Acórdão nº 50012731220188210074 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 24-06-2022

Data de Julgamento24 Junho 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50012731220188210074
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002264332
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001273-12.2018.8.21.0074/RS

TIPO DE AÇÃO: Telefonia

RELATOR: Desembargador ANTONIO MARIA RODRIGUES DE FREITAS ISERHARD

APELANTE: STANISLAVA PICH (AUTOR)

APELANTE: VIVO S.A. (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

TELEFÔNICA BRASIL S.A (Vivo S.A.), ré, e STANISLAVA PICH, autora, apelam da sentença que julgou parcialmente procedente a ação declaratória de inexibilidade de cobrança c/c repetição do indébito n.º 5001273-12.2018.8.21.0074. Constou no dispositivo da sentença:

(...)
Diante do acima exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por STANISLAVA PICH em desfavor da TELEFÔNICA BRASIL S/A, para o fim de:
a) DECLARAR a inexistência do débito referente ao serviço não contratado, especificamente “COBRANÇA TARIFAÇÃO DEFAULT”, devendo a requerida abster-se de cobrar por tais serviços;
b) CONDENAR a requerida a devolver em dobro à parte autora os valores indevidamente cobrados, e efetivamente pagos, relativos ao serviço acima mencionado, observada a prescrição trienal anterior ao ajuizamento da demanda, devidamente atualizados pelo IGP-M, desde o efetivo desembolso e acrescidos de juros de mora de 12% ao ano, a contar da citação, competindo à requerente a juntada das faturas referentes ao período;
Sucumbente, deverá a parte ré arcar com as custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da ré, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, levando em conta o trabalho desempenhado, a natureza da causa e o tempo de duração da demanda, nos termos do art. 85, §2º, do CPC.

Não havendo o pagamento das custas, cumpra-se na forma do Ato 021/2017-P.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Em havendo interposição de recurso voluntário, intime-se a parte contrária para contrarrazões e remetam-se os autos à instância superior, independente de juízo de admissibilidade, conforme art. 1.010, §3º, do CPC.

Transitada em julgado, arquive-se.

Nas razões recursais, evento 3, PROCJUDIC2- Páginas 27 a 40, a parte ré esclarece estar demonstrado nos autos que a parte autora usufruiu de várias funcionalidades disponíveis na modalidade pré-paga. Aduz que a utilização dos serviços por longo tempo, acabou convalidando a cobrança. Esclarece que as cobranças do serviço “Cobrança Tarifação Default", são oriundas da habilitação do Plano Pré Diário na linha da consumidora, não se tratando de serviço avulso. Destaca que o Plano Pré Diário é cobrado por dia, quando utilizado o serviço. Frisa ainda que, por se tratar de plano pré-pago, os valores contratados são descontados dos crédito inseridos na linha telefônica. Enfatiza que, em decorrência do Plano Pré Diário, a parte consumidora pelo valor de R$ 1,49 ao dia tem direito a 100MB de internet e 300 SMS para Vivo e 15 SMS para outra operadora. Ressalta que a quantia de R$ 1,49 só é cobrada nos dias em que o serviço é utilizado. Pontua que os documentos anexados ao processo demonstram a utilização dos serviços pela consumidora. Requer seja afastada a determinação de repetição do indébito. Quanto à juntada de faturas, refere que é dever da parte autora anexá-las ao processo, eis que se trata de documento comum às partes. Postula pelo provimento do recurso.

Já a parte autora, evento 3, PROCJUDIC3 - Páginas 7 a 15, alude que os valores a serem devolvidos devem respeitar o prazo prescricional. Afirma que cabe à ré a juntada das faturas ao processo. Alude que a repetição do indébito deve ser na forma dobrada, em atenção ao artigo 42, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Pugna pela majoração dos honorários advocatícios, no valor mínimo de R$ 2.000,00. Postula pelo provimento do recurso.

Contrarrazões no evento 3, PROCJUDIC3 - Páginas 19 a 29.

É o relatório.

VOTO

Atendidos os requisitos de admissibilidade, recebo os recursos.

Eminentes Colegas.

Serviço Contratado. Plano Pré-Pago. Repetição do Indébito.

Inicialmente, oportuno ressaltar que a relação jurídica travada entre as partes está sujeita às regras dispostas pelo Código de Defesa do Consumidor, pois há a figura do consumidor e do fornecedor denominados pelos artigos 2º1 e 3º2 da Lei Consumerista.

Ainda, incide na espécie a inversão do ônus da prova, a teor do artigo 6º, inciso VIII do mesmo diploma legal3, na medida em que, alegada a inexistência de relação jurídica, incumbe à ré comprovar a efetiva contratação entre as partes.

Sobre o ônus da prova nas relações consumeristas, cita-se a lição de Sérgio Cavalieri Filho4:

É universal o entendimento de que aos direitos materiais fundamentais devem corresponder as garantias processuais indispensáveis à sua efetivação. Sem as garantias processuais, os direitos materiais tornam-se normas programáticas, promessas não cumpridas, sem realidade prática na vida do consumidor.

A facilitação da defesa dos interesses dos consumidores decorre do reconhecimento de sua hipossuficiência fática e técnica – e, não raro, econômica –, o que acentua a sua vulnerabilidade, inclusive no âmbito do processo judicial. Esta garantia também é ampla e instrumental. Vale tanto para a esfera extrajudicial quanto para a esfera judicial, e não se restringe, apenas, à inversão do ônus da prova que, na hipótese, é tão somente um exemplo do princípio que se quer preservar.
(...)
Consciente das desigualdades existentes entre os sujeitos de uma relação jurídica de consumo e da vulnerabilidade processual que também caracteriza o consumidor, estabeleceu o art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90, como direito básico deste, a facilitação da defesa dos seus interesses em juízo, inclusive com a possibilidade de ser invertido o ônus da prova, em seu favor e a critério do juiz, quando estiver convencido o julgador da verossimilhança das alegações daquele, ou, alternativamente, de sua hipossuficiência (em sentido amplo).

A finalidade do dispositivo em questão é muito clara: tornar mais fácil a defesa da posição jurídica assumida pelo consumidor, na seara específica da instrução probatória. Distanciou-se o legislador, assim, dos tecnicismos e das formalidades inúteis, conferindo autêntico caráter instrumental ao processo, na busca da verdade real e da solução justa da lide.

Isso porque, de regra e tradicionalmente, o ônus da prova de um fato ou de um direito é incumbência daquele que os alega. Daí o art. 373 do Código de Processo Civil (2015) dispor que ao autor compete a prova do fato constitutivo de seu direito (inciso I) e, ao réu, a prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do alegado direito do autor (inciso II). Tal proposição é compreensível quando se está diante de partes em igualdade de condições e quando a causa verse sobre direitos disponíveis, o que não ocorre nas hipóteses subsumidas à legislação consumerista.

O Código de Defesa do Consumidor, destarte, rompendo dogmas e estabelecendo novos paradigmas para as relações entre desiguais, fê-lo, também, no que se refere à carga probatória, ora transferindo o ônus da prova ao fornecedor (inversão ope legis), do que nos dão exemplos os arts. 12, § 3º, 14, § 3º, e 38, ora admitindo que tal se opere por determinação do julgador (inversão ope judicis), conforme art. 6º, VIII.

Nessa segunda hipótese, o juiz pode inverter o ônus da prova quando entender verossímil a alegação do consumidor e/ou em face da sua hipossuficiência. Verossímil é aquilo que é crível ou aceitável em face de uma realidade fática. Não se trata de prova robusta e definitiva, mas da chamada prova de primeira aparência, prova de verossimilhança, decorrente das regras da experiência comum, que permite um juízo de probabilidade.

Conquanto não se esteja a discutir que, ordinariamente, os dispositivos sobre a produção de provas estão direcionados à formação da convicção do julgador e, assim sendo, constituiriam regras de julgamento, não se pode deixar de observar que as disposições sobre repartição do ônus probatório consubstanciam, de igual modo, parâmetros de comportamento processual para os litigantes, razão pela qual respeitáveis juristas nelas identificam regras de procedimento. A justificativa é simples: ao se dispensar o consumidor do ônus de provar determinado fato, supostamente constitutivo de seu alegado direito, está-se transferindo para o fornecedor o ônus da prova de algum outro que venha a elidir a presunção estabelecida em benefício do consumidor....

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