Acórdão nº 50010827620158210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50010827620158210007
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002366068
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001082-76.2015.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER

APELANTE: ADRIANO LONGARAI DA SILVA (ACUSADO)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Nos autos da ação penal nº 007/2.15.0000293-0, oriunda da Comarca de Camaquã/RS, posteriormente digitalizada e cadastrada no eproc sob o nº 5001082-76.2015.8.21.0007:

O Ministério Público ofereceu denúncia contra ADRIANO LONGARAI DA SILVA, já qualificado, como incurso nas sanções do art. 16, §1º, IV, da Lei nº 10.826/03, pelo fato a seguir exposto:

"No dia 21 de janeiro de 2015, por volta das 03h30min, na Localidade de Ponto do Sutil, zona rural, no Município de Dom Feliciano-RS, o denunciado ADRIANO LONGARAI DA SILVA possuía, mantinha sob sua guarda e portava 01 (um) revólver, marca Rossi, calibre 38, tambor H 359, municiado com 05 (cinco) cartuchos intactos, calibre 38, com numeração raspada, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, conforme auto de apreensão de fl. 09.

Na ocasião, os policiais militares que estavam e patrulhamento ostensivo, receberam informações de que um automóvel de placas IJW1893 estaria em atitude suspeita próximo ao mercado Tio Ludovico, na Localidade de Vila Fátima. em razão disso, s policiais se deslocaram até o local e abordaram o referido veículo, próximo a Ponte do Sutil, momento em que foi encontrado o revólver e munição acima mencionados sobre o painel do carro que era conduzido pelo denunciado.

O denunciado foi preso em flagrante, sendo homologado o flagrante (fls. 30/30v), e, posteriormente, foi-lhe deferida liberdade provisória (fl. 51)."

A denúncia foi recebida em 25/03/2015 (fl. 72).

Após regular instrução do feito, sobreveio sentença (fls. 129/131v), publicada em em 11/12/2020 (fl. 131v), que julgou procedente a ação penal, para condenar o réu pela prática do crime previsto no art. 16, § 1º, IV, da Lei nº 10.826/03, à pena de 03 anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, além de pagamento de 10 dias-multa, à razão diária de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.

A defesa apelou (fl. 136) e, nas razões (fls. 138/141), postula a reforma da decisão. Sustenta a atipicidade do fato, ausente perigo concreto de lesão ao bem juridicamente tutelado, bem como a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato. Requer, por tais motivos, a absolvição.

O Ministério Público apresentou contrarrazões (fls. 142/144v).

Vieram os autos com remessa a esta Corte.

Nestes autos, a Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pelo improvimento da apelação.

É o relatório.

VOTO

I. Admissibilidade

O recurso preencheu os requisitos de admissibilidade, pelo que vai conhecido.

II. Mérito

O réu foi condenado como incurso nas sanções do art. 16, § 1º, IV, da Lei nº 10.826/03, à pena de 03 anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, além de pagamento de 10 dias-multa, à razão diária de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato

Delitos dessa natureza prescindem da demonstração do risco de dano. As Cortes Superiores, sobretudo o STF, guardião da Constituição Federal, afirmam não haver inconstitucionalidade na definição de crimes de perigo abstrato, tendo sido reconhecida, inclusive, a adequação da Lei nº 10.826/03 ao ordenamento pátrio por meio da ADI 3112/DF1. Nesse sentido, paradigmático precedente daquele Tribunal (HC 104410/RS – Min. Gilmar Mendes – Segunda Turma – Julgamento 06/03/2012). É prescindível, na hipótese, a demonstração de perigo de dano2. Também é o entendimento do STJ3. Por conta disso, inclusive, levando-se em conta o bem jurídico tutelado (incolumidade pública4), inexiste violação ao princípio da lesividade, matéria pacificada junto à 3ª Seção do STJ5, pouco importando, também para o STF6, se a arma estava desmuniciada ou desmontada.

Não há falar, assim, em atipicidade por ausência de ofensividade na conduta, tampouco inconstitucionalidade.

Quanto ao mais, o recurso não devolveu a esta Câmara a rediscussão dos fatos apontados na denúncia, razão por que, de acordo com entendimento jurisprudencial corrente, não se revela necessário dito enfrentamento. É o que vem defendendo, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça, ao destacar que O efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito processual penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte que defende os interesses adversos, garantindo-se, assim, o respeito à cláusula constitucional do devido processo legal. (HC 490.237/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 28/03/2019).

