Acórdão nº 50012426620198210135 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
ÓrgãoDécima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50012426620198210135
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003204271
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

10ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001242-66.2019.8.21.0135/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador TULIO DE OLIVEIRA MARTINS

APELANTE: TALITA SLONGO (AUTOR)

APELADO: SERASA S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por TALITA SLONGO em face da sentença prolatada na ação de indenização por danos morais em desfavor de SERASA S.A.

Adoto relatório da sentença:

Talita Slongo ajuizou a presente ação de reparação de danos em face de SERASA Experian S/A. Aduziu que foi proprietária da empresa Talita Slongo-ME. Relatou que, ao efetuar compras no crediário comércio local e ao contrair financiamento junto à instituição bancária descobriu que possuía inscrição em seu nome junto ao cadastrado de inadimplentes. Afirmou que foi informada que a restrição correspondia à emissão de cheque sem fundos. Disse que não foi comunicada previamente pela parte ré de que seu nome seria incluso no cadastro de emissores de cheques sem fundos. Requereu a concessão do benefício da gratuidade judiciária. Postulou a procedência dos pedidos para condenar a parte ré ao pagamento de danos morais (fis. 02/07). Juntou documentos (fis. 08/12).

Foi deferido o benefício da gratuidade judiciária à parte autora e determinada a citação da parte ré (fis. 27/28).

Citada (fl. 32v), a parte ré apresentou contestação. Arguiu, preliminarmente, a ilegitimidade ativa e a falta de interesse de processual. No mérito, argumentou quanto à regularidade da anotação. Pugnou pelo acolhimento das preliminares e improcedência dos pedidos iniciais (fis. 33/41). Juntou documentos (fis. 42/66).

Houve réplica (fis. 68/70).

A parte autora, intimada para tanto, quantificou o valor pretendido a título de danos morais em R$ 10.000,00 (dez mil reais)(fl. 72).

Sobreveio sentença (evento 3, PROCJUDIC3, fls. 2/5):

Isso posto, JULGO EXTINTO o feito, acolhendo a preliminar de ilegitimidade ativa, com fulcro no art. 485, inciso VI, do CPC.

Sucumbente, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e os honorários advocatícios devidos ao procurador da parte ré, os quais fixo em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. Suspendo a exigibilidade dos ônus sucumbenciais por litigar sob o abrigo da assistência judiciária gratuita.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação. Alegou que a empresa era individual e foi extinta/baixada, tornando a autora parte legítima para demandar em juízo. Discorreu que diante da vinculação entre a empresa e a autora, a mesma sofre os danos da inscrição indevida. Requereu a reforma da sentença. Pediu provimento.

A ré apresentou contrarrazões (evento 3, PROCJUDIC3, fl. 16/19). Alegou, preliminarmente, ilegitimidade ativa. Sustentou, no mérito, a manutenção da sentença.

Os autos subiram a esta Corte para julgamento.

Foi o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas:

Preenchidos os requisitos de admissibilidade da apelação cuja análise compete exclusivamente ao juízo ad quem (art. 1.010, § 3º, do CPC), passo a examinar as razões recursais.

Pretendeu a autora a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes de inscrição indevida em rol restritivo de crédito sem prévia notificação.

A requerente narrou na inicial que teve crédito negado no comércio local pois foi verificado apontamento negativo em nome da microempresa Talita Slongo - ME, da qual fora proprietária. Informou que a referida microempresa se encontra atualmente baixada.

Em sentença, o juízo de primeiro grau julgou extinto o feito, reconhecendo a ilegitimidade ativa da demandante para pleitear a indenização por danos morais; e a autora devolveu a integralidade da matéria para apreciação.

O artigo 17 do Código de Processo Civil dispõe que para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade.

Sobre o tema, Marinoni, Arenhart e Mitidiero1, ensinam que a legitimidade para causa (ou legitimatio ad causam), que não se confunde com a legitimidade para o processo (ou legitimatio ad processum, conhecida ainda como capacidade para estar em juízo), concerne à pertinência subjetiva da ação, atine à titularidade.

Ainda acerca da legitimidade ad causam, é pertinente trazer a tona a lição dos juristas Wambier, Almeida e Talamani2:

(...) Autor e réu devem ser parte legítimas. Isso quer dizer que, quanto ao primeiro, deve haver ligação entre ele e o objeto do direito afirmado em juízo. O autor, para que detenha legitimidade, em princípio deve ser o titular da situação jurídica afirmada em juízo (art. 6º do CPC). Quanto ao réu, é preciso que exista relação de sujeição diante da pretensão do autor.

