Acórdão nº 50012162420188210064 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50012162420188210064
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001668616
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001216-24.2018.8.21.0064/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de Energia Elétrica

RELATOR: Desembargador JOAO BARCELOS DE SOUZA JUNIOR

APELANTE: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

APELADO: JOSE LUIS DA LUZ MANZONI (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A., em face da sentença (Evento 3, OUT10, Página 1-18, dos autos de origem) que, nos autos da ação indenizatória por danos materiais e morais ajuizada por JOSE LUIS DA LUZ MANZONI em desfavor do ora apelante, julgou parcialmente procedentes os pedidos, conforme se observa da parte dispositiva que segue:

Em suas razões recursais (Evento 3, OUT11, Página 3-10, dos autos de origem), a parte recorrente sustentou que a demora no fornecimento de energia elétrica decorreu de ato da própria recorrida, a qual deixou de apresentar documentos necessários para o atendimento da solicitação. Ressaltou que apenas aplicou as disposições contidas no art. 128 da Resolução nº 414/2010 da ANEEL, de modo que não há falar em ilegalidade no seu atuar. Alegou ser cabível condicionar o fornecimento de energia elétrica à quitação de débitos pendentes. Citou jurisprudência. Asseverou que o art. 6º, §3º, II, da Lei nº 8.987/95 prevê a possibilidade de interrupção do fornecimento de energia elétrica no caso de inadimplemento dos usuários. Reputou que para a condenação ao pagamento de danos morais é necessária a demonstração no sentido de que o dano causou dor e sofrimento ao recorrido, situação que não restou comprovada nos autos. Aduziu que, acaso mantida a condenação em danos morais, é devida a sua redução. Requereu o provimento do recurso, com a reforma da sentença.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 4, CONTRAZAP1, Página 1-8,dos autos de origem).

O Ministério Público, nesta instância, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 10 - PARECER1).

VOTO

Eminentes Colegas.

Em breve contextualização, a parte autora busca, nesta demanda, seja a RGE Sul Distribuidora de Energia S.A condenada à obrigação de fazer consistente na ligação de energia elétrica em seu imóvel e ao pagamento de indenização pelos danos morais e danos materiais causados em virtude da negativa da ligação.

A sentença foi pela parcial procedência para condenar a demandada ao pagamento de indenização pelos danos morais e materiais sofridos pela parte demandante, restando prejudicado o pedido de ligação, porquanto realizado no decorrer da lide. A demandada, inconformada, insurge-se, alegando que a negativa de fornecimento de energia elétrica se deu por culpa exclusiva da parte demandante, devendo ser afastada a condenação ao pagamento de indenização pelos alegados danos morais sofridos ou, alternativamente, sua minoração.

Pois bem. Inicio pontuando que a empresa recorrente não se manifestou acerca da condenação ao pagamento de indenização pelo danos materiais, de modo que preclusa a matéria neste tocante.

No mais, é consabido que o fornecimento do serviço de luz trata-se de obrigação propter personam, não propter rem, razão pela qual não se pode responsabilizar outrem que não aquele que efetivamente utilizou o serviço.

Desta feita, não se pode negar/suspender o fornecimento de serviço essencial em razão de dívida de terceiro.

O STJ já se manifestou sobre o assunto:

PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. ART. 535, II, DO CPC. COBRANÇA. ENERGIA ELÉTRICA. OBRIGAÇÃO DE NATUREZA PESSOAL. PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL. ENTRADA EM VIGOR DO NOVO CÓDIGO CIVIL (11.3.2003). 1. Não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal a quo julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. 2. O art. 557 do CPC foi corretamente aplicado na hipótese sub judice, porque a Corte estadual decidiu em conformidade com seus precedentes. 3. O Superior Tribunal de Justiça entende que o débito de energia elétrica é de natureza pessoal, não se caracterizando como obrigação de natureza propter rem. 4. A Ação de cobrança dos débitos de energia elétrica, referente ao período de setembro de 1995 a agosto de 1996, foi ajuizada em 30.11.2005. Portanto incide a regra de transição do art. 2.028 do CC, porque decorrido menos da metade do prazo vintenário, quando da entrada em vigor do novo Código Civil. 5. Conforme o entendimento do STJ, a ação de cobrança prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do Código Civil de 1916, e em 10 (dez) anos, na vigência do Código Civil de 2002, devendo o termo inicial do prazo ser contado da entrada em vigor do novo Código Civil. Precedentes: AgRg no AREsp 324.990/MS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 5/2/2016) e AgRg no AREsp 815.431/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 11/02/2016. 6. Recurso Especial não provido. (REsp 1579177/GO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/03/2016, DJe 31/05/2016)

