Acórdão nº 50011935720208210113 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50011935720208210113
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001657326
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001193-57.2020.8.21.0113/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR: Desembargador CARLOS CINI MARCHIONATTI

APELANTE: NATALIO TOKRIG SALVADOR (AUTOR)

APELADO: BANCO VOTORANTIM S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

NATALIO TOKRIG SALVADOR propôs a ação revisional de contrato de empréstimo bancário cumulado com indenização por danos morais a BANCO VOTORANTIM em 19-10-2020. Juntou procuração e autodeclaração de pobreza do ano de 2017 e declaração de residência do ano de 2014.

O juízo determinou a emenda a petição inicial do processo para que a parte demandante juntasse os documentos atualizados, bem como determinou a unificação de diversos processos da parte demandante onde as pretensões têm o mesmo objetivo de revisar contratos bancários (evento 3 do processo originário).

A parte demandante não cumpriu com a determinação do juízo (evento 6).

A sentença julgou extinta a ação, a qual transcrevo para servir ao relatório e ao voto (evento 8):

" Vistos e examinados os autos.

Trata-se de ação ajuizada por NATALIO TOKRIG SALVADOR em face do BANCO VOTORANTIM S.A., objetivando a revisão do contrato de empréstimo consignado e condenação do demandado ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 10.000,00.

Intimada para emendar a inicial, a parte autora manifestou-se aduzindo, em síntese que: a) a procuração outorgada preenche todos os requisitos do art. 105 caput do CPC, bem como que a mesma contém a cláusula ad judicia et extra; b) que os motivos declinados pelo juízo revelam-se insubsistentes, pois a aglutinação de processos com causas de pedir e pedidos distintos ensejaria mixórdia, sacrificando a efetividade do processo e sua duração razoável; c) requereu, ainda, o prazo para a juntada de endereço atualizado.

Breve relato.

Passo a decidir.

Inicialmente, destaca-se que a parte autora ajuizou simultaneamente 32 (trinta e duas) ações semelhantes a esta, sendo que todas são amparadas em uma única procuração genérica, que foi digitalizada e anexada em todos os processos. Em todas as ações a parte autora requereu AJG.

Foram ajuizadas, nesta Comarca pelo escritório de advocacia “Cardoso Ramos”, em pequeno lapso temporal, 523 ações semelhantes contra diversas instituições financeiras. Os autores de tais demandas são indígenas.

Convém referir, por oportuno, que em processos de massa, já foram noticiadas diversas práticas de fraudes tanto em relação à representação processual das partes, tanto com vistas ao deslocamento irregular da competência jurisdicional.

Não raramente, advogados juntam procurações genéricas, com informações desatualizadas ou até mesmo equivocadas perante o juízo de primeiro grau, sendo que em diversas ações, a propositura ocorreu sem o conhecimento da parte autora, principal interessada, em regra, no deslinde da causa.

Diante de tais situações, com a finalidade de prevenção de danos aos jurisdicionados, e com o objetivo de evitar o próprio descrédito do Poder Judiciário, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado – CGJ, editou atos administrativos destinados à orientação dos magistrados na tomada de providências acautelatórias dos direitos das partes. Isso, em casos de demandas de massa nas quais surja suspeita de fraude ou de irregularidade de representação processual (Ofício-Circular nº 038/2011-CGJ e o Ofício-Circular nº 077/2013-CGJ, sendo que este último traz orientações sobre pesquisas e práticas visando a evitar fraudes em ações revisionais de contratos bancários, de consignação em pagamento, de suspensão de desconto de empréstimos em folha de pagamento e de medicamentos e recomenda a exigência de procuração atualizada e específica).

Importa mencionar, ainda, que o novo Código de Processo Civil traz em seus princípios norteadores o dever de colaboração no processo, a ser observado na relação das partes para com o juiz e vice-versa. Assim, quanto à possibilidade de emenda da petição inicial, esclarece MARINONI, ARENHART E MITIDIERO (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. V.2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 166):

O direito anterior não previa expressamente um dever de indicação pelo juiz daquilo que deveria ser corrigido ou completado na petição inicial, embora já fosse possível retirá-lo do dever geral de colaboração judicial – cuja estrutura é constitucional. Esse dever está hoje expressamente previsto no art. 321 e é uma especificação do dever geral de colaboração do juiz para com as partes (art. 6º). Trata-se de um dever de indicação (hinweispflicht) que serve para concretização dos deveres de esclarecimento e de prevenção. A ideia subjacente é que o juiz deve se esclarecer a respeito da posição das partes quanto aos fatos e ao direito que compõem o caso a fim de que os argumentos das partes sejam mais bem compreendidos no processo”.

