Acórdão nº 50011443820208210138 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 10-03-2023

Data de Julgamento10 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50011443820208210138
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003046248
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001144-38.2020.8.21.0138/RS

TIPO DE AÇÃO: Compra e venda

RELATOR: Desembargador MARCO ANTONIO ANGELO

APELANTE: PAULO JUNIOR ZANETTI (RÉU)

APELADO: VALDIR TIRLONI (Espólio) (AUTOR)

APELADO: IVONE TIRLONI (Inventariante) (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por PAULO JUNIOR ZANETTI contra a sentença proferida nos autos da ação de cobrança ajuizada por VALDIR TIRLONI e IVONE TIRLONI em face de PAULO e de PAULO JUNIOR ZANETTI & CIA LTDA, com o seguinte dispositivo (Evento 52, SENT1 da origem):

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por ESPÓLIO DE VALDIR TIRLONI em face de PAULO JUNIOR ZANETTI & CIA LTDA e de PAULO JUNIOR ZANETTI, com base no art. 487, inc. I, do CPC, para condenar os réus ao pagamento da quantia de R$ 9.005,00 (nove mil cinco reais), conforme Evento 1, OUT6, Página 1, atualizado monetariamente pelo IGPM desde a emissão do crédito (18/09/2015) e com juros moratórios de 1% a contar da citação.

Sucumbente, condeno o demandado no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador da parte autora, os quais fixo 15% sobre o valor da condenação, forte no art. 85, § 2º, do CPC, tendo em vista o tempo de tramitação da demanda, a matéria debatida e a complexidade da causa. Outrossim, suspensa a exigibilidade da sucumbência e das custas em relação ao réu, face à gratuidade judiciária, que ora concedo.

A parte-ré, declinando suas razões, requer acolhimento da preliminar de inépcia da petição inicial, tendo em vista que na peça constou ação monitória, o que não corresponde ao julgamento da lide como ação de cobrança. Aduz também a preliminar de ilegitimidade passiva de PAULO JUNIOR ZANETTI, pois tratando-se de sociedade limitada, o sócio não pode responder pelo débito gerado pela pessoa jurídica. No mérito, defende que a procedência do pedido não pode prevalecer, pois foi efetuado o pagamento do débito com o fornecimento de materiais de construção, conforme demonstrado na fase de instrução. Destaca que "até mesmo um dos herdeiros do espólio do Sr. Valdir Tirloni, a Sra. Angelica Tirloni Piccinini, não compactua com a referida cobrança de um suposto crédito de seu pai, conforme comprova a declaração juntada no Evento 39, demonstrando uma vez mais, que este suposto crédito não é mais devido ao Espólio" Ao final, pugna pelo provimento do recurso, invertendo-se a sucumbência.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 65, CONTRAZAP1 origem).

Cumprido o disposto nos artigos 931, 934 e 935 do CPC.

É o relatório.

VOTO

PRELIMINAR DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL.

A petição inicial (Evento 1, INIC1 origem) preencheu os requisitos dos arts. 319 e 330, §2º, do CPC, sendo que eventuais deficiências da peça inaugural não prejudicaram o exercício da ampla defesa.

Com efeito, a parte-autora discriminou na petição inicial da ação de conhecimento a obrigação controvertida e descreveu as peculiaridades do negócio jurídico a justificar a cobrança do valor. Da mesma forma, quantificou o montante alegadamente devido, juntou o documento de recibo de crédito emitido pelo réu e que embasou o pedido e inclusive acostou sua memória de cálculo do valor atualizado.

O pedido envolvendo a cobrança de valores decorre logicamente dos fatos narrados e não encontra óbice em nosso sistema legal, razão pela qual é juridicamente viável.

Por sua vez, sabe-se que a ação monitória é cabível com base em prova escrita sem eficácia de título executivo a quem pretender pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel (art. 700 do CPC/15).

O fato de ter constado na peça "ação monitória" não modifica a conclusão neste sentido, pois está evidenciado que houve mero erro material quanto à indicação do tipo de ação. Todo o asseverado e o pedido baseia-se na cobrança, procedimento comum.

Não bastasse, o juízo de origem recebeu a petição inicial e imprimiu o procedimento comum (art. 318 e seguintes do CPC), e não o procedimento especial da ação monitória.

O próprio mandado de citação revela isso (Evento 9, CARTA1), sendo determinada apenas a citação para "oferecer contestação no processo acima referido no prazo de 15 (quinze) dias".

Ademais, a indicação na peça de tratar-se de uma "monitória" nenhum prejuízo trouxe ao demandado, tanto que ofereceu sua contestação no prazo de 15 dias, defendendo-se pontualmente da pretensão deduzida em juízo e pugnando pela improcedência do pedido (Evento 12, PET1 origem).

Inexistiu afronta ao contraditório e à ampla defesa.

