Acórdão nº 50013700820178210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50013700820178210022
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003072127
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001370-08.2017.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Responsabilidade civil

RELATOR: Desembargador EDUARDO KRAEMER

APELANTE: PATRICK PADILHA VALADÃO (AUTOR)

APELADO: ALICE GARCEZ WENZKE (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação e adesivo interpostos, respectivamente, por PATRICK PADILHA VALADÃO e ALICE GARCEZ WENZKE, inconformados com a sentença (Evento 5, PROCJUDIC19, Páginas 12/14, origem) que julgou improcedente a ação de indenização por danos morais movida pelo primeiro em face da segunda e a reconvenção movida por pela segunda em do primeiro.

Em suas razões (Evento 5, PROCJUDIC19, Página 17/28, origem), o autor tece breve relato da lide, argumentando que o fato de a ré ter sido absolvida na esfera criminal não justifica a absolvição cível, pois se tratam de esferas distintas a independentes entre si. Outrossim, argumenta que uma condenação criminal é mais gravosa do que uma cível, cujo objetivo é reparar o dano causado à vítima. Defende que não punir o comportamento apenas demonstra que proferir ofensas racistas é tolerado pelo Judiciário. Aduz que a decisão determina que "se uma pessoa for ofendida por palavras como 'gorda' e 'baranga', tolera-se injúria racial". Aponta que a falta proporcionalidade entre as condutas das partes deve ser sopesada, punindo-se o excesso praticado pela ré ao proferir ofensa racista. Discorre sobre a desproporcionalidade entre as ofensas. Cita precedentes. Requer o provimento do recurso, para reformar a decisão e julgar procedente a demanda, condenando a ré ao pagamento de 60 salários mínimos.

A ré/reconvinte (evento 16, APELAÇÃO1), por sua vez, aponta que o autor/reconvindo foi quem ofendeu inicialmente a ré, que apenas se defendeu das agressões e insultos. Enfatiza o depoimento da testemunha Marlei, motorista da van, que afirmou que foi a ré quem chorou copiosamente, arguindo que seria a única testemunha verdadeiramente imparcial e dotada de credibilidade. Aponta que o autor admite a troca de insultos, assim como a prova testemunhal também comprova. Menciona a gordofobia como forma de discriminação das pessoas que estão acima do peso. Pugna pelo reconhecimento de indenização por danos morais. Cita precedentes. Requer o provimento do recurso para reformar a sentença, com a condenação do réu ao pagamento de indenização não inferior a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Foram ofertadas contrarrazões pela ré (evento 17, CONTRAZ1) e pelo autor (evento 20, CONTRAZ1).

Registro terem sido cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 934, do CPC/2015, considerando a adoção do sistema informatizado por este Tribunal (Ato n° 24/2008-P).

É o relatório.

VOTO

Recebo os recursos porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Adoto o relatório da sentença, o qual passo a transcrevê-lo:

"PATRICK PADILHA VALADÃO ajuizou a presente ação de indenização por dano moral contra ALICE GARCEZ WENZKE. Diz o autor que, no dia 06/03/2016, por volta das 17h30min, no interior de uma Van, juntamente com a ré e um grupo de pessoas que retornavam de uma festa de formatura foi empurrado pela ré, iniciando uma discussão entre as partes. Sustenta que a ré ultrapassou o limite da proporcionalidade dos insultos, ao dizer-lhe: “Eu posso ser tudo que tu falou, mas eu sou branca e tu é preto”. Alega que a frase teve a intenção de inferiorizá-lo, caracterizando injúria racial. Afirma, ainda, que o episódio foi objeto de inquérito policial, seguido de denúncia recebida na ação penal nº 022./2.17.0006838-0, pela prática do crime previsto no art. 140, §3º do Código Penal. Entende caracterizado dano moral. Cita jurisprudência. Requer a procedência da ação, com a condenação da ré ao pagamento de indenização, no valor de 60 salários-mínimos. Postula, ainda, o benefício da justiça gratuita. Juntou documentos (fls. 20/59).

O autor requereu a participação no feito de AMICUS CURIAE (fls. 61/65).

A ré apresentou reconvenção, alegando que foi ofendida pelo autor reconvindo que “avançou para agredi-la fisicamente”. Diz que autor passou a proferir impropérios, provocando-lhe constrangimentos. Afirma serem inverídicas as acusações feitas pelo autor reconvindo na inicial.

Contestou a ré (fls. 69v/72), arguindo preliminar de ilegitimidade ativa. No mérito, impugna o pleito indenizatório. Nega ter praticado injúria racial. Afirma ter sido ofendida e quase agredida fisicamente pelo autor. Requer o acolhimento da preliminar, a suspensão do feito até o julgamento da ação penal, a improcedência da ação e a procedência da reconvenção. Juntou documentos (fls. 73/89).

Houve réplica e o autor contestou a reconvenção (fls. 92/106).