De tal modo, a determinação de emenda da inicial está consubstanciada não só no dever de colaboração, como também no dever de informação da parte para com o juiz, para melhor esclarecê-lo quanto às circunstâncias de fato e direto da causa, efetivando, com isso, a prestação jurisdicional no sentido de conceder a parte não só o direito material postulado em juízo, através de sentença de mérito, bem como dentro do prazo razoável de duração do processo, conforme preceitua o art. 4º do CPC.

Prossigo assinalando que em toda relação jurídica, espera-se daqueles que a integram que atuem com lealdade, probidade e retidão. Não foi por outra razão que o legislador alçou o princípio da boa-fé à categoria de norma fundamental do processo civil, dispondo no art. 5º do CPC que aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”, e, consequentemente, com tais diretrizes de conduta”.

Como corolário de tal princípio, o dever de cooperação também foi expressamente previsto no Novo Código de Processo Civil, o qual preceitua em, seu art. 6º que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Em diversas outras passagens, a Lei Adjetiva coíbe a conduta desonesta da parte, como quando sanciona os atos considerados atentatórios à dignidade da Justiça e a litigância de má-fé.

Diante do grande número de ações repetitivas ajuizadas se faz necessário atentar às recomendações expedidas no Ofício-Circular 077/2013-CGJ, motivo pelo qual este magistrado determinou a intimação da parte autora para emendar a inicial, nos seguintes termos:

(…) juntar aos autos procuração atualizada e contendo de forma específica o objeto, ou seja, o tipo/espécie de ação a ser ajuizada.

Ainda, caso se trate o autor de pessoa analfabeta, a outorga de procuração por ela deve ser realizada por instrumento público. Trata-se de inteligência dos arts. 654 do CC e 105 do CPC (nesse sentido já decidiu o egrégio TJRS no Agravo de Instrumento Nº 70066630849, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 21/09/2015).

2. Acostar aos autos comprovante de residência atualizado (talão de água/luz/telefone), ou declaração emitida pelo Cacique da Terra Indígena Nonoai ou pela FUNAI demonstrando que reside na Área Indígena deste Município atualmente, tendo em vista que é de conhecimento deste magistrado inclusive no exercício da jurisdição eleitoral que diversos indígenas mudam com muita frequência seu domicílio (...)”.

Ainda, diante das inúmeras ações ajuizadas pela mesma parte, determinou-se a intimação da parte autora para unificar em apenas um processo as pretensões das ações repetitivas que ajuizou, sob pena de indeferimento das petições iniciais por abuso do exercício do direito ação.

A parte autora manifestou-se alegando, em suma que: a) a procuração outorgada preenche todos os requisitos do art. 105 caput do CPC, bem como que a mesma contém a cláusula ad judicia et extra; b) os motivos declinados pelo juízo revelam-se insubsistentes, pois a aglutinação de processos com causas de pedir e pedidos distintos ensejaria mixórdia, sacrificando a efetividade do processo e sua duração razoável; c) requereu, ainda, o prazo para a juntada de endereço atualizado.

DA PROCURAÇÃO GENÉRICA:

Quanto ao instrumento de procuração, o art. 654, § 1º do Código Civil prevê:

Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.

§ 1º O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.

Nesse sentido o TJRS já decidiu que a procuração deve ser específica para a ação, sendo vedada procuração que permita o ajuizamento de todo e qualquer tipo de ação:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. AUSÊNCIA DE JUNTADA DE PROCURAÇÃO COM FINS ESPECÍFICOS. INDEFERIMENTO DA INICIAL. POSSIBILIDADE. Caso em que as particularidades do caso concreto autorizam ao juiz o exercício do seu poder geral de cautela. Determinação para juntada de procuração com poderes específicos para o ajuizamento da presente ação que se mostrou pertinente. Medida que não guarda complexidade e não impõe à parte obstáculo suficiente a cercear seu direito de livre acesso à Justiça. Descumprimento injustificado. Indeferimento da inicial mantido. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 70083296095, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em: 19-12-2019)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. AUSÊNCIA DE JUNTADA DE PROCURAÇÃO COM FINS...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT