Acórdão nº 50012163120218210060 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50012163120218210060
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001667179
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001216-31.2021.8.21.0060/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: MERCILDO BRUNO WINK (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por MERCILDO BRUNO WINK em face da sentença que julgou improcedente a pretensão deduzida na ação declaratória c/c repetição de indébito e indenização por dano moral ajuizada contra BANCO BMG (Evento 25), cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos:

“[...]. ISSO POSTO, afasto as preliminares e julgo IMPROCEDENTES os pedidos de MERCILDO BRUNO WINK contra o BANCO BMG S.A., pois comprovada a contratação do serviço questionado, não havendo provas da abusividade ou da prática de ato ilícito pelo réu.

Ainda, revogo a liminar concedida no evento 04.

Tendo em vista a sucumbência, arcará a autora com as custas processuais e honorários ao procurador do réu, que fixo em 10% do valor da causa, atualizado, com observância do art. 85, § 2º, NCPC, considerando a ausência de instrução e o rápido deslinde do feito, verbas estas que ficam suspensas em face da AJG deferida.

Não havendo recurso, arquive-se.

Em suas razões recursais, a parte apelante pleiteia, preliminarmente, a manutenção da gratuidade de justiça. No mérito, afirma ter tido a intenção de contratar empréstimo consignado, sendo que lhe foi imposto pelo banco o cartão de crédito consignado. Alega a ocorrência de venda casada e abusividade, práticas proibidas pelo Código de Defesa do Consumidor. Menciona que cabia à instituição financeira comprovar a contratação da modalidade, bem como o desbloqueio e utilização do cartão de crédito emitido, o que não ocorreu. Aponta a diferença de numeração entre o contrato anexado pelo banco e aquele registrado nos descontos em seu INSS. Destaca jamais ter utilizado o cartão, conforme comprovado pelas faturas anexadas aos autos. Pontua a existência de vício de consentimento no contrato celebrado, o qual gerou danos morais in re ipsa. Argui ter sofrido transtornos pela privação de verba alimentar decorrente de descontos indevidos em seu benefício. Menciona ter tido dificuldade em compreender o que estava acontecendo em seu benefício previdenciário, além de ter solicitado diversas vezes o cancelamento da reserva de margem. Colaciona jurisprudência alinhada a sua argumentação. Postula a observância do art. 884 do Código Civil e o art. 42 do Código de Defesa do Consumidor no que tange à repetição em dobro dos indébitos. Afirma que não lhe foram enviadas faturas para que tivesse a oportunidade de efetuar o pagamento integral da dívida, sendo descontados de seu benefício apenas parte dos encargos incidentes. Destaca que o valor da dívida nunca diminui, sendo essa eterna. Aponta má-fé na conduta do banco. Pede a conversão do contrato em empréstimo consignado com base na taxa média do BACEN. Requer o provimento do presente recurso a fim de reformar a sentença nos termos fundamentados. Pleiteia a condenação da parte ré ao pagamento das custas e honorários advocatícios (Evento 30).

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 33.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação interposta pela parte autora no Evento 30 é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 14/10/2021 (Evento 27) e findou em 05/11/2021, sendo que o recurso foi interposto no dia 14/10/2021 (Evento 30). Além disso, a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária, sendo dispensada do pagamento do preparo (Evento 4). Dessa forma, considerando que o recurso é próprio, tempestivo e dispensa o preparo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.

1. GRATUIDADE JUDICIÁRIA.

Quando o benefício da gratuidade judiciária for deferido, a eficácia da sua concessão prevalecerá, independentemente de renovação de seu pedido, em todas as instâncias e para todos os atos do processo, alcançando, inclusive, as ações incidentais ao processo de conhecimento, os recursos, as rescisórias, assim como o subsequente processo de execução e eventuais embargos à execução.

Assim, depois de a justiça gratuita ter sido concedida, ela irá perdurar automaticamente até o final do processo, e só perderá sua eficácia se o juiz ou o Tribunal expressamente revogarem caso haja comprovada alteração da situação econômico-financeira do beneficiário.

Assim, tendo em vista a concessão do referido benefício na decisão do Evento 4 e não havendo a revogação deste, carece a parte recorrente de interesse recursal com relação ao pedido de concessão da gratuidade judiciária, de modo que não merece ser conhecido o recurso neste particular.

2. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos1.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

No caso concreto, todavia, restou demonstrada falha na prestação do serviço do banco réu, conforme passo a demonstrar.

Compulsando os autos, nota-se que a parte autora ajuizou a presente ação declaratória, alegando que lhe foi imposta pelo banco réu a contratação de cartão de crédito consignado quando possuía intenção de pactuar empréstimo consignado. Postulou, em razão do alegado, a declaração de nulidade do débito relacionado ao contrato de cartão de crédito consignado, bem como, a repetição em dobro do indébito.

O banco réu, em contestação, sustentou ter sido firmado pela parte demandante contrato de cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha de pagamento, defendendo a validade do negócio jurídico entabulado entre as partes, ao argumento de que a parte autora possuía ciência acerca dos termos da contratação. Requereu a improcedência da demanda.

Pois bem.

Oportuno referir que a reserva de margem consignável (RMC) foi instituída pela Instrução Normativa do INSS/Decreto n° 121, de julho de 2005, sendo por ela também disciplinada, e consiste na consignação futura de descontos e/ou retenções destinados ao pagamento de empréstimos, financiamentos ou operações de arrendamento mercantil que sejam operacionalizados por meio de cartão de crédito (art. 1°, §9°)2.

Sua implementação, no entanto, depende de autorização, por escrito ou por meio eletrônico, do titular do benefício, pelo que se depreende das exigências contidas nos incisos II e III do art. 3º da Instrução Normativa do INSS nº 28/2008, que teve a sua redação alterada pela Instrução Normativa do INSS nº 39/2009:

Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por...

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