Acórdão nº 50011256120188215001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 06-02-2023

Data de Julgamento06 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50011256120188215001
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003020027
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001125-61.2018.8.21.5001/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATOR: Desembargador JORGE MARASCHIN DOS SANTOS

APELANTE: CASSIA TERESINHA MATTOS SELAU (AUTOR)

APELADO: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por CASSIA TERESINHA MATTOS SELAU, em face da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos autos da ação de obrigação de não fazer de débito c/c pedido de indenização por danos morais, que promove em desfavor de BANCO BRADESCO S.A., com o seguinte dispositivo:

Por todo o exposto, rejeitada a preliminar, nos termos do art. 487, I, do CPC, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos movidos por CÁSSIA TERESINHA MATTOS SELAU em face de BANCO BRADESCO S.A para:

a) declarar a inexigibilidade dos descontos realizados na conta-corrente da autora a título de cobrança de seguro no valor de R$ 560,50 (quinhentos e sessenta reais e cinquenta centavos), determinando a devolução de três parcelas no valor de R$ 560,50 (quinhentos e sessenta reais e cinquenta centavos) cada, as quais deverão ser atualizadas monetariamente pelo IGP-M a contar dos efetivos descontos, isto é, 29/06/2018, 23/07/2018 e 30/08/2018, com incidência de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação;

b) deixar de declarar a ilegalidade dos percentuais descontados pelo réu a título de contratos de empréstimos não consignados e cartão de crédito, confirmando o indeferimento da liminar; e

c) deixar de condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais.

Ante a sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas processuais no percentual de 70% para a autora e 30% para o réu, bem como honorários advocatícios em favor do patrono da parte contrária, que fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), atualizados pelo IGP-M, atentando para os critérios do art. 85, §§2º e 8°, do CPC. Suspendo a exigibilidade da parte autora ante o benefício da gratuidade de justiça.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, arquive-se com baixa.

(Dra. IVORTIZ TOMAZIA MARQUES FERNANDES, Juíza de Direito do Juízo da 1ª Vara Cível do Foro Regional do Sarandi/RS)

Em suas razões, a parte autora, ora apelante, sustentou a necessidade de indenização por danos morais, tendo em vista que seu salário foi retido integralmente. Afirmou que os descontos iniciaram em fevereiro de 2018. Em razão dos fatos, requereu a declaração de ilegalidade da retenção integral do seu salário, com a condenação da parte demandada ao pagamento de indenização por danos morais e honorários advocatícios.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 28).

Cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 935 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE.

A nota de expediente foi disponibilizada em 27/01/2022 (fl. 127). O prazo para interposição de recurso de apelação pela parte autora encerrou em 18/02/2022, sendo o recurso interposto em 17/02/2022 (fl. 128), sem preparo em razão da gratuidade de justiça concedida. Assim, o recurso foi interposto dentro do prazo recursal previsto no artigo 1003, § 5º, do Código de Processo Civil, qual seja, de 15 dias.

BREVE RELATO DOS FATOS.

Trata-se de ação de obrigação de não fazer de débito c/c pedido de indenização por danos morais, na qual a parte autora sustentou que possui dívidas junto a instituição demandada referente a contratos financeiros e cartão de crédito. Afirmou que a partir de fevereiro de 2018 começaram a ser efetuados descontos em sua conta, os quais passaram a reter integralmente o seu salário. Alegou que foram descontadas parcelas nos valores de R$560,50, a título de seguro, o qual não contratou. Discorreu acerca da ocorrência de danos morais. Requereu, em razão do ocorrido, a declaração de ilegalidade da retenção integral do seu salário e de inexigibilidade dos seguros, com a devolução dos valores, bem como a condenação da parte demandada ao pagamento de indenização por danos morais.

Em sede de contestação, a parte demandada aduziu, preliminarmente, a inépcia da inicial e a inexistência de vício de consentimento. No mérito, alegou má-fé da parte autora, tendo em vista que os valores foram disponibilizados. Discorreu acerca da ausência de danos morais e de venda casada, uma vez que a autora tinha ciência acerca dos produtos adquiridos. Defendeu a inexistência de ato ilícito. Requereu o acolhimento das preliminares, com extinção do feito. Postulou o julgamento de improcedência dos pedidos.

Sobreveio sentença de parcial procedência (fl. 123 - processo 4).

Feito um breve relato dos fatos, passo à análise do mérito.

DANO MORAL. OCORRÊNCIA.

