Acórdão nº 50010059120178210138 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 11-08-2022

Data de Julgamento11 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50010059120178210138
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002197392
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001005-91.2017.8.21.0138/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador NEWTON BRASIL DE LEAO

APELANTE: RODRIGO SALVADOR (RÉU/OFENDIDO)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

1. Trata-se de apelação, interposta por RODRIGO SALVADOR, contra decidir que o condenou como incurso nas sanções do artigo 14, caput, da Lei nº 10.826/03, às penas 02 anos de reclusão, no regime aberto, substituída, e de 10 dias-multa, por fatos assim narrados na inicial acusatória:

"FATO DELITUOSO:

No dia 19 de fevereiro de 2017, por volta das 09hrs e 45min, na Avenida Santa Rosa, n° 1260, Centro, na cidade de Tenente Portela/RS, o denunciado RODRIGO SALVADOR portava em via pública arma de fogo de uso permitido, bem como uma luneta, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Na ocasião, o denunciado RODRIGO SALVADOR encontravase em via pública, tripulando o veículo GM/Kadett, cor preta, placas IIC 1556, quando restou abordado por uma guarnição da Brigada Militar, sendo encontrado em seu poder uma espingarda de pressão, sem marca aparente, calibre 5.5, modificada para calibre .22 e uma luneta, marca Titan, 4x20, cor preta (auto de apreensão da fl. 05 do I.P.), artefatos para os quais o denunciado não detinha autorização para portar.

A espingarda foi submetida à perícia, que constatou que seu cano foi broqueado, permitindo a introdução de cartuchos calibre .22 LR, e que seu mecanismo foi modificado com a inserção de um percutor artesanal na saída de ar, capaz de atingir esses cartuchos. Testando-a com cartuchos de calibre .22LR, obtivemos a produção de tiros, concluindo que a mesma se encontra em condições de uso e funcionamento com cartuchos deste calibre (laudo pericial das fls. 09/10 do I.P.)."

Nas razões, preliminarmente, sustenta a nulidade por ausência do Ministério Público na audiência de instrução e pela atipicidade da conduta em razão da abolitio criminis. No mérito, alega ausência de lesividade, pugna por absolvição. Subsidiariamente, postula a aplicação da atenuante da confissão espontânea e a isenção da multa, prequestionando a matéria.

O recurso foi contra-arrazoado.

Em parecer, o Dr. Procurador de Justiça opina pelo improvimento do apelo defensivo.

Esta Câmara adotou o sistema informatizado, tendo sido atendido o disposto no artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

2. A prefacial de nulidade não vinga.

A alegada nulidade da audiência de instrução, pela ausência do agente ministerial, deve ser rejeitada, vez que nulidade, se houvesse, seria de natureza relativa, dependendo da comprovação de efetivo prejuízo ao acusado, o que inocorreu no caso.

Ademais, não é vedado ao Juiz, que preside a audiência, perguntar ao réu e às testemunhas. O entendimento encontra-se sedimentado nos Tribunais Superiores (RHC 117665, Relator: Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, julgado em 10.09.2013, e RHC 68.845/ES, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, julgado em 22.11.2016).

Trata-se, portanto, de mera irregularidade, e que somente prejudica a própria acusação.

Não constitui, assim, mácula, motivo pelo qual rejeito esta preliminar.

Almeja também o reconhecimento da abolitio criminis.

Sem razão.

Incabível o acolhimento da tese de atipicidade pela abolitio criminis, temporária em razão dos Decretos nº 9.785/19 e 9.844/19.

Destaco, aliás, que os referidos Decretos foram revogados, em 25.06.2019, pelo de nº 9.847/19.

A questão é singela.

A conduta pela qual o ora apelante foi condenado é de porte de arma de fogo, hipótese não abarcada pela denominada abolitio criminis temporária prevista nos artigos 32 da Lei nº 10.826/03, 58 do Decreto nº 9.785/19 e 52 do Decreto nº 9.844/19, que pressupõe que a conduta seja de posse.

Neste sentido é o entendimento desta Quarta Câmara Criminal e das Cortes Superiores.1

Da mesma forma, para que a punibilidade seja extinta pela abolitio criminis temporária, o sujeito deve entregar os artefatos bélicos de forma espontânea, o que, logicamente, deve acontecer antes do flagrante e da apreensão destes.

