Acórdão nº 50012280420218210009 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50012280420218210009
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002354712
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001228-04.2021.8.21.0009/RS

TIPO DE AÇÃO: Auxílio-Doença Acidentário

RELATOR: Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: EDSON VARGAS SOARES (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de reexame necessário e de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) contra sentença (evento 81 do processo originário) que, nos autos da ação movida por EDSON VARGAS SOARES, julgou procedente o pedido inicialmente formulado, nos termos do seguinte dispositivo:

“[...] Com esses fundamentos, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para:

a) conceder ao autor o benefício de auxílio-acidente, com DIB em 28/10/2018;

b) condenar o réu ao pagamento das parcelas vencidas, respeitada a prescrição quinquenal, as quais deverão ser atualizadas e acrescidas de juros na forma da fundamentação.

Condeno o réu ao pagamento das custas processuais (art. 462 da Consolidação Normativa Judicial, isto é, as despesas integrais, além do ressarcimento integral da parte contrária quanto a custas eventualmente antecipadas, mas com isenção da taxa única) e dos honorários advocatícios que só serão fixados posteriormente, observado o teor do artigo 85, §2º e §4º, inciso II, do novo Código de Processo Civil, pois ilíquida a sentença.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Considerando o disposto 1.010, § § 1º, 2º e 3º do novo CPC, interposto recurso de apelação, intime-se o apelado para contrarrazões e em seguida remeta-se ao Tribunal competente. Observar a hipótese do § 2º do dispositivo citado.

Diligências legais."

[sic]

Em suas razões recursais, a autarquia apelante argumenta, em síntese apertada, que o benefício de auxílio-acidente não é devido no caso em apreço, uma vez que ausente prova bastante de redução efetiva da capacidade laboral específica do demandante. Enfatiza que o laudo emitido em juízo afastou de maneira categórica a subsistência de redução permanente da aptidão laborativa do trabalhador, de sorte que não atendidos todos os pressupostos legais da precitada prestação indenizatória. Sucessivamente, pugna pelo reconhecimento de sua isenção com relação às custas do processo. Pede, ao final, o recebimento e o provimento do apelo.

Sobrevieram contrarrazões.

A Procuradoria de Justiça, por sua vez, opinou pelo provimento parcial do recurso apresentado.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o sucinto relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso reúne condições de admissibilidade, razão por que dele conheço.

Impende registrar, de antemão, a minha compreensão de que a nova normatização do duplo grau obrigatório de jurisdição é suficientemente clara quanto à dispensa da remessa oficial nos casos em que a sentença for impugnada mediante recurso voluntário da Fazenda Pública.

Ora, é de conhecimento geral que não se presumem, na lei, palavras inúteis. Recomenda a boa hermenêutica, efetivamente, que todas as palavras, expressões, locuções e orações empregadas em textos normativos devem ser compreendidas, sempre que possível, com a sua devida utilidade e eficácia, em conformidade com a velha máxima segundo a qual verba cum effectu sunt accipienda.

Sob tal perspectiva, é preciso reconhecer que expressões e termos introduzidos em legislações revogadoras – seja mediante substituição de uma palavra, frase ou período anteriormente positivado na norma, seja mediante acréscimo de uma ou mais expressões que não constavam do texto revogado – ganham especial relevo quando se busca interpretar determinada regra a partir da nova redação que lhe foi conferida.

E dúvida não há, nesse passo, de que o Código de Processo Civil de 2015 constitui um dos exemplos mais atuais da legislação nacional em que as diversas mutações implementadas no respectivo texto normativo devem ser analisadas eficaz e criteriosamente, à luz do próprio espírito de transformação estrutural do processo que a codificação nova buscou infundir nos seus intérpretes e aplicadores.

No caso do reexame necessário, observam-se relevantes mudanças em sua disciplina normativa no âmbito do novo Código, cabendo destacar, nesta específica análise, a expressa eliminação do seu cabimento quando identificada a interposição de recurso voluntário pela Fazenda Pública sucumbente.

Repare-se que a alteração operada na redação do artigo 475, § 1º, do velho CPC, embora seja aparentemente sutil, materializa o intuito inequívoco do legislador de extinguir a possibilidade de trâmite conjunto da remessa oficial com apelações voluntariamente interpostas por entes fazendários.