No mais, não há dúvida de que a presente ação desenvolveu-se pelo procedimento comum, tanto que houve o oferecimento da contestação, da réplica e a intimação das partes para a especificação de provas, sendo inclusive realizada a audiência de instrução e julgamento com a presença de ambas as partes (Evento 40, TERMOAUD1 origem).

Enfim, a petição inicial preencheu seus requisitos formais e o mero erro material na indicação do tipo de ação ajuizada não ocasionou qualquer prejuízo à defesa do réu/apelante.

REJEITO, pois, a preliminar de inépcia da petição inicial.

PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DE PAULO JUNIOR ZANETTI.

Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade (art. 17º do CPC).

A legitimidade concerne à relação entre as partes e o direito material posto em litígio.

Fredie Didier Jr., analisando os requisitos para apreciação do mérito – interesse e legitimidade – refere o seguinte 1:

A legitimidade para agir (ad causam petendi ou ad agendum) é requisito para admissibilidade que se precisa investigar no elemento subjetivo da demanda: os sujeitos. Não basta que se preencham os “pressupostos processuais” subjetivos para que a parte possa atuar regularmente em juízo. É necessário, ainda, que os sujeitos da demanda estejam em determinada situação jurídica que lhes autorize a conduzir o processo em que se discuta aquela relação jurídica de direito material deduzida em juízo.

É a “pertinência subjetiva da ação”, segundo célebre definição doutrinária.

A esse poder, conferido pela lei, dá-se o nome de legitimidade ad causam ou capacidade de conduzir o processo. Parte legítima é aquela que se encontra em posição processual (autor ou réu) coincidente com a situação legitimadora, “decorrente de certa previsão legal, relativamente àquela pessoa e perante o respectivo objeto litigioso”.

Luiz Guilherme Marinoni 2, analisando os requisitos para apreciação do mérito – interesse e legitimidade – refere o seguinte:

“É por isso que os requisitos devem ser aferidos com base na afirmação do autor, ou seja, no início do desenrolar do procedimento. Não se trata de fazer um julgamento sumário (fundado em conhecimento sumário) da presença da legitimidade e do interesse, como se eles pudessem voltar a ser apreciados mais tarde, com base em outras provas. O que importa é a afirmação do autor e não a correspondência entre a afirmação e a realidade, que já é problema de mérito. Melhor explicando: a legitimidade”.

Como se vê, em tese, a legitimidade deve ser analisada in status assertionis, ou seja, à luz exclusivamente das alegações formuladas pelo autor na petição inicial.

Neste sentido, transcrevo jurisprudência do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DANO AMBIENTAL.

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PROCESSUAL CIVIL.

AGRAVO DE INSTRUMENTO.

(...)

2. Suposta ilegitimidade ativa ad causam. O aresto encontra-se em consonância com o entendimento desta Corte, segundo o qual as condições da ação devem ser aferidas in status assertionis.

Precedentes. Aplicação, ainda, da súmula 7/STJ, no ponto.

3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

(AgRg no AREsp 549.903/RO, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/04/2016, DJe 18/04/2016).

ADMINISTRATIVO PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PASSIVA. REVISÃO.

MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. TEORIA DA ASSERÇÃO.

(...)

2. "O entendimento desta Corte Superior é pacífico no sentido de que as condições da ação, incluindo a legitimidade ad causam, devem ser aferidas in status assertionis, ou seja, à luz exclusivamente da narrativa constante na petição inicial. (AgRg no AREsp 655.283/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/3/2015, DJe 18/3/2015.) Agravo regimental improvido.

(AgRg no AREsp 726.841/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 02/09/2015).

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO À EXECUÇÃO. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA SUPERVIA POR DÉBITOS DA FLUMITRENS. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART.

535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE PROVAS.

SÚMULA 7/STF. APLICAÇÃO DA TEORIA DA ASSERÇÃO. SÚMULA 83/STJ.

RECURSO NÃO PROVIDO.

(...)

3. O entendimento desta Corte Superior é pacífico no sentido de que as condições da ação, incluindo a legitimidade ad causam, devem ser aferidas in status assertionis, ou seja, à luz exclusivamente da narrativa constante na petição inicial.

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 372.227/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 05/05/2015).

COMERCIAL, CIVIL E PROCESSO CIVIL. USUFRUTO. CONSERVAÇÃO DA COISA.

DEVER DO USUFRUTUÁRIO. NULIDADE. SIMULAÇÃO. LEGITIMIDADE. TERCEIRO INTERESSADO. REQUISITOS. OPERAÇÃO SOCIETÁRIA. ANULAÇÃO.

LEGITIMIDADE. CONDIÇÕES DA AÇÃO. ANÁLISE. TEORIA DA ASSERÇÃO.

APLICABILIDADE. DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 168 DO CC/02;

E 3º, 6º E 267, VI, DO CPC.

(...)

6. As condições da ação, entre elas a legitimidade ad causam, devem ser avaliadas in status assertionis, limitando-se ao exame do que está descrito na petição...

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