Este o entendimento desta 4ª Câmara Criminal do TJRS acerca da matéria, conforme abaixo exemplifico:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ART. 14, DA LEI Nº 10.826/03. ABOLITIO CRIMINIS. ART. 32, DA MESMA LEI. NÃO INCIDÊNCIA. A abolitio criminis prevista no art. 32, da Lei nº 10.826/03, e no art. 58, do Decreto nº 9.785/19, que, revogado, restou repetido no art. 50, do Decreto nº 9.847/19, exige que a entrega do armamento seja espontânea, ou seja, anterior ao flagrante e à apreensão do artefato, situação que não ocorreu no caso dos autos. Ainda, a aplicação deste instituto fica restrita à conduta de posse de arma de fogo, e não porte de arma. EMBARGOS DESACOLHIDOS” (Embargos de Declaração Criminal, Nº 70083297994, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em: 05-12-2019)

Portanto, inviável cogitar acolhimento da tese de abolitio criminis, eis inaplicável à conduta de porte ilegal de arma de fogo.

3. No que diz o argumento de ausência de lesividade da conduta quanto ao crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, não assiste razão à defesa.

O delito do artigo 14 da Lei nº 10.826/03 se trata de crime de perigo abstrato, cuja norma objetiva prevenir a ocorrência de outros ilícitos.

O tipo penal em tela não exige que o agente pretenda praticar algum crime com a arma, bastando que incorra numa das condutas tipificadas no dispositivo denunciado.

Por isso, tal crime é considerado como de mera conduta, ou seja, não exige nenhum resultado fático para sua consumação. Aliás, o escopo do legislador, ao tipificar as condutas relativas às armas de fogo, foi o de garantir proteção contra ofensa à incolumidade pública, a qual, nos termos da lei, é presumida.

Nesses crimes, o legislador tipifica um agir que, por si só, representa alta potencialidade danosa à sociedade, e o reprova, não exigindo qualquer resultado para sua configuração.

Não protegem diretamente a vida, mas, sim, a incolumidade pública, independendo, portanto, da demonstração efetiva de ocorrência de perigo à coletividade.

A condenação, assim, vai mantida.

4. Dos pelitos subsidiários defensivos.

Em relação ao pleito de redução da pena carcerária para aquém do mínimo legal, (novamente) sem razão a defesa.

Conforme já referido no ato sentencial, ainda que de fato presente a atenuante da confissão espontânea, a pena carcerária foi fixada no mínimo legal, sendo inviável sua redução, nos termos da Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

Súmula 231: A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

No ponto, reconheço a atenuante da confissão espontânea em relação ao porte de arma de fogo, entretanto, deixo de aplicá-la vez que a pena restou fixada no mínimo legal.

No que respeita à pretendida exclusão da multa, sem razão a defesa.

O tipo penal do artigo 14 da Lei nº 10.826/03, prevê, em seu preceito secundário, penas de reclusão e multa. Sendo assim, da simples leitura da norma se infere que a intenção do legislador foi a de cumular a pena de multa com a pena privativa de liberdade.

Ora, não se pode eximir o réu do cumprimento da pena em razão de ser pobre. A norma que prevê este tipo de sanção é disposição de Direito Público, não possuindo o Juiz a faculdade de escolher entre aplicá-la ou não, pois, se assim procedesse, estaria passando a legislar.

De dizer, também, que a multa recai, de forma direta, tão-somente sobre a pessoa e o patrimônio do réu, não implicando, portanto, em ofensa ao princípio da intranscendência - tampouco desobediência aos termos do artigo 5º, XLV, da Constituição Federal.

Outrossim, o fato de haver reflexos na situação financeira de sua família, por caracterizar efeito indireto, não constitui afronta ao aludido princípio.

Não há falar, portanto, em afastamento da pena de multa.

Por fim, no que diz respeito às custas processuais, deve ser suspensa sua exigibilidade, nos termos da Lei nº 1.060/50, na medida em que assistido o réu pela Defensoria Pública durante todo o processo.

Neste sentido é o entendimento desta Colenda 4ª Câmara:

LEI 10.826/03. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. ART. 14, "CAPUT". PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO...

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