Acórdão nº 50013424620218210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50013424620218210007
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003082620
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5001342-46.2021.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATORA: Desembargadora CLAUDIA MARIA HARDT

APELANTE: NOE OLIVEIRA FREITAS (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

RELATÓRIO

Tratam-se de recurso de apelação interposto por NOE OLIVEIRA FREITAS em face da sentença de improcedência da ação indenizatória ajuizada em desfavor da COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D.

A fim de contextualizar a inconformidade recursal, reproduzo o relatório da sentença proferida pelo eminente Dr. Daniel De Souza Fleury (2ª Vara Cível da Comarca de Camaquã):

A parte autora diz que é produtor rural de fumo e utiliza estufa(s) elétrica(s) para secagem de sua produção. Menciona data(s) e horário(s) em que o fornecimento de energia elétrica foi interrompido pela ré, o que lhe causou prejuízos pela perda total ou parcial da qualidade do produto em secagem, atestada por laudo(s) e quantificado. Requereu assistência judiciária gratuita, pois se trata de pequena produtora rural em agricultura familiar e a condenação da ré ao ressarcimento do prejuízo, juntando procuração e documentos.

Deferida a AJG.

A CEEE-D no mérito alegou: 1) a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; 2) que a interrupção de energia se deu por caso fortuito ou força maior; 3) falta de comprovação dos danos sofridos, quer por ausência de documento comprobatório da recusa de recebimento do produto pela fumageira, quer pelo fato do laudo juntado ser meramente estimativo, quer pela possibilidade de ocorrência de fraude. Requereu produção de prova oral e pericial e juntou procuração e documentos.

Sobreveio réplica.

Em despacho saneador foi afastada a incidência do CDC e delimitada a matéria controvertida e o ônus da prova.

Instadas as partes quanto a produção de provas, a ré requereu a apresentação das notas fiscais da venda do fumo. O autor nada requereu e apenas se manifestou sobre os pedidos da ré.

Vieram os autos conclusos para a sentença.

RELATEI. DECIDO.

O dispositivo sentencial está assim redigido:

ISSO POSTO, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos contidos na AÇÃO INDENIZATÓRIA movida por NOE OLIVEIRA FREITAS contra COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – CEEE-D.

Por sucumbente, condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios aos patronos da parte ré, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, forte no art. 85, § 2º, I ao IV, do Código de Processo Civil. Contudo, fica suspensa exigibilidade dos ônus sucumbenciais, tendo em vista que a autora litiga ao abrigo da gratuidade da justiça, na forma do art. 98 do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, nada sendo requerido, arquive-se com baixa.

Em suas razões, o autor dispõe sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumir à lide. Argumenta que o apelante exerce atividade agrícola de produção de fumo em regime de agricultura familiar. Cita o posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul acerca do tema. Conclui haver vulnerabilidade técnica e econômica do apelante frente a companhia de energia. Sustenta a falha na prestação de serviço fornecido pela apelada. Defende que o demandante não pode ser penalizado por ter ingressado com outras ações indenizatórias anteriormente. A concessionária ré possui o dever de prestar um serviço de maneiro contínua e ininterrupta, eis que é essencial. Insurge-se contra a obrigatoriedade de o produtor de fumo possuir gerador, dizendo estimular a ré a não aprimorar os seus serviços, oferecendo um péssimo serviço aos seus consumidores. Pede o redimensionamento do ônus sucumbencial. Ao final, requer o provimento do recurso para julgar procedente ação, condenando a ré ao pagamento da quantia de R$ 5.729,70 (cinco mil setecentos e vinte e nove reais e setenta centavos) a título de danos materiais (evento 39, APELAÇÃO1).

As contrarrazões foram apresentadas (evento 42, CONTRAZ1).

Os autos vieram para julgamento.

É o relatório.

VOTO

A peça recursal foi interposta tempestivamente e atende aos requisitos do art. 1.010 do atual CPC, razão pela qual conheço do apelo.

