Acórdão nº 50010379020158210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 31-05-2023

Data de Julgamento31 Maio 2023
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50010379020158210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003701777
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001037-90.2015.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Responsabilidade civil

RELATOR: Desembargador JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

APELANTE: IRENE DOS SANTOS MACHADO (AUTOR)

APELADO: UNIÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA ¿ HOSPITAL SÃO LUCAS (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Irene dos Santos Machado contra a sentença que, nos autos da Ação Indenizatória ajuizada contra União Brasileira de Educação e Assistência - Hospital São Lucas, julgou a demanda nos seguintes termos:

Diante do exposto, julgo IMPROCEDENTE ação de indenização ajuizada por IRENE DOS SANTOS MACHADO contra HOSPITAL SÃO LUCAS DA PUCRS.

Condeno a autora ao pagamento da Taxa Única de Serviços Judiciais e despesas processuais, mais honorários periciais e honorários advocatícios, sendo estes fixados, na forma do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, em 20% sobre o valor da causa atualizado desde a data do ajuizamento conforme a variação do IPCA.

Sustenta a petição recursal que, após o procedimento cirúrgico efetuado no hospital oa apelado, a autora perdeu completamente o movimento dos dedos polegar e anular direitos e vem sofrendo com dores horríveis advindas do procedimento cirúrgico mal sucedido. Menciona que os documentos médicos e atestados juntados aos autos comprovam que a cirurgia ocasionou sequelas no dedo polegar e no dedo anular direito da autora, que não possuía lesão alguma até a data do procedimento. Menciona que ficou comprovado que o procedimento realizado também ocasionou problemas estéticos irreversíveis. Destaca que a autora ficou incapacitada para o trabalho em razão dos danos sofridos, necessitando de acompanhamento médico e sessões de fisioterapia por tempo indeterminado. Salienta que o laudo pericial utilizado para a fundamentação da sentença foi impugnado em mais de uma ocasião (Eventos 57 e 64). Postula a condenação do réu ao pagamento de indenização. Alternativamente, solicita a realização de nova prova pericial.

Requer o provimento do apelo (Evento 101 dos autos originários ).

Intimado, o réu apresentou as contrarrazões (Evento 108 dos autos originários).

Subiram os autos a este Tribunal.

Distribuídos, vieram conclusos.

Cumpriram-se as formalidades previstas nos arts. 929 a 935, do CPC.

É o relatório.

VOTO

O apelo é tempestivo. Dispensado o preparo em razão do benefício da justiça gratuita.

Para um melhor esclarecimento dos fatos delineados na demanda, peço vênia para transcrever trecho do relatório da sentença:

IRENE DOS SANTOS MACHADO ajuizou ação de indenização contra o HOSPITAL SÃO LUCAS DA PUCRS.

Alegou que recebeu atendimento no Hospital de Pronto Socorro, em Porto Alegre, em 12/05/2012, em razão de ferimento corto-contuso no polegar direito. Foi então encaminhada para cirurgia plástica por meio do SUS, sendo então direcionada para o hospital réu. Os atendimentos prestados pelo réu ocorreram em 01 e 03/07, depois 04 e 25/09 e 02/10/2012. O procedimento cirúrgico reparador foi realizado no dia 07/05/2013, com segundo procedimento em 26/11/2013. Alegou que os procedimentos foram realizados com defeito, já que não corrigida a fratura, com sequelas que permanecem na sua mão. Apontou dores e o comprometimento funcional da mão. Descreveu os procedimentos realizados e o prognóstico reservado que possui atualmente. Alegou depois danos morais e estéticos e a responsabilidade do réu ao pagamento das respectivas indenizações. Pediu a procedência da demanda. Requereu o benefício da gratuidade e juntou documentos.

Citada, a ré contestou argumentando que a autora procurou atendimento no hospital em 19/06/2012 e, submetida a exames, foi constatada a presença de lesão crônica de tendão flexor (mais de três meses), sendo então indicado tratamento cirúrgico com transferência de tendão flexor superficial do 4º dedo para o polegar. Defendeu a indicação do procedimento no caso concreto, destacando a condição de tabagista da autora como fator complicador para a recuperação. A autora faltou a consulta agendada para 03/07/2012,l retornando ao serviço médico apenas em 04/09/2012, com as mesmas queixas, sendo então confirmado o diagnóstico e tratamento proposto. Por conta da rigidez articular apresentada, foi prescrito tratamento fisioterápico prévio, sendo percebidas as faltas da autora a quatro das sessões designadas e à consulta com fisiatra. Apontou a realização do procedimento e a recuperação nos termos esperados, mas sem que a autora tenha realizado as sessões de fisioterapia prescritas no pós-operatório e essenciais para a recuperação dos movimentos. Apontou que a autora já se submetia a tratamentos psiquiátricos antes e que se indica a não realização do tratamento recomendado, em especial a fisioterapia. Argumentou depois que se trata de relação que envolve obrigação de meio e que não houve defeito na prestação dos serviços. Disse ainda que a sua responsabilidade depende da demonstração do agir culposo por parte da equipe médica que prestou o atendimento para a autora. Contestou os danos e concluiu com o pedido de improcedência da demanda. Juntou documentos.

