Acórdão nº 50012722320218210009 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 04-11-2022

Data de Julgamento04 Novembro 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50012722320218210009
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002729868
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001272-23.2021.8.21.0009/RS

TIPO DE AÇÃO: Prestação de serviços

RELATOR: Desembargador MARCO ANTONIO ANGELO

APELANTE: LINX SISTEMAS E CONSULTORIA LTDA (RÉU)

APELADO: SUDBRACK LEONHARDT SUPERMERCADOS LTDA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por LINX SISTEMAS E CONSULTORIA LTDA contra a sentença proferida nos autos da ação declaratória de inexigibilidade de débito ajuizada pela SUDBRACK LEONHARDT SUPERMERCADOS LTDA, com o seguinte dispositivo (Evento 69, SENT1 da origem):

EM FACE DO QUE FOI EXPOSTO, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, confirmando a tutela de urgência do Ev. 3, julgo PROCEDENTE o pedido formulado na presente ação movida por SUDBRACK LEONHARDT SUPERMERCADOS LTDA em face de LINX SISTEMAS E CONSULTORIA LTDA, para declarar a inexigibilidade dos débitos oriundos da relação contratual havida entre as partes, extinta pela rescisão unilateral do contrato, com fatos geradores posteriores à 01/02/2021, com o cancelamento de todas as cobranças respectivas.

Considerando a sucumbência, condeno a parte ré ao pagamento da Taxa Única e das despesas, além de honorários ao advogado da autora, que arbitro em R$ 1.000,00, considerando o trabalho desenvolvido, o baixo valor dado à causa e do proveito econômico obtido, fulcro no artigo 85, §§ 2° e 8°, do CPC.

A parte-ré, declinando suas razões (Evento 88, APELAÇÃO1 origem), aduz que "não pode ser imputada à Apelante a responsabilidade pela rescisão unilateral, notadamente por uma suposta falta de assistência à Apelada." Refere que "não deixou de responder aos chamados do seu cliente e, portanto, não pode ser penalizada com uma declaração de inexigibilidade dos débitos oriundos da relação contratual das partes, pois sempre cumpriu todas as obrigações assumidas". Diz também que "respaldou a condenação da Apelante em um simples chamado não resolvido". Defende que não houve descumprimento contratual, o que implica improcedência do pedido. Refere que "somente, um chamado restou pendente, na medida em que o programa estava em fase de testes com data de conclusão para 28/04, o qual não foi entregue tão somente porque a Apelada já havia, por liberalidade, cancelado o contrato com a Apelante". Sustenta, outrossim, a inaplicabilidade do CDC ao caso dos autos, na media em que a autora é uma empresa e que não se enquadra na condição de destinatária final do produto, pois contratou os serviços visando "obter lucro com o aprimoramento de sua atividade comercial". Ao final, pugna pelo provimento do recurso para fins de improcedência do pedido.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 95, CONTRAZAP1 origem).

Cumprido o disposto nos artigos 931, 934 e 935 do CPC.

É o relatório.

VOTO

RELAÇÃO JURÍDICA LITIGIOSA.

Para melhor compreensão da lide, adoto o relatório da sentença:

