Acórdão nº 50011847120178210155 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50011847120178210155
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002370847
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001184-71.2017.8.21.0155/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER

APELANTE: MARCIO ANTONIO TOMASI (RÉU)

ADVOGADO: JOSÉ CARLOS RODRIGUES DA SILVA (OAB RS025132)

ADVOGADO: André Werner Moutinho (OAB RS082679)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Nos autos da ação penal nº 155/2.17.0000314-9, oriunda da Comarca de Portão/RS, posteriormente digitalizada e cadastrada no eproc sob o nº 5001184-71.2017.8.21.0155:

O Ministério Público ofereceu denúncia contra MARCIO ANTONIO TOMASI, já qualificado, como incurso nas sanções do art. 16, § 1º, IV, da Lei nº 10.826/03, pelo fato a seguir exposto:

“No dia 23 de fevereiro de 2017, por volta das 10horas e 40minutos, na Rodovia Estadual RS 240, Km 8, próximo ao n° 2766, em via pública, Município de Portão, o denunciado MÁRCIO ANTÔNIO TOMASI XEIRA portava, transportava e mantinha sob a sua guarda um revólver marca Taurus, calibre .38, com a numeração suprimida e cinco cartuchos intactos, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de acordo com o Auto de Apreensão.

Na oportunidade, após receber alerta referente a uma Hilux que havia sido roubada no Município de São Leopoldo, os policiais militares realizaram um patrulhamento. Ato contínuo os militares abordaram o acusado, que dirigia uma uma Hilux branca Placas IVX3147, com as mesmas características. Em revista no veículo foi localizado, no console, a arma de fogo e a munição acima descrita.

Diante disso, o denunciado foi preso em flagrante.

Através de laudo pericial sob número 34944/2017, verificou-se que a arma apreendida é de espécie Revólver, marca Taurus, calibre 38 Special, número de série parcialmente suprimido, restando os caracteres “IJ”, material recebido com a arma: cinco cartuchos 38 da marca CBC SPL, sendo dois destes 2 + P, todos íntegros. Ademais, concluiu-se que a mesma se encontra em condições de uso e funcionamento.”

A denúncia foi recebida em 06/06/2017 (fl. 104).

Após regular instrução do feito, sobreveio sentença (fls. 185/189), publicada em 14/01/2021 (fl. 189), que julgou parcialmente procedente a ação penal, para condenar o réu pela prática do crime previsto no art. 14, da Lei nº 10.826/03, às penas de 02 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 03 salários mínimos, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, à razão diária de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.

A defesa apelou (fl. 191), e, nas razões (fls. 192/201), preliminarmente sustenta a ocorrência da prescrição, postulando a extinção da punibilidade do réu. No mérito, requer a absolvição pela incidência das excludentes do estado de necessidade ou erro de tipo.

O Ministério Público apresentou contrarrazões (fls. 206/v).

Vieram os autos com remessa a esta Corte.

A Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pelo provimento da apelação, para o fim de reconhecer a prescrição e declarar extinta a punibilidade do apelante.

É o relatório.

VOTO

I. Admissibilidade

O recurso preencheu os requisitos de admissibilidade, pelo que vai conhecido.

II. Preliminar de mérito

A defesa postula, com a concordância da Procuradoria de Justiça nesta instância, a extinção da punibilidade do réu pela prescrição da pretensão punitiva. Sem razão, contudo.

Ao que se tem dos autos, entre os marcos interruptivos da prescrição até o momento não decorreram 04 anos, prazo aplicável considerando-se a pena aplicada ao réu na sentença - 02 anos de reclusão -.

Com efeito, a denúncia foi recebida em 06/06/2017, e a publicação da sentença condenatória, conforme certidão da fl. 189, ocorreu em 14/01/2021, como segue:

Desta forma, não há falar em prescrição.

III. Mérito

O réu foi condenado como incursos nas sanções do art. 14, da Lei nº 10.826/03, às penas de 02 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, esta última no valor de três salários mínimos, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, à razão diária de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.

A defesa alega (i) atipicidade por ausência de lesão ao bem juridicamente tutelado; (ii) a incidência de excludentes de inexigibilidade de conduta diversa e erro de tipo.

Pois bem.

A conduta se amolda ao porte ilegal de arma de fogo.

Delitos dessa natureza prescindem da demonstração do risco de dano. As Cortes Superiores, sobretudo o STF, guardião da Constituição Federal, afirmam não haver inconstitucionalidade na definição de crimes de perigo abstrato, tendo sido reconhecida, inclusive, a adequação da Lei nº 10.826/03 ao ordenamento pátrio por meio da ADI 3112/DF1. Nesse sentido, paradigmático precedente daquele Tribunal (HC 104410/RS – Min. Gilmar Mendes – Segunda Turma – Julgamento 06/03/2012). É prescindível, na hipótese, a demonstração de perigo de dano2. Também é o entendimento do STJ3. Por conta disso, inclusive, levando-se em conta o bem jurídico tutelado (incolumidade pública4), inexiste violação ao princípio da lesividade, matéria pacificada junto à 3ª Seção do STJ5, pouco importando, também para o STF6, se a arma estava desmuniciada ou desmontada.

Não há falar, assim, em atipicidade por ausência de ofensividade na conduta.

O recurso não devolveu a esta Câmara a rediscussão da autoria, razão por que, de acordo com entendimento jurisprudencial corrente, não se revela necessário dito enfrentamento. É o que vem defendendo, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça, ao destacar que O efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito processual penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte que defende os interesses adversos, garantindo-se, assim, o respeito à cláusula constitucional do devido processo legal. (HC 490.237/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 28/03/2019).

De qualquer modo, destaco que a materialidade está comprovada pelo registro de ocorrência (fls. 10/12), pelo auto de apreensão (fl. 13), pelos laudos periciais nº 34944/2017 (fl. 101) e 58869/2017 (fls. 118/119), bem como pela prova oral colhida nos autos, que também dá conta da autoria e foi devidamente sintetizada na sentença, conforme se transcreve:

Ubiratan Espírito Santo, referiu não saber sobre o fato, tampouco que o acusado portava arma de fogo, apenas conhece o acusado e é seu amigo há aproximadamente 25 anos e o mesmo nunca causou problemas, não é uma pessoa violenta, inclusive, é proprietário de uma empresa.

Dilson Dioclecio Pires, testemunha de defesa, referiu que é amigo do denunciado há 25 anos. Ouviu falar sobre o fato descrito na denúncia, porém, não tinha conhecimento de que o acusado portava arma de fogo. Declarou que o acusado é uma pessoa muito tranquila, que convivem juntos, jogam futebol e Márcio é trabalhador, inclusive, proprietário de uma empresa bem consolidada.

Carlos Roberto Minato da Veiga, testemunha de acusação, referiu que na parte da manhã havia acabado de ocorrer o roubo de um veículo, quando a guarnição se deslocou para a rodovia e visualizou uma Hilux branca, similar à roubada, deslocando-se em direção a Portão. Realizaram a abordagem e encontraram no interior do veículo uma arma de fogo, mas o acusado não se manifestou, sendo encaminhado até a Delegacia.

Gerson Siqueira da Silva, testemunha de acusação, referiu que não participou da abordagem, apenas foi testemunha de apresentação.

Gerson Augusto Mattes, testemunha de defesa, referiu que conhece o acusado há...

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