Acórdão nº 50013081720188210156 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 31-01-2022

Data de Julgamento31 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50013081720188210156
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001455131
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001308-17.2018.8.21.0156/RS

TIPO DE AÇÃO: Padronizado

RELATORA: Desembargadora LAURA LOUZADA JACCOTTET

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: DORIS LITAROWICZ DE SOUZA PINHEIRO (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, nos autos da ação movida por DORIS LITAROWICZ DE SOUZA PINHEIRO, contra a sentença que julgou procedente a demanda, nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para condenar o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL a dispensar à parte demandante o medicamento Betainterferona 1A 30 mcg (6.000.000 UI).

Isento o Estado do pagamento de custas e eventuais despesas processuais (artigo 11, parágrafo único, da Lei-RS nº 8.121/85, Ofício-Circular nº 595/07-CGJ, de 03/12/2007 e ADI nº 70041334053), com exceção das despesas da letra “C” do artigo 6º da Lei nº 8.121/1985, ressalvada a isenção quanto às despesas de condução de Oficial de Justiça (Ofício-Circular nº 048/2010-CGJ, de 09/04/2010), bem como isento de pagamento de honorários à DPE, com supedâneo na Súmula n° 421 do STJ.

Em suas razões, sustenta, em síntese, a ilegitimidade passiva do ente estadual para fornecimento do medicamento postulado pela autora, em razão de o fármaco integrar o Grupo 1A, cuja responsabilidade de dispensação compete à União. Invocou a aplicabilidade do Tema 793 do STF. Aduz não haver comprovação suficiente da eficácia do tratamento pleiteado em detrimento de outras alternativas disponíveis no âmbito do SUS. Pede o provimento do apelo.

Houve contrarrazões.

O Ministério Público declinou da intervenção no feito.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

VOTO

Atendidos aos requisitos legais de admissibilidade, conheço do recurso.

Extrai-se dos autos que a autora é portadora de esclerose múltipla (CID G 35) e, nesta condição, postula o fornecimento de medicamento prescrito para tratamento da moléstia, a saber, Betainterferona 30 mg, cuja dispensação foi interrompida na seara administrativa sob a alegação do ente público de que o fármaco estaria "em falta".

Os laudos médicos juntados ao feito (Evento 3, doc. PROCJUDIC1, fls. 22-24), emitidos pelo profissional médico que acompanha a paciente, são suficientes para comprovar a necessidade e a urgência do tratamento, dando conta, ainda, de que o medicamento vinha sendo administrado no quadro clínico da autora há mais de oito anos, com obtenção no âmbito da saúde pública.

O Estado, por sua vez, defende, em suma, competir à União o dever de disponibilização de medicamentos integrados no Grupo 1A, tal como ocorre com a Betainterferona 30 mg.

Pois bem.

Nos termos do artigo 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, sendo assegurado o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Compete ao Poder Público, independentemente da esfera institucional a que pertença, a responsabilidade de cuidar do sistema de saúde posto à disposição da população, o que permite ao cidadão direcionar a busca por seus direitos a qualquer dos entes públicos. Dessa forma, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios detêm competência comum, em matéria administrativa, para cuidar da saúde e assistência pública, consoante dispõe o artigo 23, inciso II, da Constituição Federal, inexistindo a pretendida ordem na busca dos serviços e ações.

No que tange ao funcionamento do Sistema Único de Saúde, vale destacar que há responsabilidade solidária dos entes federativos, detendo, todos, legitimidade passiva para figurar no polo passivo de ações que versem sobre os serviços e ações de saúde. Os entes públicos possuem o dever de fornecer os meios indispensáveis à promoção da saúde, direito social assegurado pela Constituição Federal, não se podendo isentar da obrigação que lhe cabe.

Nessa moldura, o entendimento dantes adotado por este Órgão Fracionário frente ao julgamento do Tema 793 do Supremo Tribunal Federal mantinha a interpretação da responsabilidade solidária entre os entes federativos em litisconsórcio passivo facultativo, considerando-se desnecessária a inclusão da União nos casos em que o medicamento não constasse das listas do SUS.

Todavia, dia após dia estão surgindo novos julgamentos monocráticos da Corte Suprema, demonstrando que não houve tão simplesmente a reafirmação da responsabilidade solidária como até então empregada, mas espécie híbrida, na medida em que exige a presença obrigatória da União nas ações em que seja requerido tratamento/medicamento que não faça parte das listas do SUS. Em outros termos, caracterizado o litisconsórcio passivo necessário, em tal hipótese.

A tese, em realidade, permanece com o mesmo enunciado: "Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro."

Em realidade, houve inegável atualização quanto à interpretação dada à tese e, por consectário, mudança de posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto à matéria, havida por ocasião do julgamento dos Embargos Declaratórios (RE 855178 ED/SE). O "desenvolvimento da tese da solidariedade" dera-se do seguinte modo, segundo o relator, Ministro Edson Fachin:

[...]

3) Quanto ao desenvolvimento da tese da solidariedade enuncia-se o seguinte:

I) A obrigação a que se relaciona a reconhecida responsabilidade solidária é a decorrente da competência material comum prevista no artigo 23, II, CF, de prestar saúde, em sentido lato, ou seja: de promover, em seu âmbito de atuação, as ações sanitárias que lhe forem destinadas, por meio de critérios de hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss.CF);

II) Afirmar que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles (entes), isoladamente ou conjuntamente” significa que o usuário, nos termos da Constituição (arts. 196e ss.) e da legislação pertinente (sobretudo a lei orgânica do SUS n. 8.080/90) tem direito a uma prestação solidária, nada obstante cada ente tenha o dever de responder por prestações específicas;

III) Ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11,e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite) imputem expressamente a determinado ente a responsabilidade principal (de financiar a aquisição) pela prestação pleiteada, é lícito à parte incluir outro ente no polo passivo, como responsável pela obrigação, para ampliar sua garantia, como decorrência da adoção da tese da solidariedade pelo dever geral de prestar saúde;

IV) Se o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação principal não compuser o polo passivo da relação jurídico processual, compete a autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento;

V) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas as suas hipóteses), a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90), de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação;

VI) A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e a comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos no artigo 28 do Decreto Federal n. 7.508/11". (Grifei)

Com efeito, denota-se, de plano, que não se está diante de hipótese de reconhecimento de ilegitimidade passiva do ente apelante, porquanto mesmo que a responsabilidade pela dispensação, à vista da forma como regrada a repartição das obrigações entre os entes federados, eventualmente não venha a tocar ao recorrente, à parte necessitada, autora da demanda, é dado colocá-lo no polo passivo da ação como forma de ampliar sua garantia de que verá o seu direito realizado.

Contudo, robusteceu-se o entendimento nos Tribunais, sedimentado por julgados inclusive monocráticos da Corte Suprema, no sentido de reclamar necessariamente a presença da União no polo passivo de demanda que objetiva fornecimento de medicamento não incluído nas listas do SUS. Preservou-se a solidariedade, mas fixando hipótese de litisconsórcio passivo necessário nos casos em que a parte autora desejar demandar também contra os demais entes federativos.

E nesse norte já caminhava esta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE. ESTADO E MUNICÍPIO. MEDICAMENTOS QUE NÃO CONSTAM DAS LISTAS DO SUS: PROCIMAX (BROMIDRATO DE CITALOPRAM) E PREBICTAL (PREGRABALINA). APLICABILIDADE IMEDIATA DO TEMA Nº 793 DO STF. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. EXTINÇÃO DIRETA. INOBSERVÂNCIA AO DISPOSTO NO ART. 115, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA INCLUSÃO DA UNIÃO NO POLO PASSIVO....

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