Com efeito, assim dispunha a norma revogada:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

(...)

1º. Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. (Grifei)

Deveras, o excerto acima grifado não abria margem para dúvidas interpretativas, pois nele se determinava, com clareza, que a remessa dos autos era impositiva independentemente de apelação voluntariamente interposta. Vale dizer: no regime anterior, houvesse ou não apelação do ente público vencido, deviam os autos ser sempre remetidos ao Tribunal para reapreciação da lide quando configurada uma das hipóteses legais do reexame necessário.

A regra correspondente no novo Código, entretanto, suprimiu o fragmento textual acima destacado, com sua consequente substituição por trecho de significação substancialmente diferente (cuja inserção, a toda a evidência, não pode ser concebida como vã). Veja-se:

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

(...)

§ 1º. Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á. (Grifei)

Como dito, a modificação textual acima sublinhada revela o propósito claro do legislador de limitar a incidência do duplo grau obrigatório aos casos em que a Fazenda Pública deixa de recorrer voluntariamente da sentença. Deve-se apreendê-la, a valer, em sentido condicional, com a conseqüente inferência de que o juiz só deve ordenar a remessa oficial dos autos se não houver interposição de apelação no prazo legal, isto é, desde que não sobrevenha apelo tempestivo da pessoa jurídica de direito público.

A meu sentir, a inovação em comento é bastante compreensível se considerarmos o atual estágio de estruturação e desenvolvimento dos sistemas de representação judicial das Fazendas Públicas. Como cediço, as pessoas de direito público dispõem, nos dias de hoje, de aparato material e humano suficientemente capaz de assegurar a defesa judicial de seus direitos e interesses por meio da atuação exclusiva de advogados públicos.

Nesse contexto, é bem de ver que o reexame necessário de sentenças proferidas contra entes públicos representados por profissionais especializados e organizados em carreira não mais se justifica – na sistemática e conjuntura atuais – quando interposta apelação pela Fazenda Pública, uma vez que a tutela judicial dos interesses fazendários não padece, hodiernamente, de deficiências estruturais relevantes que sejam capazes de legitimar a coexistência de dois mecanismos de proteção – no caso, a presença constante do reexame necessário ao lado de apelações interpostas por procuradores que, em regra, possuem o dever funcional de promover (em todos os graus de jurisdição) a defesa judicial das Fazendas a que se vinculam.

Por conseguinte, entendo que o novo CPC considera descabida a sobreposição de duas medidas indutoras da reapreciação da sentença sempre que a Fazenda Pública recorrer voluntariamente da decisão (devolvendo, com isso, o exame da controvérsia ao Tribunal competente). Por sua vez, a impugnação recursal de apenas parte da decisão pelo patrono da Fazenda corresponde, no ordenamento vigente, à aceitação tácita dos demais capítulos do pronunciamento recorrido, evidenciando, assim, uma renúncia implícita do ente público ao seu direito de impugnar o restante da sentença em grau recursal.

É nesse sentido, por sinal, que a doutrina especializada vem assentando o seu posicionamento em torno da temática sob enfoque, conforme abalizada preleção que reproduzo, abaixo, para contribuir com a compreensão da matéria, ad litteris et verbis:

A novidade do CPC de 2015 é a supressão da superposição de remessa necessária e apelação. Se o recurso cabível já foi voluntariamente manifestado, o duplo grau já estará assegurado, não havendo necessidade de o juiz proceder à formalização da remessa oficial. A sistemática do Código anterior complicava o julgamento do tribunal, que tinha de se pronunciar sobre dois incidentes – a remessa necessária e a apelação –, o que, quase sempre, culminava com a declaração de ter restado prejudicado o recurso da Fazenda Pública diante da absorção de seu objeto pelo decidido no primeiro expediente. Andou bem, portanto, o novo Código em cogitar da remessa necessária apenas quando a Fazenda Pública for omissa na impugnação da sentença que lhe for adversa (art. 496, § 1º).1

(Grifei)

Diversa não é, aliás, a posição de outro importante setor da moderna doutrina processualista civil, consoante transcrição literal que segue:

Veja que o § 1º do art. 496 dispõe que só haverá remessa necessária se não houver apelação. Havendo apelação, não haverá remessa necessária. Haveria aí a aplicação da regra da singularidade: não é possível a remessa...

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