Acórdão nº 50010127820158210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50010127820158210033
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001665676
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001012-78.2015.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Leve (art.129, caput)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: ANTONIO CESAR HESPANHOL JUNIOR (OAB RS084372)

ADVOGADO: ANDREA COSTA FAUSTINO DE OLIVEIRA CECONI (OAB RS085452)

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO denunciou ROBERTO CARLOS OLMEDO PINTOS, com 34 anos de idade na época dos fatos, como incurso nas sanções do artigo 129, §9º, do Código Penal, na forma da Lei nº 11.340/06, pela prática do seguinte fato delituoso:

No dia 18 de agosto de 2014, por volta das 22h30min, na Rua Cometa Um, n.° 189, bairro Vicentina, nesta cidade, o acusado, prevalecendo-se de relação doméstica, ofendeu a integridade corporal da vítima Indianara Rodrigues Muniz, sua ex-companheira.

Na ocasião, o acusado agrediu a vítima por meio de socos, produzindo-lhe as lesões corporais descritas no auto de exame de corpo de delito (fl. 12 do IP) in verbis "na região mentoriana uma mancha de coloração violácea (equimose) medindo vinte por quinze milímetros.

A denúncia foi recebida em 25.05.2016 (evento 3, DOC2, p. 10).

O réu foi citado por edital em 07.02.2017 (evento 3, DOC2, pgs. 49/50) e por carta precatória em 15.07.2019 (evento 3, DOC4, p. 13), apresentando resposta à acusação por intermédio da Defensoria Pública (evento 3, DOC4, p. 15).

Durante a instrução processual, foram colhidas as declarações da vítima e interrogado o réu (evento 3, DOC4, p. 32).

Encerrada a instrução, os debates orais foram substituídos por memoriais, que foram apresentados pelo Ministério Público (evento 3, DOC4, pgs. 39/43) e pela defesa (evento 3, DOC4, pgs. 45/50 e evento 3, DOC5, pgs. 01/03).

Sobreveio a sentença de lavra da Dra. Michele Scherer Becker, Juíza de Direito, julgando procedente a denúncia, para condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 129, §9º, do Código Penal, na forma da Lei n. º 11.340/06, à pena de 03 (três) meses e 05 (cinco) dias de detenção, em regime inicial aberto, tendo sido concedido o sursis ao acusado (evento 3, DOC5, pgs. 04/12).

A sentença foi presumidamente publicada em 27.01.2021 (evento 3, DOC5, p. 13).

A defesa apelou tempestivamente (evento 3, DOC5, p. 16), pleiteando, em razões, a absolvição do réu diante da insuficiência probatória acerca da autoria do delito, alegando ser a acusação baseada tão somente na palavra da vítima. Ademais, referiu não se tratar de lesão corporal o fato imputado ao réu, mas sim um de um pequeno "hematoma". Subsidiariamente, pleiteou o reconhecimento da excludente de ilicitude, alegando legítima defesa por parte do apelante (evento 9, RAZAPELA1).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (evento 12, CONTRAZAP1) e os autos foram remetidos à esta Corte.

Em parecer, a ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Jacqueline Fagundes Rosenfeld, opinou pelo desprovimento do apelo (evento 15, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso porque adequado e tempestivo.

Primeiramente, adianto que deve ser confirmada a sentença condenatória, de lavra da Dra. Michele Scherer Becker, eminente Juíza de Direito, uma vez que devidamente fundamentada com base nos elementos de decisão constantes dos autos, não comportando reforma.

A materialidade e a autoria do delito restaram devidamente demonstradas através da ocorrência policial nº 16713/2014 (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 06), pelo termo de declarações (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 08), pelo auto de exame de corpo de delito nº 1117-05/2014 (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 16), bem como pela prova oral produzida durante a instrução processual.

No auto de exame de corpo de delito, foi constatado na região mentoniana a presença de uma mancha de coloração violácea (equimose), medindo vinte por quinze milímetros, produzida por instrumento contundente.

