Acórdão nº 50012159220188210014 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50012159220188210014
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002327050
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001215-92.2018.8.21.0014/RS

TIPO DE AÇÃO: Responsabilidade civil

RELATOR: Desembargador JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

APELANTE: EVA PONS RODRIGUES (AUTOR)

APELANTE: LAURI DE MELLO (AUTOR)

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação e recurso adesivo interpostos, respectivamente, por Estado do Rio Grande do Sul e Eva Pons Rodrigues e outro contra a sentença que, nos autos da Ação de Indenização por Danos materiais ajuizada pelos recorrentes adesivos, julgou a demanda nos seguintes termos:

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para CONDENAR o demandado: I - ao pagamento de indenização pelo veículo apreendido e não devolvido, no valor de R$ 10.568,00, corrigido monetariamente pelo IPCA-E desde 09/2016 e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a citação; II – ao pagamento de indenização pelos demais bens apreendidos e não devolvidos, quais sejam, um telefone celular marca Samsung, um celular marca Nokia, uma sacola de plástico grande com fecho, quatro lâminas de serra circular e um pote plástico de graxa, em valor a ser fixado em sede de liquidação de sentença e acrescido de juros e correção monetária, tudo na forma da fundamentação. Em razão da sucumbência recíproca, CONDENO a parte autora ao pagamento de 50% da totalidade das custas e despesas processuais, assim como honorários advocatícios à procuradoria do réu, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa pelo IPCA-E, na forma do art. 85, §2º, do NCPC. Por sua vez, CONDENO o réu ao pagamento de honorários advocatícios à procuradora da parte contrária, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da condenação, na forma do art. 85, §3º, inciso I, do NCPC. A ação foi proposta após a vigência da Lei Estadual nº 14.634/2014 (15/06/2015), portanto, isento o Estado do pagamento da taxa de serviços forenses, consoante o disposto nos arts. 1º, caput e inciso II, e 5º, I da Lei Estadual. SUSPENDO a exigibilidade dos ônus sucumbenciais da parte autora, pelo prazo legal (na forma do art. 98, §3º, do NCPC), em virtude de litigar amparada pelo benefício da gratuidade da justiça. PROIBIDA a compensação da verba honorária, conforme art. 85, §14º, do NCPC.

A apelação sustenta a ausência de responsabilidade do Estado pelos danos supostamente causados aos autores, pela perda dos bens materiais que estiveram sob sua guarda, não havendo prova da culpa do ente estatal, elemento necessário ao julgamento de procedência da demanda. Assevera que a detenção e apreensão dos bens recolhidos no processo penal foram procedimentos justos e corretos. Aduz que o veículo automotor dos requerentes foi transformado em sucata, justamente, porque ficou apreendido por tempo significativo, não podendo o requerido ser responsabilizado à restituição do referido bem.

Requer o provimento da apelação para julgar improcedente a ação (Evento 3 - PROCJUDIC5, fls. 44/48 dos autos originários).

O recurso adesivo afirma que o réu deve ser condenado à restituição dos valores dos bens apreendidos, em sua integralidade, pois deu causa ao prejuízo suportado pelos requerentes. Pretende a majoração do quantum indenizatório, em conformidade aos pedidos da petição inicial.

Requer o provimento do recurso (Evento 3 - PROCJUDIC6, fls. 01/08 dos autos originários).

Intimadas, as partes apresentaram as contrarrazões (Evento 3 - PROCJUDIC6, fls. 09/14 e fls. 17/25 dos autos de origem).

Subiram os autos a este Tribunal.

Distribuídos, vieram conclusos.

Ouvido, o Ministério Público declinou de intervir no feito (Evento 8 - PROM1).

Cumpriram-se as formalidades previstas nos arts. 929 a 935, do CPC.

É o relatório.

VOTO

Os recursos são tempestivos. Dispensado o preparo da apelação por força do art. 1.007, § 1º, do CPC, bem como do recurso adesivo, em razão do benefício da justiça gratuita deferido na origem.

As insurgências serão analisadas conjuntamente.