Para que se compreenda a legitimidade das partes, é preciso estabelecer-se um vínculo entre o autor da ação, a pretensão trazida a juízo e o réu. Terá de ser examinada a situação conflituosa apresentada pelo autor. Em princípio, estará cumprido o requisito da legitimidade das partes, na medida em que aqueles que figuram nos polos opostos do conflito apresentado pelo autor correspondam aos que figuram no processo na posição de autor (es) e réus (s). Note-se que, para aferição da legitimidade, não importa saber se procede ou não a pretensão do autor; não importa saber se é verdadeira ou não a descrição do conflito por ele apresentada. Isso constituirá o próprio julgamento de mérito. A aferição da legitimidade processual antecede logicamente o julgamento do mérito.

Assim, como regra geral, é parte legítima para exercer o direito de ação aquele se afirma titular de determinado direito que precisa da tutela jurisdicional, ao passo que será parte legítima, para figurar no polo passivo, aquele a quem caiba a observância do dever correlato àquele hipotético direito (...).” grifei

De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a empresa individual é mera ficção jurídica que permite à pessoa natural atuar no mercado com vantagens próprias da pessoa jurídica, sem que a titularidade implique distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa natural titular da firma individual (REsp 1.355.000/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, j. 20/10/2016, DJe 10/11/2016).

Desta forma, verifica-se que há confusão entre o patrimônio da empresa individual e do sócio titular, sendo a pessoa natural parte legítima para pleitear indenização na defesa de seu patrimônio e reputação.

No mesmo sentido, cito precedentes deste Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA DE ESCAVADEIRA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA. AFASTAMENTO. MÉRITO. COMPRA DO BEM APÓS O DIVÓRCIO ENTRE EMBARGANTE E O EXECUTADO. SENTENÇA QUE ACOLHEU OS EMBARGOS MANTIDA. I. A EMPRESA INDIVIDUAL É MERA FICÇÃO JURÍDICA, CONFUNDINDO-SE SEU PATRIMÔNIO COM O DE SEU SÓCIO PESSOA FÍSICA. ASSIM, NÃO HAVENDO DISTINÇÃO, O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL TEM LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM PARA AJUIZAR, EM NOME PRÓPRIO, AÇÃO EM DEFESA DE SEU PATRIMÔNIO OU DE SUA EMPRESA. AFASTADA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA. II. MÉRITO. CONSIDERANDO-SE QUE A AQUISIÇÃO DA ESCAVADEIRA PELA EMBARGANTE E O DÉBITO CONTRAÍDO PELO EXECUTADO TÊM ORIGEM EM MOMENTO POSTERIOR AO DIVÓRCIO DO CASAL, DEVE SER MANTIDA SENTENÇA QUE DETERMINOU O CANCELAMENTO DA PENHORA INCIDENTE SOBRE O EQUIPAMENTO. CASO EM QUE INEXISTENTE PROVAS ACERCA DA ALEGADA CONFUSÃO PATRIMONIAL E INTENÇÃO DE FRAUDAR CREDORES. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 50014292620198210054, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em: 23-11-2022) - grifei

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. VÍCIOS REDIBITÓRIOS LEGITIMIDADE ATIVA. PESSOA NATURAL. FIRMA INDIVIDUAL. “A jurisprudência do STJ já se posicionou no sentido de que a empresa individual é mera ficção jurídica, criada para habilitar a pessoa natural a praticar atos de comércio, com vantagens do ponto de vista fiscal.” (REsp 487.995/AP). Assim, ainda que o titular do direito violado, de rigor, seja a pessoa jurídica, em razão da mera ficção jurídica, pode a pessoa natural pleitear a reparação dos danos em nome próprio, E VICE-VERSA. Precedentes.Ademais, as notas fiscais acostadas à inicial para demonstrar os danos materiais reclamados, consubstanciadas nos valores despendidos para o conserto do veículo, foram emitidas em nome da empresa individual, a corroborar sua legitimidade ativa. Não bastasse, há descrição na inicial de que o caminhão foi adquirido para o desempenho da atividade empresária, de modo que, aplicando-se a teoria da asserção, há pertinência subjetiva entre a parte autora e a pretensão deduzida. RECURSO PROVIDO.(Apelação Cível, Nº 50016796820188210030, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em: 29-06-2022) - grifei

DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS AJUIZADA NO REGIME DO CPC DE 1973. PEDIDO EXTRAJUDICIAL REALIZADO. PRETENSÃO RESISTIDA CONFIGURADA. Tratando-se o requerente de microempresário, caso em que, sabidamente, não há separação entre o patrimônio da pessoa física e da pessoa jurídica, impõe-se reconhecer a legitimidade da pessoa física para figurar no polo ativo da presente relação jurídico-processual para requerer documentos relativos à microempresa. Ademais, em face disso e dadas as particularidades do caso sub judice, é de ser admitida a correção feita no polo ativo, como ocorreu, sob pena de ser privilegiado um rigorismo processual exacerbado, que deve ser visto com reservas, notadamente nesta situação. Configurado o interesse processual pelo critério da necessidade para o ajuizamento da ação de exibição de documentos, uma vez que o requerente se obrigou a propor esta...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT