Acórdão nº 50012971020188216001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50012971020188216001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001681172
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001297-10.2018.8.21.6001/RS

TIPO DE AÇÃO: Defeito, nulidade ou anulação

RELATOR: Desembargador JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

APELANTE: UNIMED SEGUROS SAUDE S/A (RÉU)

APELADO: VIRGINIA HAENSEL DE OLIVEIRA VERISSIMO (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por UNIMED Seguros Saúde S.A. contra a sentença que, nos autos da Ação Cominatória ajuizada por Virgínia Haensel de Oliveira Verissímo, julgou a demanda nos seguintes termos:

Isso posto, julgo PROCEDENTE a ação movida por VIRGÍNIA HAENSEL DE OLIVEIRA VERÍSSIMO em desfavor de UNIMED PORTO ALEGRE SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA para CONDENAR a ré à obrigação de cobrir integralmente o tratamento da autora, que consiste no fornecimento do medicamento Mabthera ou Rituximabe (solução venosa), 1.000 mg, em duas doses, com intervalo de 15 dias. Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte autora, fixados em R$ 800,00, na forma do art. 85, § 8º, do CPC.

Sustenta a petição recursal que foi legítima a negativa de cobertura do medicamento em questão, eis que se trata de patologia abrangida pela Diretriz de Utilização n° 065 da Resolução Normativa n° 428/2017, da ANS. Argumenta que, em se tratando de contrato regulamentado, as normas editadas pela ANS definem a amplitude das coberturas, conforme art. 10, § 4°, da Lei n° 9.656/98. Refere que o contrato pactuado entre as partes tem efetiva previsão de cobertura limitada ao rol da ANS.

Requer o provimento do apelo (Evento 4 - PROCJUDIC5, fls. 42/50, e PROCJUDIC6, fls. 01/03, dos autos originários).

Intimada, a autora apresentou as contrarrazões (Evento 4 - PROCJUDIC6, fls. 08/14, dos autos originários).

Subiram os autos a este Tribunal.

Distribuídos, vieram conclusos.

Cumpriram-se as formalidades previstas nos arts. 929 a 935, do CPC.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo. O preparo foi devidamente comprovado pela ré.

Pois bem. Buscando conceituar os contratos de plano de assistência à saúde, Arnaldo Rizzardo afirma que (in Contratos, 2ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 892):

Trata-se do contrato pelo qual o segurador se obriga a cobrir a indenização por riscos ligados à saúde e à hospitalização, mediante o pagamento do prêmio em determinado número de prestações. Fica a pessoa protegida dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, com a garantia da assistência médico-hospitalar. Genericamente, é a garantia de interesses pela cobertura dos riscos da doença. Através dele, o indivíduo ou segurado fica protegido dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, e tendo direito à própria assistência médico-hospitalar. No entanto, tradicionalmente, duas as formas de cobertura: ou pelo reembolso de despesas com liberdade de escolha de quem presta os serviços, caracterizando o seguro-saúde; ou pelo credenciamento de médicos e hospitais, para os quais se encaminha o segurado que receberá o tratamento médico-hospitalar, tendo-se, os planos de assistência. Nesta última espécie, os serviços médicos e hospitalares organizam-se através de convênios. As pessoas signatárias do contrato pagam, mediante contribuições mensais, o dispêndio com os serviços médicos-hospitalares futuros. De modo que, ao lado do seguro-saúde, aparecem os planos de assistência à saúde, que se organizam na forma de pessoas jurídicas, para a prestação de atividades ligadas à saúde, tanto no concernente ao tratamento médico como para finalidade da recuperação por meio de atendimento ambulatorial e internamento hospitalar.

No caso, a parte autora pretende ver reconhecida a obrigação da operadora do plano de saúde em cobrir os custos para a realização do tratamento com o medicamento Mabthera (Rituximabe).

