Acórdão nº 50010784620148210016 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 08-04-2022
Data de Julgamento | 08 Abril 2022 |
Órgão | Décima Nona Câmara Cível |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50010784620148210016 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20002025840
19ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5001078-46.2014.8.21.0016/RS
TIPO DE AÇÃO: Usucapião Extraordinária
RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL
APELANTE: EDGAR DE LIMA GABRIEL (AUTOR)
APELANTE: EVA DE LIMA PEDROSO (AUTOR)
APELADO: ADAO GABRIEL (RÉU)
APELADO: ALEXANDRE DE LIMA GABRIEL (RÉU)
APELADO: ROSALINA DE LIMA GABRIEL (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por EDGAR DE LIMA GABRIEL e EVA DE LIMA PEDROSO contra sentença de improcedência proferida nos autos da Ação de Usucapião em que contende com a SUCESSÃO DE ADAO GABRIEL, representada pelo herdeiro ALEXANDRE DE LIMA GABRIEL, e ROSALINA DE LIMA GABRIEL.
Eis o dispositivo da sentença (fls. 128-129 dos autos físicos):
"ISSO POSTO, julgo improcedente o pedido feito por Eva de Lima Pedroso e Edgar de Lima Gabriel nesta Ação de Usucapião ajuizada contra a Sucessão de Adão Gabriel, Rosalina de Lima Gabriel e Alexandre de Lima Gabriel.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios que fixo em R$ 500,00, pelo trabalho realizado, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Fica suspensa a sua exigibilidade pelo deferimento do benefício da Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da Lei 1.060/50.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se."
Em suas razões recursais (fls. 130-134), os apelantes sustentam a necessidade de reforma da sentença de improcedência da ação. Inicialmente, tecem considerações teóricas sobre o instituto da usucapião como modo originário de aquisição da propriedade. Reiteram os argumentos já expostos na petição inicial, asseverando exercer posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel usucapiendo há mais de 10 anos, onde afirmam residir. Invocam o teor do art. 1.238, parágrafo único, e do art. 1.242 do CC. Afirmam que a prova testemunhal demonstrou exercerem a posse sobre o imóvel há mais de 15 anos. Referem que "do depoimento das demais testemunhas, pode-se verificar que a senhora Eva efetuou a troca de outro imóvel que estava registrado em seu nome, pela parte do imóvel usucapiendo que pertencia ao Sr. Alexandre, que é filho de Rosalina, ficando, assim comprovado o animus domini dos Apelantes". Alegam possuir "justo título para a ação de usucapião ordinário [...] devendo ser reformada a decisão proferida pelo juízo a quo, nos termos do pedido inicial, tendo em vista a impossibilidade de ser regularizada a propriedade por escrituras públicas e registro em razão do óbito do proprietário registral, protagonista do negócio jurídico firmado entre as partes". Requerem o provimento do recurso para que a ação seja julgada totalmente procedente.
Regularmente intimados, os demandados deixaram de apresentar contrarrazões (Evento 7 - PROCJUDIC4 - fl. 137 dos autos físicos).
Remetidos os autos a esta Egrégia Corte, o recurso foi distribuído.
Nesta instância recursal, o Ministério Público exarou parecer (Evento 7) opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Vieram conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Conheço do recurso, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade aplicáveis à espécie.
Cuida-se de Ação de Usucapião proposta por EDGAR DE LIMA GABRIEL e EVA DE LIMA PEDROSO, ora apelantes, em face da SUCESSÃO DE ADAO GABRIEL, representada pelo herdeiro ALEXANDRE DE LIMA GABRIEL, e ROSALINA DE LIMA GABRIEL.
Em apertada síntese, almejam os apelantes a declaração de propriedade sobre um terreno urbano com área superficial de 325m², localizado na Rua Waldemar Betsch, bairro Storch, no Município de Ijuí, dentro de um todo maior medindo 650m², registrado sob a matrícula nº 23.476 do Registro de Imóveis local.
Na exordial, relatam exercer a posse mansa, pacífica, sem oposição e com animus domini, há pelo menos 10 anos, sobre o imóvel litigioso. Alegam quem 13/06/2005, adquiriram o imóvel da apelada Rosalina, "que detinha a posse do mesmo, permutando-o por outro imóvel" de propriedade da apelante Eva, a saber, um terreno contendo 250m² localizado na esquina formada pela Rua Alderi Gamara com a Rua Carlos Catani, Bairro Colonial, Ijuí/RS, registrado sob a matrícula nº 29.393.
Mencionam residir no imóvel há 9 anos, mas que, pelo fato de pertencer à sua genitora pelo período aproximado de 30 anos, é possível as somas das respectivas posses para fins de usucapião.
Referem não ter registrado o citado contrato no álbum imobiliário, por acreditarem serem os seus proprietários.
Postulam a aquisição da propriedade com fulcro no art. 1.242 do Código Civil, entendo gozar de justo título para a aquisição imobiliária.