Cinge-se a controvérsia quanto à caracterização ou não de danos morais no caso concreto, em razão da retenção integral do salário da parte autora, depositados em sua conta corrente.

Ressalto que a sentença recorrida reconheceu a contratação dos empréstimos feitos pela autora, os quais possuem autorização para descontos em conta corrente, contudo declarou a inexigibilidade do seguro que originou o desconto da parcela de R$560,50 na conta corrente da autora, pois o banco não anexou quaisquer documentos para comprovar a contratação.

No caso concreto, verifico que, de fato, no mês de novembro de 2018, o valor integral do salário da parte autora foi retido para pagamento de débitos pela parte demandada (fl. 09 - processo judicial 1).

Além disso, como bem reconheceu a sentença recorrida, estavam sendo realizados descontos a título de seguro, no valor de R$560,50, a parcela, do qual não foi comprovada a contratação. Também não houve comprovação de autorização para realização dos referidos descontos na conta corrente da autora.

Diante disso, a sentença recorrida declarou a inexigibilidade dos descontos referentes ao seguro, o que somado aos transtornos causados à parte autora, são capazes de ensejar a condenação da parte demandada em danos morais.

Cabe ressaltar, ainda, que o reconhecimento da ilegalidade dos descontos realizados na conta corrente da parte autora configura o dano in re ipsa – porquanto inegável o transtorno impingido ao consumidor que, por ato unilateral do banco, vê-se privado de parcela de seus recursos, de natureza alimentar.

Acerca do tema, cito precedente do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - NÃO INDICAÇÃO DE OFENSA A DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL SUPOSTAMENTE VIOLADO CAPAZ DE EMBASAR A ALEGAÇÃO RECURSAL. SÚMULA 284/STF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DANO MORAL. COMPROVAÇÃO DO FATO QUE LHE DÁ ORIGEM. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 7/STJ.

1.- Em sede de recurso especial, não se podem acolher as alegações que não estejam amparadas em indicação de ofensa dispositivo de lei federal pertinente ou em dissídio jurisprudencial. Incidência da Súmula 284/STF.

2.- O prequestionamento, entendido como a necessidade de o tema objeto do recurso haver sido examinado pela decisão atacada, constitui exigência inafastável da própria previsão constitucional, ao tratar do recurso especial, impondo-se como um dos principais requisitos ao seu conhecimento. Nos termos das Súmula 211/STJ, e 282 e 356/STF, não se admite o recurso especial que suscita tema não prequestionado pelo Tribunal de origem.

3.- De acordo com a jurisprudência desta Corte, "o dano moral não depende de prova; acha-se in re ipsa" (REsp 296.634/RN, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, DJ 26.8.2002), pois "não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam" (REsp 86.271/SP, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJU 9.12.97).

4.- O desconto realizado por instituição bancária em conta corrente do seu cliente sem autorização expressa deste enseja danos morais.

Precedentes.

5.- Agravo Regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp 510.041/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe 01/09/2014) – grifei.

Desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. DESCONTOS EM CONTA SALÁRIO. RESTITUIÇÃO DE VALORES E DANO MORAL. RETENÇÃO DE 30% EM RAZÃO DE DÉBITOS PRETÉRITOS. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DANOS MORAIS. SENTENÇA REFORMADA. - Banco apelado que formaliza retenção de 30% do salário do apelante, antes de transferi-lo a outra Instituição Financeira, a título de portabilidade, para adimplemento de dívida pretérita referente à utilização de cheque especial de outra conta corrente, que já fora objeto de acordo, e cuja retenção não teve qualquer autorização do correntista. - Impossibilidade de formalização de desconto/retenção de valores pertinentes a débitos pretéritos, sem autorização, em conta salário sobre verba remuneratória alimentar. - Determinação de cessação dos descontos/retenção, sob pena de multa diária, além da condenação da ré à restituição em dobro dos valores indevidamente retidos e ao pagamento de danos morais, em razão dos transtornos causados. - Indenização fixada com base no sofrimento causado à parte apelante, respeitando a prudência e equidade. - Considerando a reforma da sentença, ônus sucumbenciais redimensionados. APELO PROVIDO. POR MAIORIA.(Apelação Cível, Nº 70080330236, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em: 28-03-2019) - grifei

E de minha relatoria:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. A RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DO BANCO É OBJETIVA, RESPONDENDO, INDEPENDENTEMENTE DE CULPA, PELA REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS A SEUS CLIENTES POR DEFEITOS/FALHAS...

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