Na mesma linha é o entendimento desta Corte, conforme demonstram os seguintes precedentes:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PEDIDO DE LIGAÇÃO. TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE DA UNIDADE CONSUMIDORA. NEGATIVA DE FORNECIMENTO EM RAZÃO DE DIVIDA DE TERCEIRO. IMPOSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO PESSOAL. 1. Tratando-se de relação de consumo, toda a prova produzida deve ser analisada à luz do Código de Defesa do Consumidor, levando-se em consideração o caráter de hipossuficiência do consumidor em relação à fornecedora de serviços. 2. Descabe o condicionamento da ligação de unidade consumidora ao pagamento de débito pendente em nome de terceiro. A obrigação decorrente da prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica é de natureza pessoal (propter personam), sendo exigível do consumidor que usufrui do serviço prestado, não se tratando de obrigação propter rem. 3. Portanto, eventual débito apurado, em decorrência de consumo de anterior possuidor, deve ser cobrado deste e não do atual possuidor do imóvel. Na hipótese concreta, o autor comprovou que somente tomou a posse direta e passou a usufruir do imóvel a partir de setembro de 2015. Assim, não pode ele responder pelo período em que não ocupava o imóvel, sendo de responsabilidade do anterior possuidor ou proprietário do imóvel, o débito de consumo referente ao período anterior à aludida data em que iniciada a posse. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70077555548, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 29/08/2018)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ENERGIA ELÉTRICA. DÉBITO DE TERCEIRO. OBRIGAÇÃO PROPTER PERSONAM. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. 1. As obrigações decorrentes do consumo de energia elétrica são daqueles que efetivamente utilizaram e usufruíram do serviço, em virtude de se tratar de obrigação propter personam, sendo o contrato de fornecimento de energia elétrica estritamente pessoal. 2. Não pode a concessionária responsabilizar o atual possuidor do imóvel, por dívida de terceiro - anterior possuidor, usuário do serviço, uma vez que cuida-se de obrigação propter personam e não propter rem. 3. [...]. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70073199648, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sergio Luiz Grassi Beck, Julgado em 28/06/2017)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. ENERGIA ELÉTRICA. RECUSA DE TROCA DA TITULARIDADE POR DÍVIDA DE TERCEIRO. OBRIGAÇÃO PROPTER PERSONAM. ILEGALIDADE CONFIGURADA. É entendimento dominante deste Tribunal que a responsabilidade pelo pagamento da tarifa de energia elétrica é daquele que usufruiu do serviço prestado, uma vez que a obrigação de pagamento do débito não adere à coisa (propter rem), mas decorre da responsabilidade de quem efetivamente utilizou os serviços (propter personam). Ilegalidade na conduta de condicionar a alteração da titularidade ao pagamento de débito pretérito, de responsabilidade de terceiro. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70075748293, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em 06/12/2017)

No caso, a parte autora locou imóvel de sua propriedade para Marcio Reginaldo Bittencourt da Cruz em 27/08/2018, conforme faz prova o contrato acostado no Evento 3, OUT2, Página 18-19, sendo que a empresa concessionária, mesmo após instada inúmeras vezes, deixou de realizar a ligação de energia elétrica no local, sob o argumento de existência de dívida na unidade consumidora.

Ocorre que a negativa de fornecimento de energia elétrica se deu em razão de débitos anteriores à locação e em nome de terceiro (Ciana Sinagaglia da Silva), consoante se infere das faturas juntadas no Evento 3, OUT3, Página 10-11.

Desta feita, tenho que evidenciada a conduta abusiva da concessionária, o que permite a condenação em danos morais que, no caso,...

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