Acórdão nº 50012147020188213001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Segunda Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoDécima Segunda Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50012147020188213001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002066154
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

12ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001214-70.2018.8.21.3001/RS

TIPO DE AÇÃO: Acidente de Trânsito

RELATOR: Desembargador UMBERTO GUASPARI SUDBRACK

APELANTE: ANA RITA DE ARAUJO BUENO (AUTOR)

APELANTE: COMPANHIA CARRIS PORTO-ALEGRENSE (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

De início, a fim de evitar tautologia, adoto o relatório da sentença recorrida:

Ana Rita de Araújo Bueno ajuizou ação indenizatória contra Companhia Carris Porto Alegrense, alegando que, em 22/05/2017, foi atropelada por um ônibus de propriedade da ré por culpa de um preposto da demandada, que, ao realizar uma conversão, ignorou o fato de que ela já havia iniciado o seu trajeto para atravessar a rua. Relatou que foi encaminhada ao hospital pelo motorista do coletivo, onde foi constatada fratura na diáfise do rádio da sua mão direita, situação que gerou a imobilização de todo o membro. Depois de discorrer sobre o tratamento a que precisou se submeter e os prejuízos que sofreu, pediu a condenação da ré ao pagamento de uma indenização por dano moral, no valor de R$ 50.000,00. Requereu a gratuidade judiciária e juntou documentos (fls. 08/31). Deferida a AJG (fl. 33), a ré foi citada (fl. 34v) e contestou (fls. 35/63), sustentando a incompetência do juízo cível. No mérito, disse que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da autora, que teria atravessado a rua sem a devida atenção, num momento em que o coletivo já efetuava a conversão, o que impediu qualquer reação do motorista no sentido de evitar o atropelamento. Afirmou que a responsabilidade da concessionária de serviço público é subjetiva em relação ao não-usuário, sustentou a existência de causa excludente de responsabilidade e discorreu sobre os parâmetros a serem observados em caso de eventual condenação. Pediu o acolhimento da preliminar ou a improcedência da ação. Juntou documentos (fls. 64/66). Houve réplica (fls. 68/70). Deferida a realização de audiência, as testemunhas arroladas não compareceram, tendo as partes concordado com o encerramento da instrução (fl. 108). É o relatório.

Sobreveio julgamento, com o seguinte dispositivo:

Isso posto, julgo parcialmente procedente a ação para condenar a ré a pagar à autora a quantia de R$ 10.000,00, que deverá ser corrigida pelo IGPM a contar desta data, com juros de 1% ao mês a partir de 22/05/2017. A ré, que sucumbiu na maior parte e deu causa ao ajuizamento do feito, pagará as custas e os honorários do patrono do demandante, que fixo em 10% sobre o valor da condenação.

Inconformada, recorre a demandada (fls. 113/119).

Em suas razões, suscita, em preliminar, a competência da Vara da Fazenda Pública, por se tratar de empresa pertencente à Administração Pública Indireta do Município de Porto Alegre, sendo aplicáveis as prerrogativas conferidas à Fazenda Pública, dentre as quais o regime dos precatórios. Quanto ao mérito, aponta a ausência dos pressupostos ensejadores da responsabilidade civil, por não ter sido comprovado o fato constitutivo do direito. Argumenta que o acidente "somente ocorreu em virtude da desatenção da recorrida, que faltou com o dever de cuidado minimamente esperado de um pedestre ao atravessar a rua". Afirma que o coletivo já estava efetuando a conversão quando a requerente simplesmente atravessou a rua impedindo qualquer reação do motorista. Caso não seja reconhecida a culpa exclusiva da vítima, pugna pela minoração do "quantum" indenizatório arbitrado a título de danos morais, em observância à culpa concorrente. Postula o provimento do recurso.

Devidamente intimada, a parte autora apresentou contrarrazões (fls. 124/127) e recurso adesivo (fls. 128/134), no qual postula a majoração da verba indenizatória e dos honorários sucumbenciais.

A parte requerida apresentou contrarrazões ao recurso adesivo (fls. 136/146).

Distribuído o processo nesta Corte, vieram-me os autos eletrônicos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

De início, não conheço do pedido de revogação da gratuidade judiciária formulado nas contrarrazões, tendo em vista que, como o benefício foi concedido na decisão de recebimento da inicial (fl. 33), a parte requerida deveria ter impugnado na contestação, nos termos previstos no art. 100 do CPC.

