Acórdão nº 50009973620218215001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50009973620218215001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002302537
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000997-36.2021.8.21.5001/RS

TIPO DE AÇÃO: Reajuste contratual

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: CENTRAL NACIONAL UNIMED - COOPERATIVA CENTRAL (RÉU)

APELADO: VALERIA FERNANDES SANTOS (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por CENTRAL NACIONAL UNIMED - COOPERATIVA CENTRAL, nos autos desta ação de obrigação de fazer que lhe move em face de VALERIA FERNANDES SANTOS, contra a sentença (evento 102, SENT1) que julgou procedentes os pedidos.

Adoto o relatório da r. sentença, que bem narrou o presente caso:

Vistos, etc.

VALERIA FERNANDES SANTOS ajuizou ação de obrigação de fazer contra CENTRAL NACIONAL UNIMED – COOPERATIVA CENTRAL, partes qualificadas nos autos.

Relata foi funcionária da instituição financeira Banco Santander S.A., onde exerceu suas atividades laborativas em 1986, tendo seu contrato de trabalho rescindido em dezembro de 2019. Assevera, em dezembro de 2019, após rescisão do contrato de trabalho, manifestou-se perante a demandada, optando pela continuidade no plano de assistência médica vitalícia, para demitidos e aposentados e seus dependentes. Descreve os valores que pagava pelo plano de saúda quando era funcionária da Instituição Financeira. Afirma, após o seu desligamento do trabalho, o valor do plano de saúde aumentou consideravelmente, passando de R$ 59,62 para R$ 1.086,61. Sustenta abusividade do valor cobrado pela ré. Pede, em antecipação de tutela, a manutenção do plano de saúde coletivo familiar, no valor mensal de R$ 59,62 (ou alternativamente o dobro deste valor). Postula a procedência da ação, com a confirmação da antecipação de tutela. Pleiteia o reembolso de todos os valores eventualmente pagos a maior pela autora, referente ao seu plano de saúde e de seu dependente, apurados oportunamente durante o processo. Acosta documentos.

Deferida a antecipação de tutela postulada (evento 09).

Citada, contestou a demandada (evento 34). Em suma, fez breve relato dos fatos. Discorre sobre os termos da alteração de grupo da autora, passando ela para os inativos. Afirma não houve reajuste, mas sim adequação de plano, o que altera os valores mensais. Descreve a existência de reajuste anual dos planos de saúde. Impugna o pedido de restituição. Pleiteia a improcedência do pedido. Junta documentos.

Houve réplica.

Sobreveio documento (evento 74).

É O RELATO.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

Isso exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para compelir a ré na manutenção do plano de saúde coletivo contratado pelo ex-empregador para a autora e seus dependentes, nas mesmas condições de valores e de cobertura dos aplicados aos ativos.

Torno hígida a antecipação de tutela concedida.

Condeno a demandada sucumbente no pagamento das despesas processuais, e a honorários advocatícios que fixo em R$ 3.000,00, em favor do patrono da parte adversa, o que deverá ser corrigido pelo IGPM, a contar do ajuizamento da ação, mais juros de 1% ao mês, contados do trânsito em julgado, conforme art. 85, §§ 8° e 16º, do CPC.

Em suas razões recursais (evento 110, APELAÇÃO1), a parte ré sustenta que é legítima a fixação da contraprestação mensal paga pela autora. Aduz que a cobrança está atrelada ao contrato celebrado, o qual alega ser o mesmo a que estava vinculada a demandante quando na ativa. Refere que há previsão de forma de cobrança para os beneficiários ativos e para os inativos. Assevera que a inclusão da autora no plano de saúde respeita os limites previstos no art. 31 da Lei 9.656/98. Pondera que inexiste vedação legal acerca da aplicabilidade de tabelas de faixa etária para formação do preço. Argumenta que o reajuste anual é fixado através de livre negociação entre a operadora e a contratante, razão pela qual aponta não ser abusivo. Requer o provimento do recurso.

Sobrevieram contrarrazões (evento 115, CONTRAZAP1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é de ser conhecido, porquanto preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade, sendo tempestivo e comprovado o recolhimento do preparo (evento 110, COMP3).

Inicialmente, cumpre referir que não há mais dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de seguros e de planos de saúde1. Trata-se de entendimento sumulado pelo e. STJ que, em 2010, editou a Súmula n. 469, que assim dispõe: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. Observo que o entendimento foi mantido com a edição da Súmula n. 608 do e. STJ2, a qual cancelou a anterior, tendo a última apenas criado exceção para os casos dos planos de autogestão.