Em audiência, a vítima Indiara Jaqueline Rodrigues Muniz disse que o acusado começou a lhe agredir verbalmente, tendo retrucado. Em razão disso, o réu desferiu-lhe um tapa ou um soco no queixo, não sabendo precisar corretamente, que gerou um hematoma.

O réu, por sua vez, disse que a vítima lhe deu um "susto" indo em sua direção para agredi-lo, momento em que teria levantado os braços e empurrado a vítima. Ainda, referiu que "se um cara desse tamanho batesse nela, um dente ela ia perder".

Como se sabe à saciedade, a palavra da vítima tem especial relevância nos casos de violência doméstica, pois dificilmente há testemunhas presenciais, senão os próprios envolvidos.

Inclusive, conforme precedente do Supremo Tribunal Federal, a valoração da palavra da vítima nos feitos de violência doméstica, corroborada por outras provas – como no caso em apreço - não viola o princípio da presunção da inocência (artigo 5º, LVII, da CF), in verbis:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTEOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR OUTRAS PROVAS. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/2015. 1.O exame da alegada ofensa ao art. 5º, caput, LVII, da Constituição Federal, observada a estreita moldura com que devolvida a matéria à apreciação desta Suprema Corte, dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à espécie, além da reelaboração da moldura fática delineada no acórdão de origem, o que foge à competência jurisdicional extraordinária prevista no art. 102 da Magna Carta. 2. As razões do agravo interno não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, principalmente no que se refere à ausência de ofensa a preceito da Constituição da República. 3. Agravo interno conhecido e não provido. (ARE 1216238 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 13/09/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-209 DIVULG 24-09-2019 PUBLIC 25-09-2019)

No mesmo sentido ora esposado, colaciono importante precedente do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. HABEAS COUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO.AMEAÇA. LEI MARIA DA PENHA. ABSOLVIÇÃO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. WRIT NÃO CONHECIDO.

1. Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel.Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.

2. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita.

3. Se as instâncias ordinárias, mediante valoração do acervo probatório produzido nos autos, entenderam, de forma fundamentada, ser o réu autor do delito descrito na exordial acusatória, a análise das alegações concernentes ao pleito absolutório demandaria exame detido de provas, inviável em sede de writ.

4. "A palavra da vítima, em harmonia com os demais elementos presentes nos autos, possui relevante valor probatório, especialmente em crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher" (HC 461.478/PE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, DJe 12/12/2018).

5. Writ não conhecido. (HC 590.329/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2020, DJe 24/08/2020)

E também deste Tribunal de Justiça:

APELAÇÕES CRIME. LESÕES COORAIS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ARTIGO 129, §9º, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIAS DEFENSIVA E MINISTERIAL. MÉRITO. Para a configuração da materialidade do delito de lesão corporal, cometido no contexto de violência doméstica, não se exige a realização de exame de corpo de delito, em razão da disposição especial constante na Lei Maria da Penha (artigo 12, § 3º, da Lei nº 11.340/06). Materialidade e autoria delitivas comprovadas pelos registros de ocorrência policial, laudo médico e prova oral colhida. Caso concreto em que o réu agrediu a vítima, mediante socos, causando-lhe lesão corporal. Em crimes cometidos no âmbito da violência doméstica, a palavra da vítima assume especial importância, desde que convincente e coerente. No caso em análise, os relatos prestados pela vítima foram corroborados pelo laudo médico, cuja lesão nele descrita se mostra compatível com ação imputada ao réu. Dolo devidamente demonstrado. Ausência de elementos no sentido de que o réu tenha apenas usado dos meios moderadamente necessários para fazer cessar injusta agressão, é inviável a absolvição pela alegada legítima defesa. Condenação mantida, por incursão nas sanções do art. 129, § 9º, do CP. APENAMENTO. Pena-base. Culpabilidade do réu, entendida como o grau de reprovabilidade da conduta por ele praticada, que se apresenta em grau ordinário. Impossibilidade de interpretação desfavorável à personalidade do acusado, dado que o fato de ingerir bebidas alcoólicas com frequência e a existência de outros registros criminais junto à certidão de antecedentes, seja com trânsito em julgado ou mesmo ainda em curso, não se prestam a caracterizá-la....

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