Acórdão nº 50010177120188210138 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50010177120188210138
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002231393
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001017-71.2018.8.21.0138/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATORA: Desembargadora ISABEL DIAS ALMEIDA

APELANTE: SELITO PEDRO TOGNI (AUTOR)

APELADO: UNIMED NOROESTE/RS - SOCIEDADE COOPERATIVA DE SERVICOS MEDICOS LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por SELITO PEDRO TOGNI E OUTROS contra a sentença (evento 3, DOC4, fls. 49-50; evento 3, DOC5, fls. 01-03) que, nos autos da ação de obrigação de fazer ajuizada contra UNIMED NOROESTE/RS - SOCIEDADE COOPERATIVA DE SERVIÇOS MÉDICOS LTDA, julgou a demanda nos seguintes termos:

Ante o exposto, sem maiores delongas e por tudo mais que dos autos consta, forte no artigo 487, I, do Código de Rito, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido por SELITO PEDRO TOGNI, LORELEI DE FATIMA TOGNI em face de UNIMED - RS - SOCIEDADE COOPERATIVA DE SERVIÇOS MÉDICOS LTDA.

Sucumbente, condeno a parte autora no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador do demandado, os quais fixo em R$ 1.500,00, forte no art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC, face à natureza da causa, o tempo de tramitação da demanda, o trabalho desenvolvido e a inestimabilidade do proveito econômico auferido. Outrossim, suspensa a exigibilidade da sucumbência, face à gratuidade judiciária, anteriormente concedida em favor dos autores.

Em suas razões (evento 3, DOC5,fls. 06-15), a parte apelante elabora relato dos fatos e alega que a própria operadora sugeriu que pessoas com grau de parentesco e afinidade fossem cadastradas como beneficiárias do plano de saúde quando da contratação. Refere que o contrato foi firmado por tempo indeterminado, estando ainda vigente, porém, com a exclusão dos autores, em razão da ausência de comprovação do vínculo empregatício com a empresa. Afirma que não aderiram aos termos da Lei nº 9.656/98, como pode se verificar do aditivo contratual assinado em 2010, razão pela qual continuaram beneficiários do plano até 2017, quando foram excluídos pela operadora. Faz referência aos princípios do ato jurídico perfeito e do direito adquirido previstos no art. 6º da LINDB e art. 5º, XXXVI, da CF. Esclarece que são pessoas idosas aposentadas que contribuíram para o plano de saúde por mais de 10 anos. Aduz que a irregularidade apontada não é motivo suficiente para cancelamento unilateral do contrato. Pondera que a norma da ANS não pode ser interpretada de forma a prejudicar o consumidor. Reforça que a apelada aceitou a manutenção do contrato por 19 anos, independente da situação do vínculo empregatício dos beneficiários. Colaciona jurisprudência. Requer a reforma da decisão, com o restabelecimento do plano de saúde. Postula o provimento do recurso.

Apresentadas contrarrazões (evento 3, DOC5, fls. 18-27), subiram os autos para este Tribunal de Justiça.

Recebi os autos em substituição ao eminente Desembargador Jorge André Pereira Gailhard, nos termos do Ato n. 03/14-OE.

Foram observados os dispositivos legais, considerando a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e está dispensado do recolhimento do preparo, porquanto a parte litiga ao amparo da gratuidade da justiça, pelo que passo ao seu enfrentamento.

Melhor situando o objeto da controvérsia, adoto o relato da sentença, vertido nos seguintes termos:

SELITO PEDRO TOGNI, LORELEI DE FATIMA TOGNI, MIRIA BERGONCI, ÉLIO DRESSLER E MERCIDES PEDRALLI DRESSLER propuseram ação de obrigação de fazer em face de UNIMED - RS - SOCIEDADE COOPERATIVA DE SERVIÇOS MÉDICOS LTDA.

Os autores narraram, em suma, que são beneficiários de plano de saúde contratado pela empresa Primo Sala Ltda. Alegaram que foram surpreendidos com o cancelamento do plano de saúde empresarial, ao qual contribuíram desde 1992, sob o fundamento de cancelamento do convênio com a empresa Primo Sala Ltda. Asseveram que ingressaram na titularidade do plano na condição de terceiros interessados, para fechar o número de aproximadamente 15 pessoas, na época da contratação, viabilizando que os funcionários da empresa Primo Sala Ltda. Atingissem quórum mínimo para a celebração do contrato. Sustentaram a incidência, no caso concreto, da norma do artigo 30 da Lei nº 9.656/98, postulando o direito de serem mantidos como beneficiários no plano empresarial por prazo indeterminado. Requereram liminar de manutenção no plano. Pediram a procedência do pedido, com a confirmação da liminar. Acostaram documentos e postularam o benefício da gratuidade judiciária (fls. 02/101).

