Acórdão nº 50010792420218210036 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 13-12-2022

Data de Julgamento13 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50010792420218210036
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003111400
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5001079-24.2021.8.21.0036/RS

TIPO DE AÇÃO: Crime de Descumprimento de Medida Protetiva de Urgência

RELATORA: Desembargadora MARIA DE LOURDES GALVAO BRACCINI DE GONZALEZ

RELATÓRIO

Adoto, inicialmente, o relatório do parecer ministerial:

"Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, inconformado com a decisão que, ao declinar da competência ao JECRIM, o fez em razão do entendimento de que o objeto jurídico tutelado pelo tipo penal do artigo 24-A da Lei nº 11.340/06 é a Administração Pública, de modo que, em respeito à vedação da interpretação expansionista ou "in malam parte", não deveria ser aplicada a restrição prevista no art. 41 da Lei 11.340/06, sendo passível, portanto, a incidência dos institutos despenalizadores previstos na Lei 9.099/95.

Nas razões de recurso, o Parquet sustentou pela incidência ao caso do artigo 41 da Lei Maria da Penha, devendo ser mantida a competência da Vara Criminal da Comarca de Soledade (evento 3 – PROCJUDIC1).

Foram apresentadas contrarrazões pela defesa, que pugnou pela manutenção da decisão por seus próprios e jurídicos fundamentos (evento 12 – CONTRAZ1).

Mantida a decisão (evento 14 – DESPADEC1)."

Subiram os autos a esta Corte, sendo distribuídos a esta Relatora.

Neste grau de jurisdição, dada vista ao Ministério Público,veio aos autos parecer no sentido do provimento do recurso (9.1).

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público, em face da decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Criminal de Soledade que entendeu pela incompetência do Juízo, determinando a redistribuição do feito ao Juizado Especial Criminal.

O ora recorrido Waldomiro restou assim denunciado:

"No dia 14 de março de 2020, por volta das 01h15min, na Av. Marechal Floriano Peixoto, n° 45, Bairro Centro, em Soledade/RS, o denunciado WALDOMIRO DUARTE descumpriu decisão judicial que deferiu medidas protetivas de urgência previstas na Lei n° 11.340/06 em favor da ofendida Janíce Dutra dos Santos, sua companheira.

Na oportunidade, o denunciado, ciente da decisão judicial que o proibia de se aproximar e manter contato com a ofendida, por qualquer meio de comunicação, procedeu de forma a violar tais medidas protetivas impostas em seu desfavor, ao arrombar uma porta da residência da ofendida, ingressando no local, investindo contra a vítima que precisou se defender com um pedaço de pau. A Brigada Militar foi acionada, vindo a deter o denunciado em flagrante delito.

As medidas protetivas foram deferidas no bojo do expediente n° 036/2.19.0003222-4, estando em Vidor, tendo o denunciado sido intimado em audiência realizada na data de 12/02/2020 (fl. 29)."

O Magistrado de primeiro grau entendeu pela incompetência da Vara Criminal para apreciação da matéria, porquanto o delito previsto no art. 24-A seria de menor potencial ofensivo e não possuiria a mulher como ofendida e, sim, imediatamente, a Administração Pública, de modo que determinou a redistribuição do feito ao Juizado Especial Criminal da Comarca no tocante ao referido crime (Evento 4 – DESPADEC1), advindo, daí, a irresignação ministerial.

Eis o teor da decisão recorrida:

"Vistos etc.

1) Autue-se. Com a devida vênia ao entendimento ministerial, melhor examinando a questão, observo o seguinte. O delito do novel artigo 24-A da Lei 11.340/06 não possui como objeto jurídico a mulher ofendida (mediatamente), e sim, imediatamente, o Estado-juiz; ou em sentido "lato sensu": a Administração Pública.

2) Daí por que não sendo a integridade física e psíquica da mulher o bem jurídico tutelado, muito menos a incolumidade moral, psicológica e física familiar (art. 226, § 8® da CF), falta título para a restrição, sob o enfoque da regra processual do art. 41 da Lei 11.340/06, dos institutos despenalizadores: transação penal (art. 76 da Lei 9.099/95), bem como suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95).

3) De fato. A citada norma constritiva, expressamente, enumera o seu suporte fático de incidência: "os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher" (grifei).

4) Daí por que sendo, dogmaticamente, defesa a interpretação expansionista ou "in malam parte" no âmbito criminal, outra exegese não emerge senão no sentido de não aplicabilidade do disposto no artigo 41 em face da persecução referente ao delito de desobediência de medidas judiciais protetivas contra a mulher. Cuida-se de delito com autonomia dogmática e jurídica para que não se tenha incertezas dogmáticas diante da regra do art. 20 da referida Lei e da do artigo 313, III, do CPP ("para garantir a execução das medidas protetivas de urgência".) Vale dizer: excluir qualquer juízo proibitivo no sentido de "bis in idem" punitivo.

5) ISSO POSTO, nos termos do art. 74, §2*3 do CPP, determino seja redistribuído o presente ao JECrim, com a designação de audiência preliminar para os fins do art. 76 da Lei 9.099/95 ou 79 da Lei 9.099/95."

Pela leitura da peça incoativa, verifica-se que houve suposta prática de crime de descumprimento de medidas protetivas, deferidas em proteção de vítima do sexo feminino e que era companheira do denunciado.

Entendeu o juízo de origem que o tipo penal não atinge a integridade física e psíquica da mulher e, menos ainda, a incolumidade moral, psicológica e física familiar, não havendo motivo para vedar ao réu os institutos despenalizadores dos arts. 76 e 89 da Lei 9.099/95 (transação penal e suspensão condicional do processo).

Porém, não se aplica ao artigo 24-A da Lei 11.340/06 as medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95, em conformidade com a Súmula 536 do STJ: A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.

No presente caso, tenho que o descumprimento da ordem judicial não afrontou apenas a dignidade da Justiça, mas feriu, de forma direta, a própria integridade...

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