Dessa forma, tornou-se clara a identificação das seguradoras ou operadoras de planos de saúde como fornecedoras de serviço e do beneficiário (segurado) como destinatário final (consumidor), nos termos do que dispõem os artigos 2º, “caput”3, e 3º, §2º4, da legislação consumerista.

Com efeito, os contratos de seguro e planos de assistência à saúde devem se submeter às regras constantes na legislação consumerista, para evitar eventual desequilíbrio entre as partes, considerando a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor; bem como manter a base do negócio a fim de permitir a continuidade da relação no tempo.

Destarte, estando os contratos submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se, dentre outras, as seguintes regras: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (art. 47 do CDC). E, considerar-se-ão abusivas, as que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada; sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor e as que se mostrem exageradas, como as excessivamente onerosas ao consumidor, as que restrinjam direitos ou ofendam princípios fundamentais do sistema (art. 51, incisos IV e XV e § 1º, incisos, I, II e III, do CDC).

Aliás, com relação à aplicação do CDC nos planos de saúde, a lição de Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem5:

“O reconhecimento da aplicação do Código do Consumidor implica subordinar os contratos aos direitos básicos do consumidor, previsto no art. 6º do Código. Daí porque o STJ tenha superado as discussões dogmáticas sobre a natureza do contrato, como seguro ou plano, e tem decidido impor a este importante tipo contratual de consumo de massa uma boa-fé extremamente qualificada, exigindo de todos os fornecedores (operadoras, seguradoras e outros), o cumprimento do dever de informação, cooperação e cuidado. (…) se de um lado é certo que a necessidade de manter equilíbrio econômico-atuarial do contrato, em vista da previsão de riscos e probabilidades, e a respectiva sustentabilidade econômica que lhe assegure – tema que pertence à expertise do fornecedor - também é correto determinar a estes contratos uma interpretação conforme à boa-fé e sempre a favor do consumidor.”

No mesmo sentido, a jurisprudência desta colenda Câmara (com meus grifos):

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DE VALORES. APOSENTADORIA. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. MANUTENÇÃO DO BENEFICIÁRIO NO PLANO. ARTIGO 31 DA LEI N.º 9.656/98. PLANO ESPECÍFICO PARA INATIVOS. POSSIBILIDADE. 1. Os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 35 da Lei 9.656/98, pois envolvem típica relação de consumo. Súmula 608 do STJ. Assim, incide, na espécie, o artigo 47 do CDC, que determina a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor. 2. É possível a manutenção do titular e seus dependentes por prazo indeterminado nos contratos de plano de saúde firmado por empresa em que o titular tenha trabalhado, desde que assuma o pagamento integral das mensalidades, exegese do art. 31 da Lei nº 9.656/98. 3. Hipótese de inclusão do autor em plano específico para inativos, com manutenção das condições de cobertura, porém com diferentes critérios para estabelecimento do valor das mensalidades. Possibilidade, nos termos da RN 279 da ANS. Precedentes. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível, Nº 70083529487, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em: 27-05-2020)

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. REALIZAÇÃO DE TRATAMENTO CONSIDERADO EXPERIMENTAL. MEDICAMENTO OFF LABEL. COBERTURA DEVIDA. 1. Os planos ou seguros de saúde estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, enquanto relação de consumo atinente ao mercado de prestação de serviços médicos. Isto é o que se extrai da interpretação literal do art. 35 da Lei 9.656/98. Súmula n. 608 do STJ. 2. Aplicáveis ao caso em exame as exigências mínimas previstas no plano-referência de que tratam os artigos 10 e 12 da legislação dos planos de saúde, que determina a obrigatoriedade de cobertura de tratamento quimioterápico. 3. Não cabe à demandada determinar o tipo de tratamento que será realizado pela parte autora, uma vez que esta decisão cabe ao médico que a acompanha. 4. Descabida e injustificada a negativa securitária sob a alegação de que se trata de tratamento experimental e de medicamento de uso off label, pois o que importa para a solução do litígio é a existência de cobertura securitária para a patologia apresentada, e não o fármaco necessário ou a forma como o tratamento deverá ser ministrado, ainda mais em se tratando de doença grave como o câncer. 5. Os honorários advocatícios...

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