Acórdão nº 50010680520198210023 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50010680520198210023
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003205105
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001068-05.2019.8.21.0023/RS

TIPO DE AÇÃO: Cartão de Crédito

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: FINANCEIRA ITAU CBD S.A. - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: SUZANA BORGES GONCALVES (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por FINANCEIRA ITAU CBD S.A. - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO da sentença que julgou procedente a pretensão deduzida na ação indenizatória ajuizada por SUZANA BORGES GONCALVES (Evento 72), cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos:

Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, para CONDENAR as requeridas, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos morais à autora, que fixo em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), valor que deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M, a partir da data da publicação da sentença, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação.

Sucumbente, condeno a parte ré, de forma solidária, ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios aos procuradores da parte adversa, fixados em 15% do valor da condenação (art. 85, § 2º, CPC). O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir da presente decisão e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar do trânsito em julgado.

Em razões, sustenta o apelante que as testemunhas ouvidas nos autos se limitaram a afirmar que ouviram que as ligações seriam do banco réu. Ressalta que a parte autora possuía 21 inscrições negativas em seu nome junto a diversos credores. Salienta a inexistência de indícios de que todas as cobranças tenham sido efetuadas pela parte ré. Preconiza que a demandante consiste em devedora contumaz. Refere que as testemunhas apenas ratificaram que os telefonemas eram decorrentes de cobrança, mas não especificaram se todas as ligações diziam respeito ao débito cobrado pela demandada. Enfatiza que a autora não trouxe aos autos provas a demonstrar a suposta cobrança excessiva. Aduz que as cobranças por meio de correspondências postais, e-mails, SMS e telefonemas não acarretam exposição do devedor ao ridículo ou sua submissão a contrangimento, a autorizar a aplicação do disposto no art. 42 do CDC. Colaciona julgados em abono a sua pretensão. Postula o afastamento do dever de indenizar. Subsidiariamente, pugna pela incidência dos juros moratórios e da correção monetária a contar da data do arbitramento da indenização. Alternativamente, requer a redução dos honorários advocatícios sucumbenciais devidos ao patrono da parte autora. Pede provimento (Evento 81).

Foram apresentadas contrarrazões pela parte autora no Evento 84, nas quais sustenta, preliminarmente, o não conhecimento do apelo, ao argumento de que a parte ré, no bojo do seu apelo, trouxe alegações que não foram veiculadas na contestação, a configurar inovação em grau recursal.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação interposta pela parte ré (Evento 81) é tempestiva, pois o prazo para recorrer iniciou em 18/08/2022 (Evento 73) e o recurso foi interposto no dia 08/09/2022 (Evento 81). Além disso, restou comprovado o recolhimento do preparo (Evento 62). Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação (Evento 79), a qual passo ao exame.

1. PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. INOVAÇÃO RECURSAL.

A preliminar de inovação recursal confunde-se com o mérito e com ele será examinada.

2. COMPROVAÇÃO DO DANO OCASIONADO À CONSUMIDORA. COBRANÇA DE DÍVIDA. EXCESSO CONFIGURADO.

De início, vale destacar que o procedimento de cobrança extrajudicial constitui exercício regular do direito do credor e não configura, por si só, conduta abusiva ou ilicitude capaz de ocasionar responsabilização civil, conforme dispõe o art. 188, I do Código Civil.

Acerca do tema, o Código de Defesa do Consumidor veda a cobrança abusiva, conforme se depreende do art. 42, o qual estabelece que na cobrança de débitos o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Portanto, havendo excesso na atividade de cobrança, caracterizado está o ilícito civil, nos termos do art. 187 do Código Civil, a ensejar responsabilização.

Com relação ao dano moral alegadamente suportado pela demandante, entendo que restou demonstrado nos autos.

Da análise da prova testemunhal colhida nos autos, depreende-se que restou comprovado nos autos que a cobrança a que foi submetida a autora foi vexatória, na medida em que foram realizadas diversas ligações ao local de trabalho da demandante, ocasionando um constrangimento perante seus colegas.

Veja-se que as três testemunhas ouvidas nos autos relataram que a condição de devedora da parte autora era objeto de conhecimento dos funcionários que laboravam no mesmo local de trabalho da demandante, a evidenciar que a cobrança de dívida em discussão desbordou dos limites do que se entende razoável, ante a sua exposição perante seus colegas de trabalho e superiores na qualidade de devedora, vindo, inclusive, a ser chamada de "caloteira".