Citada, a SUCESSÃO DE ADÃO GABRIEL, representada por seu herdeiro ALEXANDRE DE LIMA GABRIEL, apresentou contestação (fls. 60-61) informando que tanto ele, quanto o apelante EDGAR são filhos do falecido ADÃO e da apelada ROSALINA, sendo sucessores do primeiro. Referiu residir com a sua genitora ROSALINA no imóvel objeto de usucapião, que pertencia a ela e a ADÃO, de modo que o procedimento correto a ser adotado é o ajuizamento de ação de inventário e partilha.
Em réplica, os apelantes afirmaram que, apesar de haverem sido realizados o inventário e a partilha de bens deixados por ADÃO, os formais de partilha não foram registrados, razão pela qual necessário o prosseguimento do feito.
O feito foi regularmente instruído, inclusive com a realização de audiência de instrução e julgamento para oitiva de testemunhas.
Conforme relatório supra, foi proferida sentença de improcedência da ação.
Cinge-se a controvérsia recursal em verificar o preenchimento dos requisitos necessários à declaração do domínio pela usucapião.
Sem preliminares a apreciar, passo diretamente ao exame do mérito recursal.
1. Da Usucapião:
O recurso não comporta provimento.
Modo geral, o instituto da usucapião é modo originário de aquisição da propriedade, conforme magistério Cristiano Chaves de Farias1:
"A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada da coisa, acrescida de demais requisitos legais. O art. 1.238 do Código Civil reafirma a usucapião como modo de aquisição de propriedade imobiliária. Seja qual for o gênero adotado, o termo usucapião é oriundo do latim usu capio, ou seja, tomar a coisa pelo uso."
Como requisitos à aquisição da propriedade por meio de usucapião são necessários a posse mansa e pacífica com ânimo de dono pelo tempo previsto na lei.
Mas, é possível usucapir, também, com base em posse adquirida em justo título, usucapião ordinário, como dispõe o art. 1.242 do CC:
"Art. 1242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por 10 (dez) anos."
É pertinente destacar a lição de Arnaldo Rizzardo2 distinguindo os meios de usucapir ordinário e extraordinário:
“Note-se que o traço distintivo entre usucapião extraordinário e ordinário se encontra na exigência, para o último, dos requisitos do justo título e boa-fé, cuja existência se presume no primeiro tipo e em que o prazo da posse é mais longo.(...)
Eis os requisitos impostos para o reconhecimento da usucapião em exame: a) objeto hábil; b) duração da posse; c) as qualidades da posse; d) o justo título; e) a boa-fé."
O justo título significa título com aparência de legítimo e válido como ensinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald3:
"No sistema brasileiro, a transferência da propriedade demanda que sejam aferidos os três planos do negócio jurídico: existência, validade e eficácia. Não sendo satisfeita uma das três esferas, inexiste transmissão de propriedade, pois nada se adquire quando não se aliena.
O justo título pode se concretizar em uma escritura de compra e venda, formal de partilha, carta de arrematação, enfim um instrumento extrinsecamente adequado à aquisição do bem por modo derivado. Importa que contenha aparência de legítimo e válido, com potencialidade de transferir direito real, a ponto de induzir qualquer pessoa normalmente cautelosa a incidir em equívoco sobre a sua real situação jurídica perante a coisa."
Acerca do justo título indicam os precedentes deste Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO (BENS IMÓVEIS). AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIA. ART. 1.242 DO CCB. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PACIFICIDADE. NÃO VERIFICADA. PENHORA E ADJUDICAÇÃO POSTERIOR. INCONSEQUÊNCIA. REQUISITOS PREENCHIDOS. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. DIREITO À MORADIA. PRECEITOS CONSTITUCIONAIS. PROCEDÊNCIA DA DEMANDA. SENTENÇA MODIFICADA. Requisitos da usucapião. Para que seja reconhecida a usucapião ordinária é necessária a existência da posse, que perdure, ininterruptamente, por determinado período de tempo (10 anos), de forma mansa e pacífica, com justo título e com a intenção do possuidor de tê-la como sua (animus domini), consoante se extrai do art. 1242 do CCB. Caso. Demonstrado nos autos de que a parte autora preencheu os requisitos legais para a aquisição da área em tela é de ser acolhido o pleito prescricional aquisitivo. Justo título. Contrato de compra e venda é documento válido para demonstrar o justo título, independente de registro imobiliário. Jurisprudência do STJ. Pacificidade. Penhora. Adjudicação. Consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ, eventual ação possessória ou constrição (penhora, hipoteca, adjudicação, etc.) havida sobre o imóvel, antes ou depois de proposta a ação de usucapião, não interrompe o prazo prescricional aquisitivo, nem tem o condão de desqualificar a pacificidade da posse. Função social da propriedade e direito à moradia. O princípio da função social da propriedade atualmente possui dentro da Constituição Federal de 1988, status de garantia...
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