Em primeiro lugar, cumpre referir que ao caso em tela aplicam-se as regras do Código de Defesa do Consumidor. Sob a ótica do destinatário final do produto ou serviço, o egrégio STJ mitiga a teoria finalista preconizada pelo CDC quando comprovada a hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica ou física, submetida à situação de vulnerabilidade ou prática abusiva, estendendo o conceito àqueles que se enquadrem nessas hipóteses, ainda que desenvolvam atividade lucrativa (teoria maximalista).

Na hipótese, inegável a hipossuficiência/vulnerabilidade técnica dos agricultores frente à concessionária de energia elétrica.

Neste sentido é a jurisprudência desta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DO SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. TEORIA FINALISTA DO CONCEITO DE CONSUMIDOR. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE QUANDO VERIFICADA A VULNERABILIDADE DA PARTE FRENTE AO FORNECEDOR. [...]. 1. São aplicáveis às relações existentes entre as empresas concessionárias de serviços públicos e às pessoas físicas e jurídicas que se utilizam dos serviços como destinatárias finais do serviço, as normas do código de defesa do consumidor, dentre outras, quanto à responsabilidade independentemente de culpa (art. 14) e quanto à essencialidade, adequação, eficiência e segurança do serviço (art. 22). 2. Outrossim, ainda que a parte não se enquadre, propriamente, no conceito de destinatária final do produto ou do serviço, é possível a aplicação das disposições do cdc quando configurada situação de vulnerabilidade entre as partes, como na hipótese do produtor rural frente à empresa pública fornecedora do serviço de energia elétrica. trata-se da mitigação da teoria finalista do conceito de consumidor, aplicada pela jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça. [...] APELAÇÃO DESPROVIDA, POR MAIORIA.(Apelação Cível, Nº 50035729520208210007, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lusmary Fatima Turelly da Silva, Julgado em: 03-06-2022)

De tal sorte, a requerida responde objetivamente pelos danos causados a terceiros durante a prestação do serviço concedido, nos moldes dos artigos 37, §6º, da CF e 14 do CDC, além de estar obrigada a prestar os serviços objeto de concessão de forma adequada, eficiente, segura e contínua, nos termos do art. 22 do CDC.

Assim, ainda que aplicável à hipótese a responsabilidade civil objetiva, recaía sobre a autora, nos termos do art. 373, I, do CPC, o dever de comprovar o nexo de causalidade entre os danos suportados e a suposta falha na prestação dos serviços.

Na hipótese é incontroversa a interrupção do fornecimento de energia elétrica na ocasião apontada na inicial, corroborada pelas telas do sistema SGD da ré (evento 8, OUT4, fls. 4-6). Os danos foram apontados por laudo técnico que instruiu a exordial (evento 1, OUT5), sendo atestada a perda da qualidade e, consequentemente, do valor comercial do produto:

De outra banda, a companhia de energia aportou aos autos prova igualmente técnica, onde foi concluído que os danos estão relacionados à lavoura, como desequilíbrio químico do solo e período de estiagem prolongado com incidência de temperaturas elevadas, a ver (evento 8, OUT4, fls. 16-26):

Inobstante, não há falar em culpa exclusiva ou concorrente dos clientes da companhia. Imputar aos produtores de fumo a responsabilidade, ainda que concorrente, pelos prejuízos que sofreram com falha na prestação dos serviços seria transferir aos usuários ônus que incumbe exclusivamente à concessionária de serviço público, única responsável pela continuidade do fornecimento do serviço e devidamente remunerada para tanto.

Descabe, portanto, exigir dos produtores rurais, mediante aquisição de gerador, que estes assegurem por meios próprios o fornecimento de energia, serviço público essencial e que, em tese, deveria ser contínuo. Sobrecarregar-se-ia ainda mais setor já fustigado pelas dificuldades próprias da produção agrícola.

Neste sentido é a...

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