De qualquer modo, destaco que a materialidade está comprovada nos autos originais, pelo registro de ocorrência (fls. 04/06), pelo auto de apreensão (fl. 11), pelos laudos periciais nº 51235/2015 (fl. 117) e 84671/2015 (fls. 118/119), bem como pela prova oral colhida nos autos, que também dá conta da autoria e foi devidamente sintetizada na sentença, conforme se transcreve:

Inicio a análise pelo depoimento do policial militar Gerson Pinto Martins, o qual relatou que um comerciante na Vila Fátima ligou afirmando que um veículo Fiat/Pálio, cor cinza ou prata, estava em atitude suspeita em frente ao mercado. Durante o deslocamento, visualizaram o veículo referido e tentaram abordá-lo, no entanto, o condutor empreendeu fuga. Próximo à Ponte do Sutil, conseguiram abordá-lo, oportunidade em que localizaram um revólver, calibre 38, com numeração raspada, no painel do carro. Não recorda as alegações do réu. O veículo foi recolhido pois estava com licenciamento vencido.

O policial militar Leandro Kuhn asseverou que, na data do fato, foram solicitados pois o réu estava em atitude suspeita próximo a um mercado em Dom Feliciano. No deslocamento, encontraram ele retornando com o carro, procedendo o acompanhamento e posterior abordagem na RS 350. No painel do veículo, foi encontrado um revólver, com numeração raspada. O réu disse que usava arma para sua defesa. Ele tentou fugir, mas não resistiu à prisão.

Em seu interrogatório, o réu Adriano Longarai da Silva optou por permanecer em silêncio. No entanto, na fase policial (fl. 18), ele declarou que, na data do fato, teve uma discussão com sua esposa e saiu de casa, levando seu revólver. Quando estava retornando, seu veículo estragou na Vila Fátima, permanecendo no local por cerca de 20 minutos para consertá-lo. Quando já estava indo para casa, foi passou por uma viatura da Brigada Militar, motivo pelo qual acelerou o veículo já que estava com uma arma de fogo em seu interior. Próximo à Ponte do Sutil, foi abordado por policiais militares, os quais apreenderam o revólver. Esclareceu que adquiriu a arma de fogo em Guaíba, fazia cinco meses. Não tinha conhecimento de que a arma estava com a numeração raspada.

Do contexto narrado, verifica-se que a prova é certa no sentido do cometimento pelo acusado do crime de porte ilegal de arma de fogo. Os dois policiais militares ouvidos apresentaram relatos firmes e minudentes, no sentido de que, após receberem informações acerca de um veículo parado com o réu em atitude suspeita, efetuaram o acompanhamento do automóvel e abordaram o réu, localizando no painel do carro o artefato, que foi apreendido. O próprio réu, na Delegacia de Polícia, admitiu que a arma de fogo estava no interior do veículo e lhe pertencia, permanecendo em silêncio na fase judicial.

Assim, vai mantida a condenação.

Todavia, entendo cabível – e impositiva - a desclassificação do crime do art. 16, § 1º, IV, pelo qual o denunciado foi condenado, para o do art. 14, ambos da Lei nº 10.826/03.

Analisando o laudo pericial nº 84671/2015 (fls. 118/119), verifica-se que os peritos consignaram que o número de série da arma não foi localizado, nos seguintes termos:

Do que se depreende do exame, então, a numeração da arma de fogo não foi suprimida ou removida, apenas se encontra “não localizada”, o que não caracteriza a figura típica prevista no inciso IV do § 1º do art. 16 da Lei de Armas.

Neste sentido, aliás, os seguintes precedentes desta Câmara:

APELAÇÃO-CRIME. ART. 16, §ÚNICO, INCISO IV, DA LEI Nº 10.826/03. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. CONSTITUCIONALIDADE DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. NULIDADE POR AFRONTA AO ART. 212, DO CPP. AUSÊNCIA DO MP. MERA IRREGULARIDADE. ARMA DESMONTADA E DESMUNICIADA. TIPICIDADE. CRIMES DE MERA CONDUTA E PERIGO ABSTRATO. OPERADA A DESCLASSIFICAÇÃO PARA ART. 14, DA LEI DE ARMAS. PROVA PERICIAL. NUMERAÇÃO NÃO APARENTE. I - Acerca da alegada inconstitucionalidade formal das disposições do Estatuto do Desarmamento, é consabido que a tese já foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI 3112/DF. II - Constitui mera irregularidade a ausência de representante ministerial quando da audiência de instrução. III - Materialidade e autoria...

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