Acórdão nº 50012953020228210042 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 24-05-2023

Data de Julgamento24 Maio 2023
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50012953020228210042
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003745966
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001295-30.2022.8.21.0042/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATOR: Desembargador LUCIANO ANDRE LOSEKANN

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Perante o juízo da 2ª Vara Judicial da Comarca de Canguçu, o Ministério Público ofereceu denúncia contra BRAYAM DAPPER PARULA, qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, pela prática dos fatos assim descritos:

“ATO: TRÁFICO DE DROGAS

No dia 28 de março de 2022, por volta das 22h42, na Rua Professora Ester Freitas Jorge, 220, Bairro Fonseca, Canguçu, RS, o denunciado BRAYAM DAPPER PARULA vendia, expunha à venda e tinha em depósito, para fins diversos do consumo pessoal, drogas sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, consistentes em uma porção de cannabis sativa, pesando aproximadamente 10g, uma porção de crack, pesando aproximadamente 35g, uma porção de cocaína, com peso de aproximadamente 40g e cinco pequenas porções de cocaína embaladas para venda.

Na ocasião, após receberem notícia via 190 de que estava ocorrendo tráfico de drogas em um sobrado situado no Bairro Fonseca, policiais militares foram ao endereço informado e flagraram o denunciado realizando negociação de drogas com Rodrigo da Silva de Quadros em frente ao imóvel, bem como visualizaram através da porta de entrada drogas posicionadas sobre um sofá no interior da casa.

Ato contínuo, após os policiais realizarem a abordagem, Rodrigo da Silva de Quadros afirmou que era usuário de drogas e estava no local para adquirir cocaína, pois ao se dirigir ao imóvel durante a tarde fora informado de que a droga estaria disponível em horário posterior, ao passo em que o denunciado relatou aos policiais que estava no local para assumir o tráfico de drogas no bairro.

Além das drogas também foram apreendidos R$ 174,95 em dinheiro e dois aparelhos telefônicos.

O crime foi praticado pelo denunciado durante prisão domiciliar.”

Notificado, o acusado apresentou defesa prévia por intermédio da Defensoria Pública (evento 12, DEFESA PRÉVIA1).

Ausentes hipóteses de absolvição sumária, a denúncia foi recebida em 05/07/2022 (evento 14, DESPADEC1).

Durante a instrução, inquiriram-se quatro testemunhas, interrogando-se o réu (evento 41, TERMOAUD1 e evento 67, TERMOAUD1).

Encerrada a instrução, os debates orais foram substituídos por memoriais, ocasião em que o Ministério Público postulou a condenação do acusado, nos termos da denúncia (evento 73, MEMORIAIS1).

A defesa, por sua vez, arguiu, preliminarmente, a nulidade da prova por ter sido obtida mediante violação de domicílio. No mérito, alegou a insuficiência probatória para amparar a condenação, requerendo, assim, a absolvição do imputado. Subsidiariamente, requereu a desclassificação do agir descrito na denúncia para o delito de posse para consumo pessoal, o reconhecimento da privilegiadora e a isenção da pena de multa. Suplicou pela revogação da prisão preventiva e aplicação da detração (evento 79, MEMORIAIS1).

Sobreveio sentença, publicada em 03/10/2022, que julgou procedente a ação penal para CONDENAR o réu como incurso nas sanções do art. 33 da Lei nº 11.343/06, à pena privativa de liberdade de 05 anos e 10 meses de reclusão, em regime semiaberto, e à pena pecuniária de 583 dias-multa, à razão mínima legal (evento 82, SENT1).

Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação.

Em suas razões, renova a preliminar de nulidade da prova por ter sido obtida mediante indevida violação de domicílio. No mérito, aduz insuficientes as provas para amparar a condenação. Pretende, subsidiariamente, a desclassificação do delito descrito na denúncia para aquele tipificado no art. 28 da Lei 11.343/06. Quanto à dosimetria da pena, requereu fosse ela aplicada no mínimo legal, afastando-se a valoração desfavorável das circunstâncias, ante a ínfima quantidade de drogas apreendidas. Pugna pela isenção da pena de multa e pela revogação da prisão preventiva. Por fim, prequestiona a matéria debatida (evento 92, RAZAPELA1).

Contrarrazões pelo Ministério Público no evento 97, CONTRAZAP1.

Neste grau de jurisdição, o d. Procurador de Justiça Luciano Pretto opinou pelo desprovimento do recurso (evento 16, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso porque presentes os requisitos de admissibilidade.

Analiso a preliminar suscitada pela defesa, de nulidade na forma de obtenção da prova material do crime de tráfico atribuído ao apelante.

1. NULIDADE DA PROVA POR VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO.

A defesa sustenta a ilicitude da prova obtida, a afetar, por derivação, a caracterização da materialidade delitiva, ao argumento de que houve indevida violação de domicílio por parte dos policiais que empreenderam o flagrante.

