Acórdão nº 50012656420188210032 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 11-08-2022

Data de Julgamento11 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50012656420188210032
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002442624
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001265-64.2018.8.21.0032/RS

TIPO DE AÇÃO: Desacato (art. 331)

RELATOR: Desembargador ROGERIO GESTA LEAL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de apelação do réu Rodrigo da Silva Leal, contra sentença do juízo da 2ª Vara da Comarca de São Jerônimo/RS que acolheu parcialmente denúncia do Ministério Público e absolveu o réu das sanções do art. 147, caput, do CP, com base no art. 386, inc. III, do CPP, e o condenou como incurso nas sanções do art. 331, do CP, às penas de 7 (sete) meses de detenção, em regime semiaberto, pela prática dos seguintes fatos:

1º e 2º FATO:

No dia 15 de agosto de 2018, por volta de 18h25min, na BR-290, próximo à Dona Laura, em Arroio dos Ratos/RS, o denunciado RODRIGO DA SILVA LEAL desacatou o Policial Militar Luis Ricardo Lunardi Pereira que se encontrava no exercício de suas funções, agindo de forma ofensiva, desprestigiosa e agressiva.

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, o denunciado RODRIGO DA SILVA LEAL ameaçou o policial Luis Ricardo Lunardi Pereira, por palavras, de causar-lhe mal injusto e grave, dizendo que iria lhe matar.

Na ocasião, acionada a Brigada Militar em razão de indivíduo estar, em atitude suspeita, cuidando o interior das casas, policiais deslocaram para o local e abordaram o denunciado, que não concordando com a abordagem policial, passou a desacatar Luis Ricardo, chamando-o de pau-no-cu, pés de poco, filhos da puta. Ato contínuo o denunciado passou a ameaçá-lo, dizendo que o mataria.

Nas razões o réu alegou, preliminarmente, a inconstitucionalidade do delito de desacato. No mérito, sustentou a insuficiência probatória, porquanto limitada ao depoimento dos policiais que atuaram na abordagem (evento 3, DOC2 - p. 30/42).

Nas contrarrazões o Ministério Público postulou o improvimento do apelo (evento 3, DOC2 - p. 44/46).

Nesta instância, o Procurador de Justiça, Dr. Heriberto Roos Maciel, opinou pelo desprovimento do recurso interposto.

VOTO

Em termos de antecedentes criminais, registro que o réu ostenta condenação transitada em julgado pela infração penal de roubo majorado (06/02/2014, com a extinção ou cumprimento da pena em 18/09/2018), conforme se extrai da certidão de antecedentes (evento 3, DOC1 - p. 19/20).

Preliminarmente, não há que se falar em inconstitucionalidade do delito de desacato por afronta à Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) referida no precedente do STJ (REsp 1640084/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 15/12/2016, DJe 01/02/2017), afastando a condenação do agente. Isso porque as garantias constitucionais visam assegurar o direito de liberdade de pensamento e de expressão do cidadão até o limite da liberdade de outrem, sendo que apenas uma crítica ou discordância desprovida de qualquer intenção de desprestigiar a função pública é que se encaixa nesse conceito.

Segundo a denúncia, o réu afirmou ao policial Luis Ricardo Lunardi Pereira que iria lhe matar, e lhe chamou de "pés de porco, pau-no-cu, filhos da puta". Tal declaração não se constitui em manifestação despretensiosa de pensamento, tratando-se de ofensas manifestas, cuja tipicidade delitiva resta configurada. A posição manifestada pela Câmara é neste sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ART. 14 DA LEI Nº 10.826/03. DESACATO. ART. 331 DO CP. PRELIMINARES. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. REJEIÇÃO. PROVAS DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA. CONDENAÇÕES MANTIDAS. PENA INALTERADA. 1. [...] 2. Uma decisão que caminhe na linha da invalidade do art. 331 do CP, por contrariedade à Convençao Americana sobre Direitos Humanos, internalizada por meio do Decreto º 678, de 06/11/92, passa necessariamente pelo Incidente de Inconstitucionalidade. Poder-se-ia cogitar de estabelecer uma adequação entre a legislação infraconstitucional e a Convenção Americana - controle de convencionalidade - se nesta houvesse alguma norma de direito fundamental protetiva para além do que houvesse na Constituição. Não é o caso, pois A CF/88, é até mais protetiva que a Convenção Americana no que diz respeito à liberdade de expressão e a proibição de censura. 3. A regra que estabeleceu a liberdade de expressão, na Constituição Federal e no Pacto San José da Costa Rica, não revogou o art. 331 do Código Penal. A liberdade de expressão não é um direito absoluto do cidadão. Não existe, pois, uma inaplicabilidade a priori da regra que prevê o desacato, senão de situação em que deve ser vista, circunstancialmente, se o ato praticado é caracterizador ou não desse desprestígio para com a Administração Pública e/ou se consubstanciou em proporcional exercício da mencionada liberdade. 4. A partir da prova disponível nos autos, não houve dúvida que a arma de fogo apreendida estava sendo portada pelo acusado, levando-se em conta o relato fidedigno apresentado pelos policiais que participaram da prisão. Não há por que duvidar da versão apresentada por eles, que, em todas as oportunidades em que foram ouvidos, narraram com verossimilhança a ocorrência dos fatos, não deixando dúvida a respeito da prática do crime. 5. Pratica o delito de desacato o agente que age de forma desrespeitosa, ofensiva, com o funcionário público no exercício ou em razão de sua função, seja humilhando-o, ameaçando-o, agredindo-o ou proferindo qualquer palavra desrespeitosa. Na hipótese, não restaram dúvidas que o acusado desacatou funcionários públicos no exercício de sua função. Condenações mantidas. 6. Por conta da reincidência do réu e da valoração negativa de vetores do art. 59 do Código Penal, descabe a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (Apelação Crime Nº 70071646863, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Julio Cesar Finger, Julgado em 23/02/2017)

A conduta cometida pelo agente caracteriza desprestígio para com a Administração Pública (intimidação e ofensa contra os policiais militares), não havendo como reconhecer a proporcionalidade do seu agir, dentro do exercício de liberdade do direito de expressão. Não é possível afirmar, portanto, que a conduta é atípica, eis que a figura típica em questão continua em...

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