Pois bem. Segundo Maria Helena Diniz: “A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal” (in Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil, Volume 7, 29ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2015, p. 51).

Nessa linha, importante referir que os hospitais, na qualidade de fornecedores de serviços, respondem objetivamente pelos danos causados aos seus pacientes, ou seja, independente de culpa, na forma do art. 14, caput, do CDC, bastando a comprovação do prejuízo e do nexo de causalidade. Assim dispõe o referido dispositivo legal:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

É o que ensina Sérgio Cavalieri Filho (in Programa de Responsabilidade Civil, 11ª ed., Editora Atlas, São Paulo, 20014, p. 449):

(...) Os estabelecimentos hospitalares são fornecedores de serviços, e, como tais, respondem objetivamente pelos danos causados aos seus pacientes, quer se tratem de serviços decorrentes da exploração de sua atividade empresarial, tais como defeito de equipamento (v, g. em Porto Seguro a mesa de cirurgia quebrou durante o parto e o bebê caiu ao chão, não resistindo ao traumatismo craniano), equívocos e omissões da enfermagem na aplicação de medicamentos, falta de vigilância e acompanhamento do paciente durante a internação (v. g. queda do paciente do leito hospitalar com fratura do crânio), infecção hospitalar etc.; quer se tratem de serviços técnico-profissionais prestados por médicos que neles atuam ou a eles sejam conveniados.

É o que o CDC chama de fato do serviço, entendendo-se como tal o acontecimento externo ocorrido no mundo físico que causa danos materiais ou morais ao consumidor, mas decorrente de um defeito do serviço.

Essa responsabilidade, como se constata no próprio texto legal, tem por fundamento ou fato gerador o defeito do serviço, que, fornecido ao mercado, vem a dar causa a um acidente de consumo. “O serviço é defeituoso, diz o §1° do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais o modo do seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi fornecido.” Trata-se, como se vê, de uma garantia deque o serviço será fornecido ao consumidor sem defeito, de sorte que, ocorrido o acidente de consumo, não se discute culpa; o fornecedor responde por ele simplesmente porque lançou no mercado um serviço com defeito. E mais, será absolutamente irrelevante saber se o fornecedor tinha ou não conhecimento do feito, bem como se esse defeito era previsível ou evitável. Em face do fato do serviço, o defeito é presumido porque o Código diz – art. 14, §3°, I – que o fornecedor só excluirá a sua responsabilidade se provar – ônus seu – que o defeito inexiste, vale dizer, que o acidente não teve por causa um defeito do serviço.

De outro lado, a responsabilidade das pessoas jurídicas prestadoras de serviços médicos poderá se subordinar à aferição da culpa quando a pretensão decorrer de ato de profissional médico integrante do corpo cínico do hospital.

Aliás, este vem sendo o entendimento adotado pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça, conforme precedente que segue:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ERRO MÉDICO. OCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DIANTE DA EXISTÊNCIA DE VÍNCULO ENTRE MÉDICO E HOSPITAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MODIFICAÇÃO DO ACÓRDÃO QUE DEMANDA REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE A TEOR DA SÚMULA 7 DO STJ.
1. A jurisprudência desta Corte Superior, tocante à responsabilidade civil dos hospitais, está firmada no seguinte sentido: "(i) as obrigações assumidas diretamente pelo complexo hospitalar limitam-se ao fornecimento de recursos materiais e humanos auxiliares adequados à prestação dos serviços médicos e à supervisão do paciente, hipótese em que a responsabilidade objetiva da instituição (por ato próprio) exsurge somente em decorrência de defeito no serviço prestado (artigo 14, caput, do CDC); (ii) os atos técnicos praticados pelos médicos, sem vínculo de emprego ou subordinação com o hospital, são imputados ao profissional pessoalmente,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT