Acórdão nº 50012227020198210072 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 30-06-2022

Data de Julgamento30 Junho 2022
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50012227020198210072
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002240386
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001222-70.2019.8.21.0072/RS

TIPO DE AÇÃO: Usucapião Especial (Constitucional)

RELATORA: Desembargadora LIEGE PURICELLI PIRES

APELANTE: JOSE GERALDO DA SILVA DE ALMEIDA (AUTOR)

APELANTE: NEUSA CERIOTTI DE ALMEIDA (AUTOR)

APELADO: AUTO TINTAS NELINHO LTDA (RÉU)

APELADO: PEDRO PAULO NUNES (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por JOSE GERALDO DA SILVA DE ALMEIDA e NEUSA CERIOTTI DE ALMEIDA contra sentença extinguiu o processo, por reconhecimento da coisa julgada, na ação de usucapião ajuizada contra AUTO TINTAS NELINHO LTDA e PEDRO PAULO NUNES, condenando-os ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa atualizado, suspensa a exigibilidade diante da gratuidade da justiça (Evento 81, SENT1).

Em suas razões recursais (Evento 88, APELAÇÃO1), os autores afirmam não estar configurada a coisa julgada material, uma vez que o decreto de improcedência da anterior demanda “decorreu da não comprovação que a autora varoa (ausência de prova) da inexistência de imóveis registrados em nome destas”. Afirmam que o julgamento de improcedência por ausência de prova faz coisa julgada apenas formal. Consignam ter ajuizado "nova ação para legitimar sua posse, do imóvel caracterizado nos documentos acostados, adquirindo o domínio sobre o mesmo, que mantém há mais de décadas, sem oposição ou interrupção”. Dizem que a sua “posse é mansa, pacífica e de boa fé”. Destacam que a presente ação tem causa de pedir diversa da anteriormente ajuizada, não se fazendo sensível, por isso, a coisa julgada. Defendem o implemento dos requisitos da usucapião constitucional. Pugnam pela desconstituição da sentença e regular processamento do feito.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 92, CONTRAZ1).

Subiram os autos.

Sobreveio parecer do Ministério Público opinando pelo desprovimento do recurso (Evento 8).

Determinada intimação das partes por atendimento ao princípio da não-surpresa (Evento 11), decorreu in albis o prazo concedido para manifestação (Evento 17).

É o relatório.

VOTO

Por atendimento aos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso. Mantenho a dispensa do preparo, pois, em que pese impugnada a concessão da gratuidade da justiça, a parte apelada não demonstrou situação financeira dos apelantes que lhes faria perder o benefício obtido.

Trata-se, na origem, de ação de usucapião visando à declaração de propriedade sobre o apartamento situado à Avenida Castelo Branco n. 37, Bairro Igra, Município de Torres/RS, com área de 119,60m².

Na sentença, foi reconhecida a coisa julgada da presente demanda em relação à anterior proposta pelos autores, processo n. 072/1.12.0006823-3.

Com efeito, de acordo com o art. 337, VII, §§1o, 2o e 4o, do Código de Processo Civil, verifica-se a coisa julgada quando quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado, sendo uma ação idêntica à outra quando apresenta as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

No caso, como os autores já demandaram em ação prescricional aquisitiva relacionada ao mesmo imóvel, e tal pedido foi desacolhido por ausência de animus domini (não sendo alegada na presente demanda transmutação do caráter da posse), corretamente foi decretada a coisa julgada no julgamento recorrido.

A fim de demonstrar a afirmativa de que o pleito anterior foi desacolhido por ausência do requisito de ânimo de dono, transcrevo trecho do acórdão que apreciou a AC n. 70075934109, de Relatoria do Dembargador Carlos cini Marchionatti, in verbis:

[...]

O que se conclui, portanto, é que até 2002 inexistia posse qualificada, pois o demandante residia no apartamento em razão do vínculo empregatício com a sociedade empresária Auto Tintas Nelinho Ltda., em relação à qual era detentor de 1% das quotas sociais (fl. 30).

A partir do fechamento do estabelecimento comercial, em 2002, a posse dos usucapientes pode ter passado a ser qualificada para o usucapião, o que teria ocorrido até a entrega da notificação extrajudicial para desocupação, em 15 de abril de 2008 (autos apensos, fl. 6), do que se verifica o implemento do prazo de 5 anos e 5 meses, suficiente para o usucapião especial urbano, segundo afirmação dos demandantes e depoimentos de algumas das testemunhas no sentido de que os usucapientes receberam o imóvel em pagamento de direitos trabalhistas e societários.

A prova testemunhal, contudo, nesse aspecto, deixa de ser suficiente, pois as testemunhas que afirmam de acordo com as alegações dos demandantes o fazem com base nos fatos que os próprios demandantes lhes informaram, havendo prova testemunhal em sentido contrário, de que os demandantes simplesmente permaneceram residindo no imóvel de propriedade da sociedade empresária após o encerramento das atividades comerciais, o que configura a permanência do caráter precário da posse como tolerância da proprietária registral. E da recusa para desocupar o imóvel advém a ação de despejo.

Nos termos do parecer da Dra. Procuradora de Justiça, as questões advindas do vínculo empregatício e societário do demandante com a sociedade empresária deveriam ter sido resolvidas no âmbito da Justiça do Trabalho, e não pela via do usucapião.

Também não houve atendimento ao requisito do usucapião em razão da ausência de prova da inexistência de imóveis registrados em nome da demandante Neusa Ceriotti de Almeida, casada com o demandante José Geraldo da Silva de Almeida pelo regime da comunhão universal de bens (fl. 11), do que advém a comunicabilidade dos bens entre os cônjuges.

Inexiste, da mesma forma, prova quanto aos pagamentos do IPTU durante os anos em questão.

Assim, o conjunto das provas existentes deixa de demonstrar a posse qualificada para o usucapião, o que justifica a improcedência da ação."

Ainda que fosse afastada a coisa julgada, mesmo assim não lograriam êxito os usucapientes em seu pleito, considerando que não se mostra possível a obtenção de unidade autônoma que não se encontra devidamente individualizada.

Com efeito, para propositura de ação de usucapião de unidade autônoma condominial é imprescindível a prévia determinação das áreas privativas e comum, sob pena de ofensa ao princípio da unitariedade da matrícula, o qual prevê que a todo imóvel, enquanto unidade geodésica, deve corresponder uma matrícula - art. 227 da Lei 6.015/73.

Em outras palavras, sem a prévia descrição das áreas privativas e comuns, inexiste edifício com unidades autônomas, razão pela qual deve ser mantida a sentença de extinção, ainda que por outro fundamento.

Pensar de forma diferente, permitindo a usucapião de unidade autônoma que sequer existe no mundo jurídico, resultaria na constituição de verdadeiro condomínio edilício, não se prestando a ação de usucapião para tanto.

Recentemente, esta 17ª Câmara Cível apreciou caso análogo, confira-se:

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO (BENS IMÓVEIS). AÇÃO DE USUCAPIÃO. MODALIDADE CONSTITUCIONAL URBANA. UNIDADE AUTÔNOMA. CONDOMÍNIO EDILÍCIO NAO CONSTITUÍDO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. PARA PROPOSITURA DE AÇÃO DE USUCAPIÃO DE UNIDADE AUTÔNOMA CONDOMINIAL É IMPRESCINDÍVEL A PRÉVIA DETERMINAÇÃO DAS ÁREAS PRIVATIVAS E COMUM, SOB PENA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA UNITARIEDADE DA MATRÍCULA, O QUAL PREVÊ QUE A TODO IMÓVEL, ENQUANTO UNIDADE GEODÉSICA, DEVE CORRESPONDER UMA MATRÍCULA - ART. 227 DA LEI 6.015/73. PENSAR DE FORMA DIVERSA, PERMITINDO A USUCAPIÃO DE UNIDADE AUTÔNOMA QUE SEQUER EXISTE NO MUNDO JURÍDICO, RESULTARIA NA CONSTITUIÇÃO DE VERDADEIRO CONDOMÍNIO EDILÍCIO, NÃO SE PRESTANDO A AÇÃO DE USUCAPIÃO PARA TANTO. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível, Nº 50260898320188210001, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em: 26-08-2021)

Conforme constou do parecer da lavra do Douto Procurador de Justiça Armando Antônio Lotti, em razões que adoto:

[...]

De fato, não resta dúvida que, se a unidade autônoma estiver registrada no Álbum Imobiliário, é possível o manejo da ação de usucapião, inclusive o usucapião individual urbano (quinquenal, também chamado de constitucional urbano), cujo suporte fático encontra-se disciplinado no artigo 183,...

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