Acórdão nº 50010130920228210101 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50010130920228210101
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002916610
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001013-09.2022.8.21.0101/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATORA: Desembargadora WALDA MARIA MELO PIERRO

APELANTE: GTR HOTEIS E RESORT LTDA (RÉU)

APELADO: ANDERSON DE OLIVEIRA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por GTR HOTEIS E RESORT LTDA. contra a sentença que, nos autos da ação de rescisão contratual ajuizada por ANDERSON DE OLIVEIRA, julgou-a parcialmente procedente, ao efeito de declarar rescindido o contrato, bem como condenar o requerido a proceder na devolução dos valores pagos, em parcela única, bem como ao pagamento da cláusula penal invertida. As custas foram atribuídas ao demandado, sendo os honorários fixados em 20% sobre o valor da condenação.

Em suas razões, o demandado sustenta que, conforme demonstra a definição legal de multipropriedade, ao definir o multiproprietário como titular de uma fração de tempo, há que se reiterar que a área privativa da unidade habitacional adquirida pela parte apelada não foi alterada, tendo sido mantida a área privativa adquirida. Consigna, também, que o contrato deixa claro que se trata de imóvel com destinação hoteleira, constando na definição da fração ideal descrita no contrato particular de promessa de compra e venda de unidade imobiliária, que se trata do Gramado Thermas Resort SPa e que as alterações efetuadas e devidamente averbadas à margem da matrícula, corroboram com os termos da promessa ofertada, no sentido de entregar um empreendimento totalmente voltado para o sistema de multipropriedade, considerando a promessa de um resort, destinado ao lazer e com capacidade de atender hóspedes e usuários. Defende, ainda, que o Tema 971, do Superior Tribunal de Justiça, deve ser aplicado apenas aos casos de incidência de multa por atraso na entrega do imóvel, o que não é a hipótese dos autos. A par disso, compreende que, diante do pedido de rescisão contratual, as partes devem retornar ao status quo ante, não sendo devida a incidência de encargos pela impontualidade, que só seriam cabíveis em caso de manutenção do contrato. Postula pelo provimento recursal, a fim de que seja mantido hígido o contrato ajustado entre as partes ou, então, acaso mantido o desfazimento, requer que os apelados sejam condenados ao pagamento da multa e seja afastada a inversão da cláusula penal.

Apresentadas contrarrazões, vieram os autos conclusos.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

De pronto, cumpre sinalar que versa a hipótese sobre ação de desfazimento contratual, na qual a parte apelada narra que firmou Contrato de Promessa de Compra e venda de Unidade Imobiliária, no Regime de multipropriedade (frações) com a empresa emandada (GTR), cujo objeto é uma fração indivisível no empreendimento Gramado Termas Resort Spa.

Aclarada a situação fática, estreme de dúvidas, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às empresas que exercem atividade de construção e incorporação, nos termos do art. 3º, §2º do CDC, ipsis litteris:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...)

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifei).

Na mesma linha de entendimento é a jurisprudência desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA. REGIME DE MULTIPROPRIEDADE. AÇÃO DE RESCISÃO. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. Aplicação do CDC. Possibilidade, pois, no caso concreto, há relação de consumo, sendo o adquirente destinatário final. Rescisão contratual. Descabimento no caso concreto. Prova documental que não denota ocorrência de violação dos deveres decorrentes do princípio da boa-fé, do dever de informação ou a onerosidade excessiva.Caso em que todas as informações sobre a cobrança de taxas e despesas condominiais, bem como sobre o regime de fruição das unidades foi especificado no contrato firmado entre as partes, cuja adesão pelo autor apelante foi livre. Arrependimento posterior do adquirente que não enseja rescisão contratual. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70085145258, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Heleno Tregnago Saraiva, Julgado em: 16-12-2021)