O crime de tráfico de drogas é permanente, sendo que em casos de flagrante não há que se falar em invasão de domicílio pela ausência de determinação judicial prévia. Assim dispõe o art. 5º, inc. XI, da Constituição Federal:

"XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial."

Cediço que o caráter permanente do crime de tráfico de drogas autoriza a relativização do preconizado pelo art. 5º, inc. XI, da Carta Magna.

Na espécie, conforme esclarecido pelos policiais, tanto na fase inquisitorial como em juízo, houve denúncia pelo canal 190 de que em um sobrado situado no Bairro Fonseca, em Canguçu, estaria ocorrendo tráfico de drogas.

Os policiais para lá se dirigiram e, após breve campana, visualizaram o réu em frente ao imóvel, realizando atos de mercancia, precisamente vendendo drogas ao usuário identificado como Rodrigo da Silva Quadros. Na mesma ocasião, enquanto realizavam a abordagem, visualizaram dentro da casa, sobre um sofá, mais drogas.

Portanto, a partir da narrativa policial, vê-se que o apelante foi abordado ainda em frente a sua casa, quando mercadejava drogas com o usuário Rodrigo, o que, por certo, indicava a prática de traficância no interior da residência, residindo aí as fundadas razões (percepção ex ante) de que naquele local se estava a praticar o crime permanente em comento.

O conjunto de provas é verossímil e converge para o acolher da narrativa acusatória, até porque tais circunstâncias validam que houve, de fato, a denúncia de que na casa do réu ocorria tráfico de drogas. E tal especificidade, seguida da visualização da venda de drogas pelos policiais, bem como o avistar da droga em cima do sofá através da porta da residência, autorizava o ingresso no imóvel, estando-se diante, justamente, da exceção constitucional prevista no art. 5º, inciso XI, parte final, da Lei Fundamental brasileira ("... salvo em caso de flagrante delito..."). O ingresso na residência foi, ainda e posteriormente, justificado pela apreensão do material proscrito.

Assim, vai afastada a alegação de nulidade na obtenção da prova material do crime, como arguida pela defesa.

Debruço-me sobre as questõs de mérito agitadas.

2. DA (IN)SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA.

A materialidade do delito de tráfico, incontroversa, está demonstrada por meio do boletim de ocorrência (fls. 05-10 – evento 1, OUT1), do auto de apreensão (fls. 11-13 – evento 1, OUT1), dos laudos periciais das substâncias apreendidas (evento 43, AUTO1, evento 43, AUTO2 e evento 43, AUTO3), bem como da prova oral colhida.

A autoria, da mesma forma, é certa e recai sobre o réu.

No aspecto, para fins de evitar desnecessária tautologia, reproduzo os depoimentos transcritos na sentença de lavra do ilustre Juiz de Direito, Dr. José Santos Fernandes, que bem sintetizou a prova oral colhida:

“Em seu interrogatório, além de negar a prática do fato denunciado, o réu BRAYAM DAPPER PARULA traz versão distinta de todas as teses apontadas na instrução criminal.

Segundo o acusado, poucos dias após ter sua liberdade provisória, veio para Canguçu com a finalidade de trabalhar como pedreiro em razão das dificuldades financeiras que vinha suportando, aliadas à oportunidade profissional apresentada por um conhecido. Defendeu ter sido abordado pelo Sd. Siqueira tão logo tenha chegado na cidade e citou que em um sábado foi interpelado por este mesmo policial, que o arrancou pelos cabelos do interior de um táxi. Salientou que, não bastasse as ameaças que sofreu deste policial, na segunda-feira à noite, quando já estava deitado com sua esposa, o Sd. Siqueira invadiu sua casa, e, em seguida, chegaram outros dois policiais com drogas em mãos, bem como Rodrigo, fora que, à tarde deste mesmo dia, após comprar móveis para equipar sua cozinha, já tinha sido perseguido pelo agente de segurança. Negou ser traficante, apenas usuário, sinalizando ter praticado assaltos para sustentar o vício.

Pois bem.

Se de fato o denunciado passou a residir neste Município motivado pela oferta de emprego por um conhecido, identificado como Ismael, poderia tê-lo arrolado como testemunha.

O mesmo quando relata ter sido "arrancado" de dentro de um táxi pelo Sd. Siqueira, ao menos para reforçar a versão que pretende arguir de que estava sendo perseguido pelo policial.

A compra dos móveis que teria feito na segunda-feira de sua prisão poderia ter sido corroborada tanto por algum extrato que comprovasse a transação bancária, quanto por cópia de carnês de prestação em loja local, ou, ainda, com prints de conversa de redes sociais, caso tenha se dado por este meio.

Ou seja, meios para comprovar sua versão tinham vários, não havendo falar em insuficiência probatória para embasar sua condenação, mormente quando os demais...

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