Acórdão nº 50010491620218210027 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 24-05-2023

Data de Julgamento24 Maio 2023
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50010491620218210027
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003714507
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001049-16.2021.8.21.0027/RS

TIPO DE AÇÃO: Dano Qualificado (art. 163, § único)

RELATOR: Desembargador JONI VICTORIA SIMOES

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público, na Comarca de Santa Maria, ofereceu denúncia contra JONAS ESCOBAR DA SILVA, imputando-lhe a prática do crime previsto no artigo 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal, pelo seguinte fato:

No dia 07 de dezembro de 2020, à tardinha, em Santa Maria – RS, o denunciado JONAS ESCOBAR DA SILVA danificou coisa alheia móvel, qual seja, uma tornozeleira eletrônica do Instituto Penal de Monitoramento Eletrônico da 2ª Região.

Na ocasião, o denunciado danificou a peça principal C71Z4M6D e a peça auxiliar CT4J4F3A de sua tornozeleira eletrônica, bem como, não devolveu os demais equipamentos que compõem o kit de carga da tornozeleira.

O denunciado causou um dano no valor aproximado de R$ 679,00 (seiscentos e setenta e nove reais), conforme auto de constatação de dano de fls.

A denúncia foi recebida em 22/01/2021.

O réu foi citado e apresentou resposta à acusação, por intermédio da Defensoria Pública.

Não sendo caso de absolvição sumária, foi determinado o prosseguimento do feito, com a oitiva de uma testemunha da acusação e o interrogatório do acusado.

Encerrada a etapa instrutória, a acusação fez suas alegações finais oralmente, ao passo que a defesa apresentou memoriais escritos.

Sobreveio sentença, julgando IMPROCEDENTE a ação penal, para absolver o réu JONAS ESCOBAR DA SILVA da imputação que lhe foi feita, com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

O Ministério Público interpôs recurso de apelação, o qual foi recebido.

Nas suas razões recursais, a acusação postula a reforma da sentença absolutória, sustentando, em suma, que se encontram suficientemente comprovadas a autoria e a materialidade do delito de dano imputado ao réu. Nessa linha, aduz que não procede a tese de ausência de dolo, uma vez que presente a intenção de "destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia", não se exigindo o animus nocendi, de modo que irrelevante o fato de que o objetivo final do acusado era evadir-se.

Apresentadas contrarrazões.

O inculpado foi intimado da sentença.

Subiram os autos a esta Corte e foram distribuídos a esta Relatoria.

O Ministério Público, em parecer da lavra do Procurador de Justiça, Dr. Edgar Luiz de Magalhães Tweedie, opinou pelo provimento do recurso ministerial.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, uma vez satisfeitos os requisitos de admissibilidade.

Adianto, no entanto, que não é caso de dar provimento ao apelo ministerial.

O conjunto probatório dos autos consiste no boletim de ocorrência policial, no Ofício do Instituto Penal de Monitoramento Eletrônico da 2ª Região, no auto de avaliação indireta, bem como na prova oral coligida.

Com efeito, o inculpado admitiu o fato imputado, alegando que teria danificado a tornozeleira com o intuito de evadir-se dos policiais, pois temia por sua integridade física. A esse respeito, narrou que teria brigado com sua esposa e que ela, querendo prejudicá-lo, havia contatado amigos dela, também apenados, que teriam "postado coisas" a seu respeito para policiais, ensejando uma "caçada" atrás dele.

O dano ao dispositivo, assim como a fuga do réu, foram confirmados, em juízo, também pela testemunha Fernando, agente penitenciário, que relatou, ainda, ter sido possível localizar o item, na rua, e recuperá-lo, embora danificado.

Pois bem, embora haja prova da materialidade do fato, assim como de sua autoria, entendo que há dúvidas invencíveis no que se refere ao elemento subjetivo essencial à configuração do crime previsto pelo artigo 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal.

Isso porque, contrariamente ao que aduz a acusação, segundo o entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça, para a constatação do delito de dano qualificado, cometido contra patrimônio público, é imprescindível a demonstração do animus nocendi, consistente na manifesta intenção de causar prejuízo ao bem público.

Ou seja, não é configurado o crime em comento quando a intenção primordial do indivíduo, ao romper a tornozeleira eletrônica, é a de burlar a fiscalização estatal. E, como visto, no caso concreto, o réu asseverou ter danificado a tornozeleira para evadir-se, pois temia por sua integridade física.

Em casos análogos, já decidiu a Corte Superior:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM HABEAS COUS. CRIME DE DANO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. NÃO COMPROVAÇÃO DO DOLO DE CAUSAR PREJUÍZO OU DANO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Hipótese em que a decisão recorrida deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos. Segundo a taurisprudência dessa Corte superior, para a caracterização do crime de dano qualificado contra patrimônio da União, Estado ou Município, mister se faz a comprovação do elemento subjetivo do delito, qual seja, o animus nocendi, caracterizado pela vontade de causar prejuízo ou dano ao patrimônio público, o que não se verifica na espécie, em que o recorrente destruiu a tornozeleira eletrônica para fins de fuga. 2. Agravo improvido. (AgRg no RHC n. 145.733/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 31/8/2021)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE DANO QUALIFICADO. ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DO CÓDIGO PENAL - CP. DESTRUIÇÃO DE TORNOZELEIRA ELETRÔNICA PARA EVASÃO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ANIMUS NOCENDI. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A danificação de tornozeleira eletrônica para evasão não configura o delito do art. 163, parágrafo único, III, do CP, por ausência de animus nocendi. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1861044/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 28/04/2020, DJe 04/05/2020)

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. CRIME DE DANO QUALIFICADO. ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DO CP. DANO QUALIFICADO PRATICADO CONTRA PATRIMÔNIO PÚBLICO. DESTRUIÇÃO DE TORNOZELEIRA ELETRÔNICA PARA EVASÃO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ANIMUS NOCENDI. AUSÊNCIA. PRECEDENTES. 1. Para a caracterização do crime tipificado no art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal, é imprescindível o dolo específico de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, ou seja, a vontade do agente deve ser voltada a causar prejuízo patrimonial ao dono da coisa, pois, deve haver o animus nocendi. 2. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1722060/PE, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 02/08/2018, DJe 13/08/2018)

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS COUS. CRIME DE DANO QUALIFICADO PRATICADO CONTRA O PATRIMÔNIO PÚBLICO. TENTATIVA DE FUGA DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO (ANIMUS NOCENDI). NÃO CONFIGURAÇÃO DO DELITO. 1 - Consoante jurisprudência desta Corte, para a configuração do crime de dano previsto no art. 163 do Código Penal, mostra-se imprescindível a presença do elemento subjetivo específico, qual seja, o animus nocendi, que consiste na vontade deliberada de causar prejuízo ao patrimônio alheio. 2 - "A destruição de patrimônio público (buraco na cela) pelo preso que busca fugir do...

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