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. MULTIPROPRIEDADE. APLICAÇÃO DO CDC. CABÍVEL. CLÁUSULA PENAL LIMITADA A 20%. SENTENÇA REFORMADA. - Incidência do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto, uma vez que a relação existente entre as partes caracteriza efetiva relação de consumo, enquadrando-se a empresa ré no conceito de fornecedora e o autor na definição jurídica de consumidor, pois destinatário final do serviço fornecido pela empresa - Diante da insuportabilidade do pagamento das parcelas mensais contratadas, é possível ao consumidor pleitear a resolução do contrato e a restituição das parcelas pagas com fundamento na teoria da onerosidade excessiva, ressalvando-se a retenção em favor do promitente-vendedor de parte da quantia paga. - Caso em que a ré admite a resolução do contrato com a retenção de parte dos valores pagos pelo autor a título de indenização por perdas e danos, motivo pelo qual não se justifica a manutenção do contrato celebrado entre as partes. - Percentual de retenção mantido ao patamar de 20% do valor das parcelas pagas, percentual amplamente aceito pela jurisprudência como razoável para o caso de resolução por culpa do promitente-comprador. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 50010709520208210101, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em: 29-04-2021)

Conforme antes destacado, se está diante de incorporação imobiliária sob o regime de multipropriedade. A controvérsia existente entre as parte gira em torno do motivo pelo qual o consumidor pretende a rescisão do contrato, o que determina a incidência da multa contratual ou de percentual sobre o valor efetivamente pago.

Sobre o contrato entabulado pelas partes, peço vênia para transcrever parte do voto do Desembargador Pedro Celso Dal Pra, quando do julgamento da Apelação nº 70079941688, em 25/04/2019:

"Importante, ainda, tecer a necessária distinção entre os sistemas “time-sharing” e “multipropriedade” (sendo este último o caso dos autos), em evidente transmudação conceitual, em especial no que tange à natureza jurídica de uma e de outra.

Muito embora semelhantes quanto aos seus escopos, pois que ambos buscam o aproveitamento compartilhado de um bem imóvel ou móvel, diferem-se no que tange à natureza jurídica.

Enquanto que no sistema de time-sharing (Sistema de Tempo Compartilhado), pelo qual há uma cessão, a terceiro, pelo proprietário (prestador de serviço de hotelaria), do direito de uso de unidades habitacionais por determinados períodos de ocupação, compreendidos dentro de intervalo de tempo ajustado contratualmente (regulamentado pelo Decreto nº 7.381/10, em especial no seu art. 28), havendo, tão-somente, uma relação obrigacional, o sistema de “multipropriedade” estabelece verdadeiro vínculo de direito real.

E a concepção do sistema de multipropriedade, como direito real, encontra-se em rota de sedimentação.

Tanto assim é que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 54/2007 (já aprovado no Senado Federal), que prevê a alteração do Título III do Livro III da Parte Especial do Código Civil, com o acréscimo do Capítulo VII-A e cria a figura do “Condomínio em Multipropriedade”.

Direito real, portanto.

Dito isso, claro que no caso dos autos a rescisão do contrato deve observar as regras gerais aplicáveis aos contratos de promessa de compra e venda de bens imóveis, e à luz do sistema protetivo do consumidor."

No caso dos autos, restou demonstrado que a empresa apelante alterou o projeto inicial, sem a ciência da parte adquirente, modificando o número de unidades autônomas, o que reduziu a área comum constante no contrato.

Sobre as causas que ensejaram o pedido de desfazimento do negócio, destaca-se que a empresa demandada não logrou demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito reclamado na peça inaugural, a teor do disciplina o art. 373, II, do Código de Processo Civil. A requerida não infirma a alegação de prejuízo ao consumidor, ou mesmo a existência de benefício concreto trazido pelas mudanças operadas no projeto imobiliário.

Assim evidente o inadimplemento do contrato por culpa exclusiva da parte requerida, o que levou o consumidor a postular a resolução do pacto.

Como sabido, possível à parte que não possui mais interesse em manter o pacto, que postule a resolução, com o retorno ao status quo ante.

Cabível afirmar, assim, que, no caso dos autos, a resolução do contrato tem origem no inadimplemento contratual da demandada.

Diante disso, descabe àquele que deu causa à resolução do contrato pretender penalizar o consumidor a suportar decaimento sobre o valor a ser restituído, quando este em nada concorreu para a rescisão do contrato. Por conseguinte, deve ocorrer a restituição integral dos valores pagos pelo demandante, sem incidência de cláusula penal, uma vez que, como já destacado, a ré foi quem deu causa ao desfazimento do negócio. Em sentido análogo:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA. AQUISIÇÃO DE FRAÇÃO DE IMÓVEL. MULTIPROPRIEDADE...

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