Conforme o relatório médico de fls. 19/21 do Evento 4 - PROCJUDIC2 dos autos originários, a autora foi diagnosticada com Pênfigo Vulgar, recalcitrante ao uso de Prednisolona e Azatioprina e com intolerância hepática à doses supressoras desta última, sendo recomendada a realização de tratamento com o medicamento Mabthera (Rituximabe), visando o controle da doença, a melhora da qualidade de vida a redução dos riscos da doença.

A requerida negou a cobertura para a aludida medicação, sob a alegação de que não restaram atendidas as diretrizes de utilização n° 65 da Resolução Normativa n° 428/2017 da ANS (Evento 4 - PROCJUDIC2, fl. 18, dos autos originários).

De fato, o contrato de plano de saúde firmado entre as partes limita a cobertura dos tratamentos àqueles previstos no Rol da ANS (cláusula 14 - Evento 4 PROCJUDIC1, fl. 16, dos autos originários).

Entretanto, o contrato em tela está submetido às normas do Código de Defesa do Consumidor. Inclusive, pacificada tal orientação no egrégio STJ, foi editada a Súmula 608, com o seguinte teor:

Súmula 608. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

Nestas circunstâncias, o art. 47, do CDC, determina que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Igualmente, deve incidir o disposto no art. 51, IV, § 1°, II, do CDC, segundo o qual é nula a cláusula que estabeleça obrigações consideradas iníquas, que coloquem o consumidor em desvantagem. Também, mostra-se exagerada a cláusula que restringe direitos ou obrigações inerentes à natureza do contrato, ameaçando seu objeto e equilíbrio, ou ainda que seja excessivamente onerosa ao consumidor.

Sobre o tema, Karyna Rocha Mendes, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela ESMP de São Paulo, assevera que (in Curso de Direito da Saúde, 1ª ed., Editora Saraiva, 2013, p. 635):

(...)

Com efeito, nos contratos de prestação de serviço de saúde, como já vimos, as cláusulas que infrinjam os princípios trazidos do Código de Defesa do Consumidor devem ser consideradas abusivas e, consequentemente, desconsideradas do pacto contratual. Nos contratos firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/98, somente se aplicavam as normas trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor e pela legislação anterior especial aos seguros – num verdadeiro diálogo de fontes.

Pelo Código de Defesa do Consumidor temos a aplicação de cláusulas gerais de boa-fé, transparência, informação, normas que buscam o equilíbrio contratual com a proteção da parte vulnerável na relação, o consumidor. O que a Lei nº 9.656/98 fez foi consolidar o que já era considerado abusivo. O espírito do intérprete deve ser guiado pelo art. 7º, do CDC, que autoriza a aplicação de lei e tratados que visem dar ao consumidor maior proteção.

De outro lado, os planos de saúde apenas podem estabelecer para quais doenças oferecerão cobertura, não lhes cabendo limitar o tipo de tratamento que será prescrito, incumbência essa que pertence ao profissional da medicina que assiste o paciente, ainda que não haja previsão em Rol da ANS, que é meramente exemplificativo, ou não atendida eventual diretriz de utilização.

Nesse sentido, mutatis mutandis, a recente jurisprudência do STJ:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. ROL DA ANS. EXEMPLIFICATIVO.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. O rol de procedimentos da ANS tem caráter meramente exemplificativo, sendo abusiva a negativa da cobertura pelo plano de saúde do tratamento considerado apropriado para resguardar a saúde e a vida do paciente.

3. Agravo interno não provido.

(AgInt no REsp 1882735/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/02/2021, DJe 12/02/2021);

CIVIL E PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE.TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE SESSÕES. IMPOSSIBILIDADE. ROL DA ANS EXEMPLIFICATIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA Nº 568 DO STJ. COPARTICIPAÇÃO ADMITIDA EM TESE, MAS QUE NÃO PODE SER EXAMINADA NO CASO CONCRETO POR INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DA SÚMULA Nº 284 DO STF. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

2. A jurisprudência desta Corte entende abusiva a cláusula contratual ou o ato da operadora de plano de saúde que importe em interrupção de terapia por esgotamento do número de sessões anuais asseguradas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS.

3. A falta de previsão de material solicitado por médico, ou...

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