Acórdão nº 50010988020198210139 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Primeira Câmara Cível, 03-11-2022

Data de Julgamento03 Novembro 2022
Classe processualApelação
Número do processo50010988020198210139
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002855082
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

21ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001098-80.2019.8.21.0139/RS

TIPO DE AÇÃO: Oncológico

RELATOR: Desembargador MARCO AURELIO HEINZ

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta pelo MUNICÍPIO DE TRIUNFO em face da sentença de procedência proferida nos autos da ação ordinária movida por LUCAS MARTINS BAUER, representado por sua mãe LETÍCIA DE MATOS MARTINS, contra a parte apelante e o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, em que os demandados foram condenados, de forma solidária, ao fornecimento do equipamento respirador de suporte à vida (Trilogy).

Em suas razões, a parte apelante alega que não se exime de cumprir com as suas obrigações constitucionalmente instituídas, entretanto, o equipamento postulado pela parte apelada não se enquadra no conceito de medicação essencial de atribuição dos municípios, motivo pelo qual a demanda deve ser julgada improcedente. Argumenta que não é cabível a condenação do município ao pagamento de honorários advocatícios para o Fundo de Aparelhamento da Defensoria Pública, pois não pode ser imposto a um ente público o encargo de subsidiar o funcionamento de outro. Caso mantida a condenação, postula pela redução da verba fixada. Pugna pelo provimento do apelo.

Intimado, o apelado apresenta contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do apelo.

Dada vista à Procuradoria de Justiça, o parecer do Dr. Procurador de Justiça é no sentido do provimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

Com efeito, o direito à saúde é direito fundamental do ser humano, corolário do direito à vida. As disposições constitucionais neste sentido são autoaplicáveis, dada a importância dos referidos direitos.

Compete à União, aos Estados e aos Municípios o resguardo dos direitos fundamentais relativos à saúde e à vida dos cidadãos, conforme regra expressa do art. 196 da Constituição Federal. Da mesma forma, dispõe claramente a Constituição Estadual, em seu art. 241, que a saúde é direito de todos e dever do Estado e dos Municípios.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal retomou a discussão a respeito dos limites da atuação do Poder Judiciário na concretização do direito fundamental à saúde, quando do julgamento do RE 855.158, com repercussão geral reconhecida (Tema 793), e, por maioria de votos, fixou a seguinte tese:

“Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro", nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, Redator para o acórdão, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não fixava tese. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 23.05.2019.

Em sede de embargos de declaração, o mesmo sodalício expressou compreensão no sentido de que:

v) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas suas hipóteses), a União necessariamente comporá o pólo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90) de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação;

vi) A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e comprovada necessidade, observado, para tanto, os parâmetros definidos no art. 28 do Decreto Federal n. 7.508/11”.

O artigo 19-Q, da Lei n. 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, dispõe:

Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

§ 1º A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, cuja composição e regimento são definidos em regulamento, contará com a participação de 1 (um) representante indicado pelo Conselho Nacional de Saúde e de 1 (um) representante, especialista na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

§ 2º O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente:(Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

O acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica pressupõe, cumulativamente: I. estar o usuário assistido por ações e serviços do SUS; II. ter o medicamento sido prescrito por profissional de saúde e, III. estar a prescrição em conformidade com a RENAME e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou relação específica complementar estadual, distrital ou municipal de medicamentos (art. 28, do Decreto n. 7.508/2011).

Pois bem.

Cuida a espécie de ação em que a parte demandante objetiva o fornecimento de equipamento respirador de suporte à vida (Trilogy), em razão de ser portadora das enfermidades CID 10 G82.4, G24.9, E64.0 e J96.1 (EVENTO1/PROCJUDIC1, fl. 12).

O Decreto n. 7.508/2011 - que regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 - o qual previu a criação da RENASES (Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde), em que constam todos os produtos/procedimentos disponíveis no sistema público de saúde, de competência do Ministério da Saúde.

A elaboração da RENASES é atribuição do Ministério da Saúde, que deve observar as diretrizes gerais pactuadas pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT), conforme prevê o o referido Decreto n. 7.508/2011.

Como já visto, na forma do artigo 19–Q da Lei 8.080/1990, com observância do Decreto n. 7.508/2011 e da Portaria de Consolidação n. 01/2017 compete à União, vinculada ao Ministério da Saúde e observadas as diretrizes pactuadas pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT), a inclusão de novas tecnologias na RENASES.

O tratamento solicitado não faz parte da Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde.

Oportuno colacionar recentes decisões desta Corte sobre a necessidade de inclusão da União em casos como o dos autos:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETÊNCIA. ARTIGO 1.015, III, CPC/15. INTERETAÇÃO EXTENSIVA. TAXATIVIDADE MITIGADA. TEMA 988, STJ. É de ser conhecido agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória relacionada à competência, seja em face de interpretação extensiva do artigo 1.015, III, CPC/15, consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.679.909/RS, Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, seja pela mitigação do rol do referido artigo, quando verificado, como na hipótese, risco de inutilidade processual caso postergada a análise da questão para eventual recurso de apelação (Tema 988, STJ, REsp 1.696.396/MT e 1.704.520/MT, Min. NANCY ANDRIGHI). CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. MÉTODO ABA. NECESSÁRIA PRESENÇA DA UNIÃO NO POLO PASSIVO (TEMA 793, STF). Pleiteado específico tratamento multidisciplinar pelo Método ABA, consistente em terapia ocupacional, psicoterapia e fonoaudiologia, não disponibilizado pelo SUS, faz-se compulsória a presença da União no polo passivo da demanda, a implicar deslocamento da competência à Justiça Federal, consoante explicitado pelo STF, nos ED no RE 855.178/SE, Min. EDSON FACHIN, em sede de repercussão geral (Tema 793), entendimento recentemente reafirmado, entre outras, nas Reclamações 49.890 e 50.414, Min. DIAS TOFFOLI, e nos Recursos Extraordinários 1.389.718/SC, 1.389.749/SC e 1.389.714/SC. PRINCÍPIO DA DEMANDA. ARTIGO 115, PARÁGRAFO ÚNICO, CPC/15. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE TODOS OS ENTES DA FEDERAÇÃO. TUTELA DE URGÊNCIA MANTIDA. Necessária observância, contudo, ao princípio da demanda e à expressa previsão do artigo 115, parágrafo único, CPC/15, cabendo ao juízo a quo possibilitar à parte autora a emendar a inicial, incluindo a União no polo passivo, sob pena de extinção do processo, a teor do artigo 485, IV, CPC/15, com posterior remessa dos autos à Justiça Federal, caso requerida tal inclusão, mantidos no polo passivo os entes estadual e municipal demandados, diante de consolidada jurisprudência pela responsabilidade solidariedade dos entes federados quanto à tutela do direito à saúde, mantendo-se, ainda, a antecipação de tutela deferida, na forma do artigo 64, § 4º, CPC/15, e da orientação constante do Ofício-Circular 071/2020-CGJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.(Agravo de Instrumento, 51035521720228217000, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em: 27-07-2022)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO...

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