Deferida a gratuidade de justiça e indeferida a tutela de urgência (fls. 102/103).

Citada (fl. 110), a ré contestou o feito (fls. 113/120). Disse, em suma, que não estão preenchidos os requisitos da lei para a manutenção do plano de saúde, uma vez que os autores não comprovaram vínculo empregatício com a empresa Primo Sala Ltda e, por via de consequência, inexiste emparo legal para manter os autores no plano de saúde. Requereu o julgamento de improcedência dos pedidos. Juntou documentos (fls. 121/145).

Negado provimento ao agravo de instrumento interposto em face da decisão que indeferiu a tutela de urgência (fls. 146/152).

Houve réplica. (fl. 154).

Diante do desinteresse na produção de provas, as partes apresentaram memoriais (fls. 160/167).

Vieram os autos conclusos.

Sobreveio sentença de improcedência, razão da interposição do recurso pela parte autora.

Os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 35 da Lei 9.656/98 e da Súmula 608 do STJ1, pois envolvem típica relação de consumo. Assim, incide, na espécie, o artigo 47 do CDC, que determina a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor.

Também é de ser ressaltado que o contrato de plano de saúde não dispensa a boa-fé entre as partes contratantes, como está estatuído no artigo 422 do Código Civil vigente:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

E, nessa linha, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 51 e incisos, inquina de nulas as cláusulas abusivamente redigidas, especificamente o inciso IV e XI:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

[...]

XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

Resta incontroversa a existência do plano de saúde coletivo mantido desde 01-08-1998 com a inclusão de 15 (quinze) beneficiários, o qual foi aditado em 2010, a intenção da ré em rescindir o contrato em relação aos autores e a efetivação da notificação prévia realizada pela operadora.

As alegações das partes e a farta prova produzida permitem esse entendimento.

Com efeito, muito embora a hipótese trate de plano coletivo empresarial, a rescisão pretendida pela ré não é operada mediante justificativa que se sobreponha à continuidade do contrato de plano de saúde firmado em 1998, o qual foi aditado em 2010, sem qualquer exigência de comprovação de vínculo empregatício entre os beneficiários e a empresa Primo Sala e Filho Ltda.

Tal assertiva decorre do próprio comportamento da operadora de plano de saúde, que manteve hígido o ajuste por longo período, mesmo após a adaptação do contrato à Lei dos Planos de Saúde, ocasionando a justa expectativa da manutenção do contrato em relação aos beneficiários, em atenção ao princípio do venire contra factum proprium e aos efeitos da supressio.

A respeito do assunto, colaciono entendimento doutrinário2:

O princípio da boa-fé está intimamente ligado à interpretação dos contratos e ao exame da sua função social. Disso decorrem alguns desmembramentos que merecem destaque, pois constituem importantes mecanismos de orientação para se alcançar as diretrizes da boa-fé objetiva.

A vedação do venire contra factum proprium, também conhecida por proibição de comportamento contraditório, proíbe que, numa relação contratual, os contratantes se comportem de forma incompatível com o objeto contratado, criando falsas expectativas na outra parte. Encontra fundamento nos arts. 187 e 422 do CC, com vistas à proteção da confiança.

Sua característica principal é proibir que a parte, através de um dado comportamento, crie na outra uma expectativa que depois venha a se frustrar em razão da adoção de outro comportamento, oposto àquele inicialmente delineado. É, portanto, a proibição de agir de modo contrário à expectativa que uma conduta anterior criou. É o dever de não contradizer o próprio ato.

[...]

Tem este princípio, como pressuposto: (a) um factum proprium, isto é, uma conduta inicial; (b) a criação na outra parte de legítima confiança na conservação do sentido objetivo da conduta inicial; (c) um comportamento contraditório ao factum proprium; e (d) um dano a partir da contradição.

A supressio consiste na redução de um direito previsto em contrato pela inércia de uma das partes no seu exercício, que gera na outra legítima expectativa de que a redução se perpetuará.

Exige-se, para a sua configuração, o decurso de prazo sem exercício do direito com indícios objetivos de que o direito não mais seria exercido.

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