Para melhor entendimento dos fatos, transcrevo parte do relatório da sentença:

EVA PONS RODRIGUES e LAURI DE MELLO ajuizaram a presente demanda em desfavor do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, todos qualificados, narrando que foram processados criminalmente, processo no qual ficou determinada a restituição dos bens apreendidos com os autores quando da prisão em flagrante. Que apesar do esforço, não obtiveram êxito na restituição dos bens. Inclusive, o veículo que ficou depositado junto ao DETRAN virou sucata. Requereram a condenação do réu ao valor dos bens não restituídos, no total de R$ 81.117,71. Por fim, a concessão da gratuidade da justiça. Acostaram documentos (fls. 05 e ss.).

Após duas emendas (fls. 33 e ss. e 52 e ss.), a inicial foi recebida, com o deferimento da gratuidade da justiça aos autores (fl. 55).

Citado, o réu contestou (fls. 57 e ss.), afirmando que não possui responsabilidade por indenizar, pois a retenção dos bens foram justas e corretas, pois necessária à consecução penal. Argumentou inexistir ato ilegal a ser atribuído ao réu. Quanto ao veículo, que não foi possível a restituição uma vez que foi transformado em sucata. Referiu que os atos praticados pelos agentes do Estado foram lícitos e não geram responsabilidade indenizatória. Requereu a improcedência dos pedidos. Acostou documentos (fls. 60 e ss.).

Pois bem. Segundo Maria Helena Diniz: “A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal” (in Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil, Volume 7, 29ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2015, p. 51).

Nesse sentido, importante referir que são pressupostos da responsabilidade civil: a ação (conduta comissiva ou omissiva), a culpa do agente, a existência do dano e o nexo de causalidade entre a ação e o dano.

Contudo, em se tratando de responsabilidade civil dos entes da administração pública (da União, dos Estados e dos Municípios), a regra é a responsabilidade objetiva, assim considerada a que não necessita de comprovação da culpa.

A Constituição de 1988 seguiu a orientação das Constituições anteriores, desde a Carta de 1946, com a adoção da responsabilidade civil objetiva, na modalidade do risco administrativo, conforme determina o art. 37, § 6º, com a seguinte redação:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

(...)

O Código Civil de 2002 seguiu a mesma linha, conforme se percebe na redação do art. 43:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

Entretanto, ainda há situações que ensejam a verificação da culpa para se configurar a responsabilidade civil do Estado, precipuamente nos casos de omissão do ente estatal.

Desta forma, quando se fala em danos da administração pública por omissão é imperioso se distinguir a omissão específica da omissão genérica. A omissão é específica quando o Estado, diante de um fato lesivo, tinha a obrigação de evitar o dano. É genérica quando o Estado tinha o dever legal de agir, mas, por falta do serviço, não impede eventual dano ao seu administrado.

Sobre o tema, importante mencionar a passagem da obra de Sergio Cavalieri Filho (in Programa de Responsabilidade Civil, 11ª edição, Editora Atlas, São Paulo, 2014, p. 298 e 299), com o seguinte teor:

Haverá omissão específica quando o Estado estiver na condição de garante (ou de guardião) e por omissão sua cria situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo; a omissão estatal se erige em causa adequada de não se evitar o dano. Em outras palavras, a omissão específica pressupõe um dever especial de agir do Estado, que, se assim não o faz, a omissão é causa direta e imediata de não se impedir o resultado. São exemplos de omissão específica: morte de detento em rebelião em presídio (Ap. Civ. 58.957/2008, TJRJ) (...); suicídio cometido por paciente internado em hospital público (...); acidente com aluno nas dependências de escola pública (...).

(...)

Em contrapartida, a omissão genérica tem lugar nas hipóteses em que não se pode exigir do Estado uma atuação específica; quando a Administração tem apenas o dever legal de agir em razão, por exemplo, do seu poder de polícia (ou de fiscalização), e por sua omissão concorre para o resultado. Em síntese, na omissão específica o dano provém diretamente de uma omissão do Poder Público; na omissão genérica, o comportamento omissivo do Estado só dá ensejo à responsabilidade subjetiva quando for concausa do dano juntamente com a força maior (fatos da natureza), fato de terceiro ou da própria vítima. São exemplos de omissão genérica: negligência na segurança de balneário público – mergulho em lugar perigoso (...); queda de ciclista em bueiro há muito tempo aberto em péssimo estado de conservação (...); estupro cometido por presidiário, fugitivo contumaz (...); poste de ferro com um sinal de trânsito cai sobre idosa no...

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