Acórdão nº 50013097020208210046 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 07-07-2022

Data de Julgamento07 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50013097020208210046
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001943521
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001309-70.2020.8.21.0046/RS

TIPO DE AÇÃO: Ameaça (art. 147)

RELATOR: Desembargador MANUEL JOSE MARTINEZ LUCAS

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Na Comarca de Espumoso, T. O. dos S., 33 anos à época do fato, foi denunciado como incurso nas sanções do art. 147, combinado com o art. 61, inciso II, alínea "j", ambos do Código Penal, com incidência da Lei n.º 11.340/2006.

A peça acusatória, recebida em 11/08/2020 (p. 27, contida no evento 3 - PROCJUDIC1 da ação penal), foi do seguinte teor:

"No dia 12 de julho de 2020, por volta das 09h30min, nesta Cidade o denunciado TIAGO OLIVEIRA DOS SANTOS ameaçou a vítima ROSANA DALVIT, sua ex-companheira, com palavras, por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp, de causar mal injusto e grave, dizendo "atende porque vou te matar, tu vai ver a hora que eu te ver, grava a gravação, porque a hora que eu te enxergar, vou te aforar o pescoço', conforme verifica-se do CD da fl. 111v do feito policial.

Na oportunidade, o denunciado TIAGO OLIVEIRA DOS SANTOS, por motivos não suficientemente esclarecidos nos autos, enviou a mensagem de áudio à vitima ROSANA DALVIT, proferindo a ameaça acima descrita.

O delito foi praticado contra ex-companheira, com quem o denunciado manteve relação íntima de afeto, razão pela qual incide, no caso, as disposições da Lei n. 11.340;2006 (Lei Maria da Penha).

O crime foi praticado durante o estado de calamidade pública, decorrente da pandemia do novo Coronavírus (COVID-19), conforme Decreto Legislativo n. 06/2020, do Congresso Nacional."

Processado o feito, sobreveio sentença (p. 43-49, Evento 3, PROCJUDIC2 da ação penal), prolatada em 28/10/2021, julgando procedente a ação penal para CONDENAR o réu T. O. dos S. como incurso nas sanções do art. 147, caput, combinado com o art. 61, inciso II, alínea "j", ambos do Código Penal, com incidência da Lei n.º 11.340/2006, à pena de 01 (um) mês de detenção, em regime inicial aberto, substituída por uma pena restritiva de direitos (limitação de final de semana).

Irresignados com a decisão, o Ministério Público (p. 3-7, evento 3 - PROCJUDIC3 da ação penal) e a defesa (p. 14-35, evento 3 - PROCJUDIC3 da ação penal) interpuseram recursos de apelação.

Em suas razões (p. 3-7, evento 3 - PROCJUDIC3 da ação penal) o Parquet pugnou pelo afastamento da substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, e pelo consequente restabelecimento da primeira ao réu.

A defesa (p. 14-35, evento 3 - PROCJUDIC3 da ação penal), por sua vez, preliminarmente, pleiteou a nulidade absoluta da sentença por ausência do membro do Ministério Público na audiência de instrução. No mérito, requereu a absolvição por insuficiência probatória para condenação. Subsidiariamente, caso mantida a condenação, postulou o afastamento da agravante de calamidade pública ou a redução da fração de aumento, bem como a readequação da pena provisória a fim de fixá-la abaixo do mínimo legal, levando em consideração a atenuante da confissão.

Foram apresentadas contrarrazões pela Defesa (p. 36-42, contidas no evento 3 - PROCJUDIC3 da ação penal).

Vieram os autos a este Tribunal.

Nesta instância, o parecer da Procuradora de Justiça Dra. Jacqueline Fagundes Rosenfeld foi pelo total provimento do apelo ministerial, e pelo não provimento do recurso defensivo (evento 16 da apelação).

Esta Câmara adotou o procedimento informatizado, tendo sido observado o disposto no art. 613, inciso I do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

Os recursos interpostos são tempestivos e preenchem os demais requisitos de admissibilidade, razões pelas quais são conhecidos.

Passo ao exame da preliminar defensiva.

No que toca à ausência do membro do Ministério Público, não logrou a defesa demonstrar qualquer mínimo prejuízo, motivo pelo qual não há que se declarar qualquer nulidade, nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal.

Deve ser salientado, ainda, que a finalidade da inquirição da testemunha é a busca da verdade real pelo juiz, de forma que inexiste qualquer impedimento para que o magistrado formule questionamentos, o que está previsto expressamente no parágrafo único do art. 212 já citado.

Nesse sentido:

“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIMES CONTRA A VIDA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRELIMINAR DE NULIDADE. VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO ARTIGO 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INOCORRÊNCIA. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. LEGÍTIMA DEFESA NÃO COMPROVADA. QUALIFICADORA DO MOTIVO TOE AFASTADA. QUALIFICADORA DO EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA MANTIDA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. Preliminar de nulidade por violação ao disposto no artigo 212 do Código de Processo Penal. A técnica de inquirição foi modificada a partir da nova redação do artigo 212 do CPP. As partes podem indagar diretamente as testemunhas e, sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. Contudo, ainda que formule perguntas antecipadamente, sendo o destinatário da prova, à evidência, o magistrado poderia fazer as mesmas perguntas, na linha complementar, ao final da inquirição. É firme o entendimento de que a tão só inversão na ordem de inquiridores gera, no máximo, nulidade relativa. A parte não demonstrou, de forma inequívoca, o efetivo prejuízo advindo da indagação formulada fora da ordem prevista na norma processual. Assim, rejeitada a preliminar. (...) (Recurso em Sentido Estrito Nº 70068350289, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça, Rel. Des. Jayme Weingartner Neto, Julgado em 29/06/2016)”.

Afastada a preliminar, passo ao exame do mérito defensivo.

A materialidade do delito restou consubstanciada pelo boletim de ocorrência policial n° 870/2020/152624 (Evento 3, PROCJUDIC1 - págs. 06/07), pelos termos de declaração (Evento 3, PROCJUDIC1 - págs. 08/09), pelas medidas protetivas de urgência (Evento 3, PROCJUDIC1 - págs. 10/11), bem como pela prova oral colhida em juízo.

A autoria do delito é certa e recai sobre a pessoa do acusado.

A vítima, em sede judicial, relatou que o acusado estava bastante alterado e que, após uma discussão, ameaçou-a de morte, por meio de uma mensagem de áudio. Por fim, referiu ter sentido medo da ameaça.

O acusado, por sua vez, confessou a prática delituosa, dizendo que, realmente, ameaçou a ofendida de morte, pois estava em um momento de raiva.

O delito de ameaça, disposto no art. 147 do Código Penal, é crime formal, cuja caracterização independe de prova material, sendo necessária tão somente a comprovação do temor infligido à vítima de causar-lhe mal injusto e grave, o qual foi verificado pela versão apresentada por Rosana.

Nesse sentido, temos a palavra da vítima que, tanto na fase investigativa quanto na esfera judicial, apresentou versão segura e coesa dos fatos, assegurando, em ambas as oportunidades, que o réu a ameaçou de morte, por meio de mensagem eletrônica.

De outra parte, não se aplica o princípio da intervenção mínima ao caso em comento. Isso porque se está diante de delito perpetrado em ambiente doméstico e familiar contra a mulher, albergado pela Lei Maria da Penha, que requer a atuação do Estado, eis que diretamente relacionado ao combate contra a violência de gênero. Ademais, o bem jurídico tutelado pelo tipo penal é a incolumidade psicológica do indivíduo,...

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