Acórdão nº 50012064720148210087 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 21-03-2022

Data de Julgamento21 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50012064720148210087
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001723568
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001206-47.2014.8.21.0087/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001206-47.2014.8.21.0087/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio Simples (art. 121 caput)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra CLEUSA ELIZETE PINTO ALVES, dando-a como incursa nas sanções do artigo 121, §§3º e 4º primeira parte, do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 02/04):

“Entre os dias 06/04/2013 e 07/04/2013, em horários não especificados, no Hospital Municipal Lauro Reus, em Campo Bom, a denunciada, atuando com negligência consistente em retardar os cuidados necessários ao neonato BERNARDO BENDER LESTE, nascido na tarde do dia 05/04/2015 e que padecia de disfunção respiratória pós parto e já estava em observação desde o nascimento, deu causa ao agravamento irreversível da doença que culminou com o óbito da criança às 15h35min do dia 07/04/2013, conforme certidão de óbito inclusa nos autos.

Na ocasião, a acusada, que era a médica plantonista e responsável pelo atendimento da vítima a partir das 7 horas do dia 06/04/2013, foi comunicada pela Enfermeira Isabel Feiden durante a manhã, em mais de uma oportunidade, sobre o possível agravamento do quadro de saúde do neonato e a necessidade de avaliação e até cadastro na Central de Leitos do Estado para vaga em UTI, sendo que a imputada não compareceu no berçário para examinar a criança, que já apresentava picos de cianose oral e importante queda de saturação.

Na mesma data, no início da tarde, após a vítima apresentar pico febril de 38,2º, a acusada foi novamente comunicada da situação do recém-nascido e somente então compareceu no berçário, sendo que apenas solicitou exames de Raio X de Tórax, hemograma, EQU, PCR e VSG, sem prescrever qualquer tratamento medicamentoso e sem providenciar o cadastro do neonato na Central de Leitos do Estado visando à uma vaga em UTI, já que o Hospital Lauro Reus não dispunha dessa estrutura.

Ato contínuo, depois das 18 horas do sábado (dia 06/04/2013), de posse dos exames solicitados, a imputada prescreveu tratamento com antibióticos ao recém-nascido, sendo que o cadastro do neonato na Central de Leitos do Estado, que também era de responsabilidade da imputada, somente ocorreu às 0h02min da madrugada do domingo (dia 07/04/2013), sendo que a vaga foi disponibilizada apenas durante a tarde do mesmo dia, já diante de quadro irreversível que evoluiu para uma parada cárdio-respiratória e para o óbito da vítima, às 15h35min.”

A denúncia foi recebida em 13/08/2015 (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 05).

A acusada foi pessoalmente citada (evento 03, PROCJUDIC4, fl. 49) e apresentou resposta à acusação através de defensor constituído (evento 3, PROCJUDIC4, fl. 50 e PROCJUDIC5, fls. 01/05).

Durante a instrução processual, foram ouvidas as testemunhas e interrogada a acusada (evento 3, PROCJUDIC6, fls. 02/05, 18/20 e 30/48, PROCJUDIC7, fls. 20 e 41/43, PROCJUDIC8, fls. 07/08, 22/23, 39, 43/44 e 49, PROCJUDIC9, fls. 22/25).

Encerrada a instrução, as partes apresentaram memoriais em substituição aos debates orais (evento 3, PROCJUDIC9, 35/50 e PROCJUDIC10, fls. 01/14 e 17/22).

Sobreveio a sentença de lavra da Drª Greice Witt, de improcedência da ação penal, a fim de absolver Cleusa Elizete Pinto Alves, das imputações contidas na denúncia com fundamento no artigo 386, inciso VII, do CPP (evento 3, PROCJUDIC10, fls. 23/50 e PROCJUDIC11, 01/16).

A sentença foi publicada em 06/03/2019 (evento 3, PROCJUDIC11, fl. 17).

O Ministério Público apelou tempestivamente, evento 3, PROCJUDIC11, fl. 22). Arrazoando, sustentou estarem comprovadas a materialidade e a autoria, tendo ficado claro o agir culposo da recorrida, motivo pelo qual requereu a reforma da sentença absolutória para condenar a acusada nos termos da denúncia (eventro 3, PROCJUDIC11, fls. 23/42).

Com as contrarrazões (evento 3, PROCJUDIC11, fls. 47/48), os autos foram remetidos a esta Corte.

Nesta instância, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Luiz Carlos Ziomkowski, emitiu parecer opinando pelo desprovimento do apelo ministerial (evento 8, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

VOTO

Conheço do recurso uma vez que adequado e tempestivo.

Reexaminando os elementos probarórios coligidos aos autos, tenho que a sentença, da lavra da Drª. Greice Witt, deva ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, uma vez que bem examinou a prova produzida e deu a correta solução jurídica ao fato, motivo pelo qual peço vênia para transcrevê-la adotando os seus fundamentos como razão de decidir, verbis:

"[...] Em que pese o contido no boletim de ocorrência (fls. 07/08), documentos (fls. 15/73, 75/87, 144/145, 163, 168, 172, 196, 198/205 e 358/360), certidão de óbito (fl. 74), parecer técnico (fls. 149/158) e na prova oral coligida aos autos, entendo que não há provas suficientes para a condenação.

