, contrato de locação de imóvel.

Assim, ao mesmo tempo em que o réu vendeu à autora o "estabelecimento comercial (Mercado) e o Ponto comercial (...) situado na Rua Marieta, n. 113 (...) compreendendo as mercadorias, os móveis e os utensílios, constantes no inventário em anexo (...) assim como o "ponto" comercial constituído pelos VENDEDORES", pelo preço de R$ 115.600,00, alugou o imóvel onde o empreendimento estava estabelecido à autora, por R$ 2.000,00 mensais.

A autora, em razão de dificuldades financeiras, desocupou o imóvel, levando consigo todas as mercadorias, móveis e utensílios pertencentes ao "estabelecimento" adquirido, devolvendo as chaves do imóvel ao réu que, então, o locou a terceiro (inicialmente empresa de reparo de móveis).

Compreendendo, então, que faria jus ao ressarcimento do valor relativo ao "ponto comercial", em razão da rescisão unilateral da avença, o qual, segundo seu entendimento, estaria avaliado em R$ 100.000,00, ingressou com a presente ação em face do réu, pretendendo a declaração da rescisão contratual e a condenação do réu ao pagamento do referido montante. Pretendeu, ainda, que o réu fosse impossibilitado de alugar o imóvel a terceiros até que indenizasse a autora pelo ponto comercial.

Pois bem.

Conforme se observa do contrato que instrui a inicial, o preço para a compra do estabelecimento e ponto comercial foi um só, não havendo especificação do preço atribuído a um e a outro, tampouco vindo aos autos o inventário de bens que acompanhou referido instrumento.

A bem da verdade, o estabelecimento comercial abrange o ponto comercial, como bem leciona Fábio Ulhoa Coelho1:

Estabelecimento comercial é o conjunto de bens que o empresário reúne para a exploração de sua atividade econômica. Compreende os bens indispensáveis ou úteis ao desenvolvimento da empresa, como as mercadorias em estoque, máquinas, veículos, marca e outros sinais distintivos, tecnologia etc. (...) Além desses bens, o empresário...

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