Manifestou-se a ré (fls. 109/110).

Em audiência (fls. 123), inexitosa a conciliação, foram inquiridas duas testemunhas arroladas pelo autor, sendo deferido o pedido das partes para juntada do CD contendo os depoimentos prestados no processo criminal.

Em prosseguimento da audiência (fls. 140), foi inquirida mais uma testemunha arrolada pelo autor.

A ré juntou cópia da sentença proferida no Juízo Criminal (fls. 156v/159).

Somente o autor apresentou memorial (fls. 180/186).

É o relatório."

Consoante se observa, a demanda visa à indenização por danos morais alegadamente experimentados pelo autor, em decorrência de ofensa racial praticada pela autora, teria dito o seguinte: "eu posso ser tudo o que tu falou, mas eu sou branca e tu é preto".

A ré apresentou contestação e reconvenção, arguindo ter ocorrido ofensas mútuas omitidas pelo autor e postulando também indenização por danos morais.

Julgada improcedente a ação e a reconvenção, recorrem ambas as partes.

A análise dos recursos será realizada conjuntamente.

Primeiramente, aprecio a preliminar de ilegitimidade ativa apresentada em sede de contrarrazões pela ré, afastando-a.

O fato de constar na qualificação do autor perante a autoridade policial que ele é de "cor branca", assim o fato de a ré achar que ele não é negro, sob o argumento de que ele teria a "cútis clara", não se revelam suficientes para se desconsiderar o autor como uma pessoa negra, se ele próprio assim se reconhece. Não é cabível pretender uma análise de tom de pele para se extinguir a ação por ilegitimidade ativa. Aliás, o próprio fato aqui discutido, uma vez comprovado, já afasta tal algumentação, razão pela qual tal questão, de fato, está mais relacionada ao mérito da ação e às circunstâncias do caso concreto do que à condição da ação.

Quanto ao mérito, esclareço que a obrigação de indenizar ocorre quando alguém pratica ato ilícito. O artigo 927 do Código Civil refere expressamente que aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Na mesma linha, o artigo 186 do referido mesmo diploma legal menciona que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Analisados os autos, entendo que a prova testemunhal permite concluir pela ocorrência do fato alegado na inicial, havendo diversas testemunhas que presenciaram o fato ocorrido dentro uma van, no dia 06/03/2016, por volta das 5h30, quando um grupo de pessoas retornava de uma festa de formatura ocorrida no Tourist Parque Hotel, na cidade de Pelotas.

Cumpre salientar que a ré foi denunciada pelo Ministério Público pela prática do delito de Injúria Racial (art. 140, §3º, do CP), tendo ao final sido absolvida na esfera criminal, sob o argumento de inexistirem provas inequívocas para o juízo condenatório, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (Processo nº 022/2.17.0006838-0).

Não obstante a absolvição na esferal criminal, entendo que a prova produzida, para o juízo cível, é suficiente à comprovação do fato constitutivo do direito alegado (art. 373, I, do CPC), havendo a presença de todos os pressupostos da responsabilidade civil: conduta ilícita ou abuso de direito, dano e nexo causal entre ambos.

Outrossim, cumpre registrar que, como se sabe, a responsabilidade civil é independente da criminal (art. 935 do CC1) e a absolvição ocorreu com fulcro no art. 386, inciso VII2, do Código de Processo Penal.

Dito isso, por pertinente, valho-me da síntese dos depoimentos descrita na sentença penal absolutória (Processo nº 022/2.17.0006838-0), porquanto em conformidade com os relatos das partes e testemunhas no processo, conforme os vídeos acostados na origem:

"A vítima, Patrick Padilha Valadão (mídia de folha 87), disse ter ido a uma formatura no Turist Hotel, junto com seus amigos. Ao final do evento, ingressaram na van locada por eles, momento no qual a denunciada estava encostando demasiadamente no ofendido, tendo este pedido para ela parar. Após isso deu-se início a discussão. Após trocarem algumas ofensas, a acusada lhe disse: posso ser tudo isso do que tu me falou, mas eu sou branca e tu é um preto. Ato contínuo, ao perceberem a situação, o restante das pessoas começaram a vaiar a atitude da denunciada. Após isso, o ofendido começou a chorar, vindo a ser consolado por sua namorada. No dia seguinte ao fato efetuou o registro da ocorrência. Em juízo, o depoente se autodeclarou negro.

Nathália Macedo Fernandes (mídia de folha 87), ex-namorada do ofendido, aduziu terem ingressado na van após o término da formatura, momento no qual sentou-se ao lado da vítima, tendo a denunciada sentado atrás deles. Durante o trajeto, a acusada estava importunando a vítima, a qual pediu a todo momento para esta parar. Em seguida, a ré continuo incomodando o ofendido, tendo ambos começado uma discussão e trocado ofensas. Não sabe indicar quem começou as ofensas. A acusada proferiu as seguintes palavras a Patrick: antes...

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