Vejamos.

A ré, em seu interrogatório, disse que possui ensino superior completo, com especialização em pediatria, e que percebe com o seu trabalho por mês aproximadamente R$12.000,00 ou R$13.000,00, tendo como dependentes uma filha de vinte anos de idade, que não trabalha, faz faculdade e mora com a interrogada, além de uma neta. Negou a acusação. Contou que, quando entrou no plantão às 07 horas, do sábado, dia 06, a vítima estava já no berçário, mas a interrogada não sabia, porque, quando chega, não passa para ver, sendo que isso quem faz são os rotineiros. Relatou que, por volta de 10h30min ou 11 horas, a enfermeira Isabel lhe chamou, pois o Bernardo não estava muito bem. Acrescentou que, como o Bernardo nasceu por opção dos pais sem convênio, foi particular o parto, o rotineiro também era particular, então a interrogada disse que não podia passar por cima de um colega, já que ele é o médico particular da criança. Noticiou que pediu à Isabel para ligar para o Dr. Luiz e perguntar se ele atenderia ou se ele queria que a interrogada atendesse, tendo ele mandado dizer que era para a interrogada atender. Aduziu que examinou a criança e que viu que ela não estava bem, aumentando o oxigênio. Destacou que chamou o pai, que estava toda hora tentando falar com a interrogada, conversou com ele, explicando que a situação havia se agravado e que pediria exames, sendo que pediu um Raio-X e um hemograma. Informou que, como a criança internou particular, os exames também teriam que ser particular, daí ficou, naquele jogo, os pais dizendo que não, que a criança não era particular, e o hospital dizendo que era particular, sendo que a interrogada nesse meio tempo estava atendendo na emergência, porque havia muita gente. Comentou que sábado não tem posto e que, naquela época, nem posto 24 horas atendia as crianças, era tudo no hospital. Asseverou que o técnico do Raio-X lhe chamou e que disse que só poderia mandar oficialmente o Raio-X depois que pagassem, sendo que o hemograma foi a mesma coisa. Revelou que só conseguiu ver o Raio-X, porque o técnico lhe disse que não achou legal, não achou bom esse raio e por isso ele abriu lá dentro para a interrogada olhar. Noticiou que, quando olhou, viu que a criança tinha uma extensa área que, no seu entender, era uma broncopneumonia no pulmão direito, associada à dificuldade respiratória, com o grau de piora, concluiu que era uma pneumonia e imediatamente entrou com os antibióticos. Explicou que, para poder solicitar um leito na Central de Leitos, precisa ter, primeiro, resultado de exames, pois eles pedem e a interrogada tem que passar para eles; segundo, tem que ter uma hipótese diagnóstica, o que já tinha olhando o Raio-X; e, terceiro, precisa ter um número de internação da criança, sendo que a criança ainda estava internada na internação da mãe. Salientou que solicitou que fizessem a internação e que chamaram o pai, daí ficou aquele drama de novo se internava particular ou SUS, se internar particular como é que fica e se internar SUS como é que fica, se internar particular quanto que é, tendo eles decidido internar SUS. Referiu que a pessoa que estava na recepção do hospital, cujo nome não lembra, estava trabalhando há pouco tempo e se recusou de fazer a internação, porque a criança ainda não estava registrada. Falou que, como era sábado de tarde, não tinha como fazer registro, daí falou para essa pessoa que ela tinha que internar ou no nome da mãe ou como dependente. Declarou que trabalhou no Hospital Lauro Reus quatorze anos e que nunca teve esse problema, pois é óbvio que a criança não tem registro, mas referiu que pode internar no nome da mãe e que nesses casos internam como recém-nascido de fulana de tal, mas ela se recusou e disse que não podia, então a interrogada não pode obrigar alguém a fazer alguma coisa. Comentou que chamou o pai e que falou isso para ele. Expôs que a recepcionista deve ter ligado para alguém do hospital, até falou para ela se informar, chamar a enfermeira chefe e procurar alguém que resolva, pois não estava sabendo isso aí, pois precisava internar essa criança, sendo que não deixaria de medicar e de atender por falta de registro, não cabe isso. Declarou que lá pelas tantas ela resolveu internar e que só então pôde entrar em contato com a Central de Leitos, porque daí tinha tudo certo o que eles pediriam. Esclareceu que a Central de Leitos é uma dificuldade não só para se conseguir leito como para se falar com eles, porque é uma central que atende o Estado todo, sendo que tem a Central de Leitos de Porto Alegre e a Central do Estado, tendo que ligar sempre primeiro para a Central do Estado e depois para a de Porto Alegre. Relatou que foi solicitada ligação à...

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