SUDBRACK LEONHARDT SUPERMERCADOS LTDA, qualificada nos autos, ajuizou "AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS CUMULADA COM TUTELA DE URGÊNCIA" em face de LINX SISTEMAS E CONSULTORIA LTDA, também qualificada, aduzindo que firmou com a demandada, em 25/08/2020, um contrato de prestação de serviços, através do qual passou a utilizar as soluções de software de gestão empresarial de propriedade da ré. O referido contrato também previa o comodato, pela ré, de equipamentos e acessórios de telecomunicações e informática, a prestação de serviços de suporte técnico dos produtos e serviços prestados e o fornecimento de acesso aos serviços de comunicação de dados e/ou através da plataforma de integração no formato SAAS, conforme aplicável. O pacto tinha prazo de 36 (trinta e seis) meses, contados da data de implementação dos serviços em cada uma das localidades especificadas no pedido de compra. Não obstante a formalização contratual tenha ocorrido em agosto de 2020, a implantação dos serviços se deu em meados de dezembro de 2019, de forma que o termo final, com base no contrato, seria dezembro de 2022. Porém, desde os primeiros dias de utilização do sistema fornecido pela demandada, foram constatadas diversas falhas técnicas, motivo pelo qual abriu diversos chamados urgentes junto ao suporte técnico da ré, além de terem sido efetuados diversos contatos por telefone e aplicativo de mensagens, sem êxito na resolução dos problemas. Por isso, em 30/09/2020, encaminhou notificação extrajudicial à ré expondo os fatos caracterizadores do inadimplemento e comunicando a rescisão do contrato, por justo motivo, sem ônus para as partes. Em razão de a ré ter ficado inerte após notificada, uma nova notificação extrajudicial foi encaminhada em 15/01/2021, ratificando os fundamentos da anterior e comunicando a rescisão antecipada do contrato entre as partes, a contar de 01/02/2021, porém a ré manteve-se inerte novamente. Aduziu que contratou outra empresa para fornecer os serviços necessários a partir de 01/02/2021. Asseriu que recebeu cobrança da ré a título de mensalidades pela utilização do sistema, sob pena de protesto em caso de não pagamento até o dia 22/03/2021. O valor, dividido em três boletos distintos, perfaz a soma de R$ 1.204,67 (um mil duzentos e quatro reais, com sessenta e sete centavos). Discorreu sobre os fundamentos jurídicos de seu pedido. Defendeu a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Requereu a concessão de tutela de urgência, a fim de cancelar os boletos de cobrança emitidos e cessar o envio de novas cobranças futuras e para suspender os efeitos de protesto eventualmente efetivado. Ao final, pleiteou a procedência para, confirmando a tutela antecipada, declarar a inexigibilidade dos débitos oriundos da relação contratual havida entre as partes, em razão da rescisão operada em 01/02/2021. Juntou documentos (Ev. 1) e recolheu as custas (Ev. 3).

[...]

Citada, a ré contestou ao Ev. 16. Confirmou a relação negocial com a parte autora e alegou, em suma, que seu agir é regular, pois foi prestada toda a assistência técnica necessária e o cancelamento do contrato se deu por mera liberalidade da parte autora. Salientou que os sistemas de softwares podem apresentar erros e inconsistências, o que é absolutamente normal, não sendo normal, porém, a falta de assistência ao cliente, o que não é o caso concreto. Aduziu que somente um chamado restou pendente, cujo programa estava em fase de testes com data de conclusão para 28/04, mas não pôde ser entregue porque a autora já havia, por mera liberalidade, cancelado o contrato com a ré. Alegou a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Requereu a improcedência. Juntou documentos.

APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

Consoante o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor:

Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Observe-se a doutrina de Sergio Cavalieri Filho1:

A corrente finalista ou subjetivista, a seu turno, interpreta de maneira restritiva a expressão destinatário final. Só merece a tutela do CDC aquele que é vulnerável. Entende ser imprescindível à conceituação de consumidor que a destinação final seja entendida como econômica, isto é, que a aquisição de um bem ou a utilização de um serviço satisfaça uma necessidade pessoal do adquirente ou utente, pessoa física ou jurídica, e não objetive o desenvolvimento de outra atividade negocial. Não se admite, destarte, que o consumo se faça com vistas à incrementação de atividade profissional lucrativa, e isto, ressalte-se, quer se destine o bem ou serviço à revenda ou à integração do processo de transformação, beneficiamento ou montagem de outros bens ou serviços, quer simplesmente passe a compor o ativo fixo do estabelecimento empresarial. Consumidor, em síntese, é aquele que põe fim a um processo econômico.

Relatando a evolução da jurisprudência do STJ a respeito do tema, refere o autor2:

A linha de precedentes adotada pelo STJ inclinava-se pela teoria maximalista ou objetiva, posto que vinha considerando consumidor o destinatário final fático do bem ou serviço, ainda que utilizado no exercício de sua profissão ou empresa.

[...]

Por último, evoluiu a jurisprudência do STJ para a corrente finalista mitigada ou atenuada ao admitir a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores e profissionais, como pequenas empresas e profissionais liberais, desde que demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica no caso concreto.

Transcrevo:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE. REVISÃO DO JULGADO. INVIABILIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem implica, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto no enunciado n. 7 da Súmula desta Corte Superior. 2. A jurisprudência desta Corte tem mitigado a teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade, o que foi configurado na hipótese dos autos. 3. Ademais, tendo o Tribunal local concluído com base no conjunto fático-probatório dos autos, impossível se torna o confronto entre o paradigma e o acórdão recorrido, uma vez que a comprovação do alegado dissídio jurisprudencial reclama consideração sobre a situação fática própria de cada julgamento, o que não é possível de ser feito nesta via excepcional, por força do enunciado n....

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