Acórdão nº 50010654620208210013 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 03-11-2022

Data de Julgamento03 Novembro 2022
ÓrgãoOitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50010654620208210013
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002756310
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001065-46.2020.8.21.0013/RS

TIPO DE AÇÃO: Reconhecimento/Dissolução

RELATOR: Desembargador JOSE ANTONIO DALTOE CEZAR

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por MARI T. N., contra sentença proferida pelo juízo de origem que, nos autos da ação de dissolução de união estável c/c partilha de bens, ajuizada por CLAUDIO S., julgou procedentes os pedidos formulados na exordial, para declarar a dissolução da união estável, a partir de 28/10/019, e partilhar em 50%, para cada parte, do imóvel de matrícula nº 7.335 no CRI de Erechim1, da área rural2 relativa às matrículas nº 2103, 5255, 6252 todas no Registro de Imóveis de Aratiba, inclusive da metade do plantio de eucaliptos desta área rural descrita, da motocicleta Honda CG 125, ano 1995, placas ICT9579 e o quantum indenizatório referente ao processo de nº 013/1.13.0008669-5.

Ainda, condenou a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa.

Em suas razões (EV162-APELAÇÃO1-1ºG), a apelante aduziu que o regime de comunhão universal de bens é incompatível com a união estável. Sustentou que na união estável não se pode eleger o regime de bens, sendo esta opção exclusiva do casamento. Juntou jurisprudência. Discorreu que a apelante é viúva, havendo processo de inventário, sob o nº 5000563-54.2013.8.21.0013, tramitando perante a 3ª Vara Cível da Comarca de Erechim, sendo que até hoje o inventário não foi ultimado e não se deu a partilha dos herdeiros. Afirmou que, nesses casos, no casamento, há a adoção do regime de separação de bens. Asseverou que o regime de bens que deveria vigorar na relação mantida entre as partes é o regime de separação obrigatória de bens. Postulou o provimento do recurso, de modo que seja reconhecido o regime de separação obrigatória de bens entre as partes.

Em contrarrazões (EV166-CONTRAZAP1-1ºG), a parte apelada requereu o desprovimento do recurso.

Em parecer, a Procuradora de Justiça, Dra. Synara Jacques Buttelli Göelzer, manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É, no que essencial, o relatório.

VOTO

Conheço o recurso de apelação interposto, tendo em vista que preenchidos os requisitos legais de admissibilidade.

O presente recurso pretende a reforma da decisão proferida pelo juízo de origem que, nos autos da ação de dissolução de união estável c/c partilha de bens, manteve o regime de comunhão total de bens disposto no contrato de união estável.

Pois bem.

Tenho que assiste razão à apelante.

No caso, incontroverso a existência de união estável entre as partes, tendo em vista o contrato firmado mediante o 2º Tabelionato de Notas.

Outrossim, não se olvida que tocante aos diretos patrimoniais decorrentes da união estável, aplica-se, como regra geral, o regime da comunhão parcial de bens, ressalvado os casos em que houver disposição expressa em contrário, nos termos do artigo 1.725 do Código Civil, como ocorreu no caso em questão, no qual as partes elegeram o regime de comunhão total de bens (EV1-CERTCAS7-1ºG).

Ocorre que a apelante é viúva, tendo seu ex-marido vindo a óbito em 18/04/2013 (EV3-PROCJUDIC1-5000563-54.2013.8.21.0013), havendo processo de inventário, o qual ainda está em tramitação perante o Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Erechim.

Com efeito, denota-se que à época em que realizada a escritura pública declaratória de união estável, datada de 15/06/2015, os bens arrolados no inventário ainda estavam pendentes de partilha entre os herdeiros, Mari e os dois filhos comuns do ex-casal, Jessica e Edson, aplicando-se o disposto no art. 1.523, I3 c/c art. 1.641, I4, ambos do Código Civil.

Nesse sentido, especifica o jurista Dr. Rolf Madaleno, em seu livro Curso de Direito de Família: "1 - O viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros (art. 1.523). O viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido e casar em segundas nupcias antes precisa fazer o inventário dos bens do casal e dar a partilha aos herdeiros, e se violar este preceito sofrerá duas ordens de sanções: a celebração do segundo casamento será, obrigatoriamente, sob o regime de separação de bens (CC, art. 1.641, inc. 1) e a imposição de hipoteca legal de seus imóveis, em favor dos filhos (CC, art. 1.489, inc. II). Como antes exposto, os cônjuges têm, de regra, a liberdade de escolha do seu regime matrimonial de bens, salvo as limitações motivadas pela ordem pública, sancionando na sua inobservância o casamento pelo regime legal da separação de bens, para quem celebrar nupcias com infração do estatuído no inciso I do artigo 1.523 do Código Civil. É causa suspensiva, que procura coibir o casamento sem ter sido ultimada a partilha dos bens do anterior casamento, mas cuja infração não leva à anulação do matrimonio, embora caracterize irregularidade em sua celebração, e obrigue ao casamento pelo regime legal da separação de bens, sem a possibilidade de adoção de pacto antenupcial, por ser um regime imposto e não livremente escolhido. Nada impede, igualmente, que os cônjuges requeiram, posteriormente em juízo, a alteração do regime obrigatório de separação de bens depois de ultimados o inventario e a partilha dos bens do anterior matrimônio."5.

No ponto, salienta-se que há entendimento jurisprudencial pela isonomia entre as instituições da união estável e do casamento, havendo, inclusive, previsão constitucional para a sua equiparação, conforme preceitua o art. 226, § 3º, da Constituição Federal.

Nesse sentido, a título exemplificativo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que: "É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002." (Tema 809).

Para corroborar:

Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.

(RE 878694, Relator(a):...

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