Ainda que assim não fosse, a fim de possibilitar o exame superveniente do pedido de revogação da gratuidade judiciária, a parte requerida deveria ter acostado documentos evidenciando que a situação financeira da parte adversa se alterou, ônus do qual não se desincumbiu.

Tampouco assiste razão à parte ré no tocante à preliminar de incompetência do Juízo, uma vez que, por ser constituída como uma sociedade de economia mista, não lhe são aplicáveis as prerrogativas conferidas à Fazenda Pública.

Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:

FINANCEIRO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PAGAMENTO DE VALORES POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. INAPLICABILIDADE DO REGIME DE PRECATÓRIO. ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA CONSTITUCIONAL CUJA REPERCUSSÃO GERAL FOI RECONHECIDA. Os privilégios da Fazenda Pública são inextensíveis às sociedades de economia mista que executam atividades em regime de concorrência ou que tenham como objetivo distribuir lucros aos seus acionistas. Portanto, a empresa Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. - Eletronorte não pode se beneficiar do sistema de pagamento por precatório de dívidas decorrentes de decisões judiciais (art. 100 da Constituição). Recurso extraordinário ao qual se nega provimento. (RE 599628, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 25/05/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-199 DIVULG 14-10-2011 PUBLIC 17-10-2011 EMENT VOL-02608-01 PP-00156 RTJ VOL-00223-01 PP-00602).

Na mesma direção, cito as seguintes ementas desta Corte:

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CULPA CONCORRENTE. FAZENDA PÚBLICA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. As empresas de ônibus, como concessionárias de serviço público, respondem objetivamente pelos danos causados a terceiros, usuários ou não-usuários do serviço. Ainda que a CARRIS seja sociedade de economia mista, prestadora de serviço público que executa sua atividade em regime de concorrência, os privilégios inerentes à Fazenda Pública não lhe são extensíveis. Valor da indenização por danos materiais conforme fixada na sentença. Danos morais. Desacolhimento do pedido. Honorários advocatícios mantidos. PRIMEIRA APELAÇÃO IMPROVIDA. SEGUNDA APELAÇÃO IMPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70078954047, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bayard Ney de Freitas Barcellos, Julgado em 24/10/2018) – Grifou-se

AGRAVO INTERNO EM CONFLITO DE COMPETÊNCIA. TRANSPORTE. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. A Carris é uma sociedade de economia mista, não tendo, portanto, o direito de demandar e ser demandada em uma das Varas da Fazenda Pública da comarca de Porto Alegre, por não elencada no rol das pessoas referidas pelo art. 84, V, do COJE. Do mesmo modo, a alegação de que a recorrente estaria sujeita ao regime de precatórios para o pagamento de seus débitos, não resta prejudicada pelo fato de ser demandada no juízo cível. Precedentes desta corte. AGRAVO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Agravo Nº 70077680031, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Luiz Pozza, Julgado em 26/07/2018)

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. TRATANDO-SE A RÉ DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA, AINDA QUE PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO, A QUAL EXECUTA ATIVIDADE EM REGIME DE CONCORRÊNCIA, NÃO SE ESTENDEM OS PRIVILÉGIOS INERENTES A FAZENDA PÚBLICA. INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NA LEI 9.494/97. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DAS CUSTAS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS COM BASE NO ART. 85, § 2° E 11° DO CPC/2015. À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. (Apelação Cível Nº 70073034233, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Katia Elenise Oliveira da Silva, Julgado em 10/05/2017) – Grifou-se

Sobre o tema cito o seguinte julgado deste Colegiado:

AGRAVO INTERNO EM CONFLITO DE COMPETÊNCIA. TRANSPORTE. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. A Carris é uma sociedade de economia mista, não tendo, portanto, o direito de demandar e ser demandada em uma das Varas da Fazenda Pública da comarca de Porto Alegre, por não elencada no rol das pessoas referidas pelo art. 84, V, do COJE. Do mesmo modo, a alegação de que a recorrente estaria sujeita ao regime de precatórios para o pagamento de seus débitos, não resta prejudicada pelo fato de ser demandada no juízo cível. Precedentes desta corte. AGRAVO DESPROVIDO. UNÂNIME.(Agravo, Nº 70077680031, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Luiz Pozza, Julgado em: 26-07-2018)

Superada a preliminar, passo ao exame do mérito.

O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que “as pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, respondem objetivamente pelos prejuízos que causarem a terceiros usuários e não usuários do serviço", conforme julgamento, em repercussão geral, do RE nº 591.874/MS.

CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO....

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