Por oportuno, transcrevo os trechos da sentença em que examinada a prova testemunhal, os quais evidenciam a ocorrência do dano moral experimentado pela parte autora, in verbis:

Em audiência, a testemunha Gabriela da Silva Ribeiro disse que soube de cobranças realizadas no CFC onde trabalhavam, referindo que nos intervalos entre as aulas, quando passava pela recepção ou na área de convívio com outros funcionários e diretores, os colegas comentavam sobre as cobranças direcionadas à Suzana, que eram muitas ligações e que as pessoas ficavam falando que ela estava devendo. Sobre os comentários dos colegas, disse que diziam que Suzana devia estar devendo considerando a quantidade de vezes que ligavam. Disse que Suzana estava preocupada com a situação, que eram constantes as ligações e que ela estava envergonhada, que mudou o modo de conversar com os colegas, que virou motivo de chacota entre os colegas, que a chamavam de caloteira e comentavam que não podiam vender para Suzana pois teriam que ligar para a recepção para cobrar. Questionada, disse que em uma oportunidade ouviu que as cobranças eram do Banco Itaú.

A testemunha Robson também referiu que ouvia comentários sobre as ligações de cobrança para Suzana, referindo que eram feitas para a recepção do CFC e que via as recepcionistas atendendo e comentando que eram cobranças para Suzana, referindo que pelo que lembra as cobranças eram do Banco Itaú. Referiu que as cobranças eram constantes, praticamente todos os dias, com ligações para a recepção, para o celular de Suzana. Disse que Suzana comentou que queria pagar, mas que estava complicada a situação, referindo que ficavam debochando dela na autoescola e que estava chateada com a situação. Disse que a situação virou motivo de chacota, que chamavam Suzana de caloteira e que isso virou assunto entre os funcionários e até mesmo os alunos sabiam da situação. Questionado, não sabe dizer se a situação influenciou na demissão de Suzana, referidno que ela era boa funcionária e foi em seguida das cobranças que foi demitida, mas não pode afirmar. Questionado se ficou claro quem estava cobrando, se o Banco Itaú ou empresa terceira, disse que não sabe, mas era representando o Itaú.

A testemunha Rosiane Martins Caldas trabalhou com Suzana no CFC, referindo que recebeu cobranças e ligações, que era telefonista e eram mais de duas, três ligações por dia, referindo que a situação começou em 2019 e perdurou até um pouco depois da demissão de Suzana. Questionada sobre o teor das ligações, disse que solicitavam que passasse recado para Suzana, mas que eram várias vezes por dia, que alguns atendentes eram grosseiros. Disse que os chefes já estavam incomodados com a situação, pois eram várias ligações ao dia e todos os dias, referindo que não somente ela atendia as ligações, mas outros colegas, e o assunto se espalhou. Os colegas chamavam Suzana de caloteira, falavam que ela não pagava as contas, referindo que eram em torno de 100 pessoas trabalhando no local na época e que presenciou colegas comentando sobre o assunto. Que Suzana ficava com vergonha. Não sabe dizer se foi uma das causas de Suzana ter perdido o emprego, mas a situação incomodava, referindo que deixavam de atender possíveis clientes para atender as ligações repetidas de cobrança. Disse que recebiam também correspondências direcionadas à Suzana, referindo que acreditava ser de cobrança pois eram do banco. Não sabe se todas as ligações eram da R Brasil, mas eram sempre referentes à dívida com Banco Itaú.

Desse modo, considerando que os transtornos suportados pela parte autora, no caso em análise, não podem ser qualificados como meros aborrecimentos, a configuração do dano moral resta inarredável, sendo perfeitamente cabível a indenização pretendida.

Neste sentido, colaciono julgados deste Tribunal de Justiça:

APELAÇÕES CÍVEIS. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO REVISIONAL C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Razões dissociadas. No pertinente à eventual declaração de indébito e sentença ultra petita, não conhecido apelo do réu. Juros remuneratórios. Demonstrada a abusividade, merecendo ser mantida a limitação imposta na sentença – média do mercado divulgada pelo BACEN. Capitalização. Ausente interesse recursal. Caso concreto. Constatada a irregularidade da cobrança em local de trabalho, expondo a parte autora junto a seus colegas e superiores, resta o dever de restituir na forma do pedido inicial. Dano Moral. Demonstrada a extrapolação dos poderes do contrato, observado que o endereço profissional não foi fornecido pelo contratante no ato da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT