Acórdão nº 50012786820188210095 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50012786820188210095
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002211697
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001278-68.2018.8.21.0095/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATORA: Desembargadora ISABEL DIAS ALMEIDA

APELANTE: MONALISA SCHNEIDER CARVALHO (RÉU)

APELADO: ELOISE GERNHARDT (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por MONALISA SCHNEIDER CARVALHO contra sentença objeto do Evento 3, PROCJUDIC6 - fls. 36-43 que, nos autos da ação cominatória c/c indenização por danos morais proposta por ELOISE GERNHARDT, julgou a demanda nos seguintes termos:

Isso posto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por ELOISE GERNHARDT contra MONALISA SCHNEIDER, para: a) confirmar a liminar concedida, determinando que a ré exclua do seu perfil pessoal do Facebook postagens com adjetivações odiosas à autora e que incitem vingança privada, e se abstenha de reiterá-las, bem como de publicar, compartilhar e repassar mensagens pejorativas dirigidas à requerente e/ou com uso de sua imagem, através das redes sociais ou outro meio público de comunicação, sob pena de multa diária no valor de R$ 50,00, consolidável em 10 dias; b) condenar a demandada ao pagamento de indenização por danos morais em favor da autora no montante de R$ 1.000,00 (mil reais), o qual deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M, a partir desta data, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde o evento danoso (11.01.2018).

Sucumbente, condeno a ré ao pagamento das despesas processuais, com fundamento no art. 82, §2º, do CPC, bem como ao pagamento de honorários advocatícios ao procurador da requerente, os quais arbitro em R$ 700,00, de acordo com os critérios do artigo 85, §2º, do CPC, considerado o grau de zelo dos profissionais, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido, tendo em vista que a demanda tramitou até a sentença por três anos e teve julgamento antecipado.

A exigibilidade da sucumbência, entretanto, resta suspensa, considerando o benefício da gratuidade de justiça, que ora defiro para a requerida (art. 98, §3º, do CPC).

Em suas razões recursais (Evento 3, PROCJUDIC6 - fls. 45-50 e PROCJUDIC7 - fls. 01-07), elabora relato dos fatos e invoca a liberdade de expressão do pensamento e crítica previstas nos arts. 5º, IV, V, IX e X e 220, §§1º e 2º, da CF/88. Assevera que em se tratando de pessoas que exercem funções públicas, caso da autora, a modulação deve se dar pelo exercício do direito de resposta, não pelo cerceamento da palavra. Refere que a publicação realizada em rede social e os respectivos comentários não extrapolaram o direito à liberdade de expressão. Conclui que meros dissabores rotulados de agressão não geram o dever de indenizar. Nega a presença dos requisitos da responsabilidade civil. Aduz que todas as postagens decorreram da negligência da autora, a qual, no exercício de sua função, desrespeitou a ordem de lista de espera, culminando com a demora na realização do procedimento cirúrgico da progenitora que posteriormente veio a falecer. Colaciona jurisprudência, Requer o provimento do recurso.

Não foram apresentadas contrarrazões (Evento 3, PROCJUDIC7 - fl7. 45).

Subiram os autos a esta Corte, vindo conclusos para julgamento.

Foram observados os dispositivos legais, considerando a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e está dispensado do recolhimento do preparo, porquanto a ré litiga ao abrigo da gratuidade da justiça (Evento 3, PROCJUDIC6 - fl. 43).

Para a melhor compreensão da controvérsia, adoto o relato da sentença, vertido nos seguintes termos:

Vistos.

ELOISE GERNHARDT ajuizou ação mandamental e condenatória c/c pedido de tutela antecipada contra MONALISA SCHNEIDER, narrando que, no mês de janeiro de 2018 ocorreu o falecimento da avó da demandada. Relatou que tal fato originou diversas ofensas públicas praticadas pela demandada em rede social pública. Disse que a ré vem perpetrando agressões morais, caluniando-a e injuriando-a. Afirmou que, considerando que tais fatos vêm ocorrendo em rede social de grande visibilidade, vem sofrendo uma pena psicológica em virtude dos atos da requerida. Referiu que a ré utiliza e divulga nas redes fotografias com a sua imagem chamando-a de assassina e clamando por justiça pelas próprias mãos. Discorreu sobre o ato ilício praticado e os danos morais sofridos, em virtude das ofensas perpetradas. Requereu, em antecipação de tutela, que fosse determinado a ré que excluísse as mensagens difamatórias em seu facebook, bem como se abstivesse de publicar, compartilhar e repassar mensagens pejorativas, assim como de enviar mensagens privadas nesse sentido à autora, pelo whatsapp, sob pena de multa. Ao final, postulo a procedência da ação, com a condenação da ré o pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 15.000,00. Pediu, ainda, a concessão da gratuidade de justiça (fls. 02-14). Juntou documentos (fls. 15-27).

Foi deferida a Assistência Judiciária Gratuita e a antecipação de tutela (fls. 28-29).

A autora juntou via original da ata notarial nº 230/156 (fls. 31-39).

Citada, a requerida contestou a ação (fls. 52-61), referindo que as mensagens decorreram da conduta da própria autora, que teria agido com negligência, exercendo seu direito à liberdade de expressão. Disse que não usou indevidamente a imagem da autora, eis que agiu em exercício regular de um direito constitucionalmente previsto. Informou que a autora é agente pública, de modo que estaria sujeita à reclamações e opiniões públicas, havendo publicidade dos atos praticados. Negou o dever de indenizar. Por fim, requereu a improcedência da ação e a concessão da gratuidade de justiça. Juntou documentos (fls. 62-178).

Houve réplica (fls. 182-187).

Designada audiência de instrução (fl. 232), a demandada e a testemunha não compareceram, presumindo-se a desistência da prova (fl. 239).

Intimadas as partes acerca da produção de outras provas, estas nada requereram.

Sobreveio sentença de parcial procedência da ação, razão da interposição do presente recurso pela ré.

A hipótese trata de responsabilidade subjetiva, ou seja, que depende de comprovação de conduta ilícita (ação ou omissão), culpa do agente, existência de dano, além do nexo de causalidade entre a conduta e o dano, nos termos do art. 927 do Código Civil.

A controvérsia recursal diz respeito ao conteúdo das postagens realizadas pela parte autora em rede social e, por conseguinte, no dever de indenizar por dano moral.

Pois bem. Ainda que a liberdade de expressão e de opinião constituam direito fundamental previsto na Carta Magna, também assim é o direito a inviolabilidade da honra, da imagem e da dignidade.

Sobre o tema, colaciono o magistério de Clayton Reis1:

O dano à pessoa se reveste de particularidades importantes. Ele é representado por uma lesão que fere diretamente a pessoa em seus bens extrapatrimoniais, ou seja, atinge a sua esfera de seus valores. E, por esse exato motivo, a imaterialidade é o ponto central das discussões alusivas ao processo de indenização desses bens. A pessoa física sempre foi considerada o centro gravitacional de todo o sistema jurídico; afinal, foi ela mesma a causa da sua criação. E, ao edificar os institutos normativos que constituem os pilares do edifício social, realizou essa tarefa voltada para o seu próprio interesse. No entanto, a complexidade desse sistema jurídico, criado no curso de milênios de história, gerou mecanismos que subvertem a própria ordem almejada pelo mens legislatori. As exposições indevidas e não autorizadas, às quais as pessoas se encontram atualmente sujeitas, comprometem sua imagem e privacidade, sujeitando-as às mais diversas situações de danos.

Os direitos da personalidade prescritos no nosso ordenamento definem as questões mais relevantes na nossa ordem social-democrática, posto que, ao enaltecer a pessoa como o centro de um sistema solar, o legislador materializou as irradiações dos planos superiores na direção da proteção da obra mais perfeita do criador – o ser humano. Daí por que Giselda Maria F. Novaes Hironaka aponta que

são estes – certamente – os princípios ético-jurídicos de maior completude no que respeita à dimensão hodiernamente atribuída ao ordenamento jurídico vigente, de sorte a lhe conferir estrutura sistemática e eficácia tais, que o revelam completamente distinto de suas raízes romano-germânicas, embora ainda a elas ligado pelos bons liames de gênese sólida, da origem milenar, mas muito mais harmonizado com a realidade dos homens e seus anseios na contemporaneidade.

A valoração que a sociedade jurídica confere aos direitos da personalidade deflui, segundo observado, do significado que a pessoa humana possui no universo, como ser capaz de alterar-se a si mesmo, tanto quanto de produzir alterações no ambiente físico e psicológico em que se encontra inserido. A amplitude da tutela é consequência do valor-pessoa inserido nos direitos da personalidade. A personalidade assume importante posição na ordem filosófica, institucional e jurídica – especialmente na época pós-moderna, em virtude dos inúmeros e crescentes conflitos advindos das relações entre as pessoas.

No direito brasileiro, a defesa dos direitos da pessoa, levada a efeito pelos nossos tribunais, assume um destaque especial. Isso porque os delitos que produzem maior consternação social são, certamente, aqueles decorrentes das lesões que atingem diretamente os direitos sagrados da pessoa – sua honra, sua intimidade, sua imagem e sua privacidade. Os magistrados brasileiros são extremamente sensíveis na aferição das profundas fissuras ocasionadas às pessoas, nos casos de exposições injuriosas e que...

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