Acórdão nº 50013708720168210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50013708720168210007
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001913879
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001370-87.2016.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATOR: Desembargador GELSON ROLIM STOCKER

APELANTE: WOLMIR OTTO AFFELDT EBEL (AUTOR)

APELANTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

WOLMIR OTTO AFFELDT EBEL e COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D interpõem recursos de apelação em face da sentença de parcial procedência proferida nos autos da ação indenizatória em que litigam.

Adoto o relatório de sentença (evento3-procjudic5, fls.156/159), que transcrevo:

A parte autora disse que é produtora rural de fumo e utiliza estufa(s) elétrica(s) para secagem de sua produção. Menciona data(s) e horário(s) em que o fornecimento de energia elétrica foi interrompido pela ré, o que lhe causou prejuízos pela perda total ou parcial da qualidade do produto em secagem, atestada por laudo(s) e quantificado. Requereu assistência judiciária gratuita, pois se trata de pequena produtora rural em agricultura familiar e a condenação da ré ao ressarcimento do prejuízo, juntando procuração e documentos. Deferida a AJG. A CEEE-D alegou: 1) a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; 2) que a interrupção de energia se deu por caso fortuito ou força maior; e 3) falta de comprovação dos danos sofridos, quer por ausência de documento comprobatório da recusa de recebimento do produto pela fumageira, quer pelo fato do laudo juntado ser meramente estimativo, quer pela possibilidade de ocorrência de fraude. Requereu produção de prova oral e pericial e juntou procuração e documentos. Sobreveio réplica. Em despacho saneador foi determinada a realização de perícia técnica objetivando aferir a capacidade da(s) estufa(s) do(a) produtor(a) e a correspondência com a alegada perda da quantidade e qualidade do tabaco. Laudo acostado às fls. 131/132, sobre o qual não houve impugnação. RELATEI. DECIDO.

E a sentença assim decidiu em sua parte dispositiva:

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar à parte autora a quantia de R$ 5.247,00 (cinco mil, duzentos e quarenta e sete reais), com correção monetária pelo IGP-M a partir da data do laudo e juros de 1% ao mês a contar da citação. Custas na proporção de 2/3 para a parte autora e 1/3 para a parte ré. Quanto aos honorários de sucumbência, fixo em R$ 1.500,00, que serão divididos na mesma proporção das custas (R$ 1.000,00 e R$ 500,00), seguindo os parâmetros do art. 85, §8º, do CPC, não sendo admitida a compensação da verba honorária (art. 85, §14, do CPC). Considerando que a sentença reconhece crédito em favor da parte autora, do qual não depende seu sustento e de sua família, reconheço que as verbas sucumbenciais que cabem à parte autora deverão ser abatidas do crédito que tem a receber, pelo que o benefício da assistência judiciária gratuita vai mantido até o final do feito, apenas para dispensar o preparo prévio de atos processuais. Quando do recebimento do valor da condenação, as verbas sucumbenciais deverão ser descontadas e liberado para a parte autora apenas o que restar. Publique-se; registre-se; intime-se. Em nada sendo requerido, arquive-se.

Em suas razões recursais (evento3, procjudic5, fls. 161/185), a parte autora invoca aplicação do CDC. Aduz falha na prestação de serviço do fornecimento de energia como fato do serviço. Defende que foi indevida a penalização do recorrente pela má prestação do serviço oferecida pela recorrida. Destaca o caráter essencial do serviço de fornecimento de energia elétrica. Afirma a impossibilidade de adquirir geradores de energia e que se assim o fizesse, estaria pagando por um serviço deficiente e tendo que, ao mesmo tempo, realizar investimento em equipamento de energia elétrica. Alega a impossibilidade da condenação do recorrente quanto aos ônus sucumbenciais em razão da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, posto que a sentença determinou que os ônus devem ser abatidos do valor a ser recebido relativo a condenação. Pede a reforma da sentença para que a ré seja condenada ao pagamento da totalidade dos prejuízos experimentados e o redimensionamento dos ônus sucumbenciais. Requer o provimento do recurso.

A parte ré, igualmente, apresenta recurso no evento3, procjudic6, fls.186/203. Aduz em suas razões a ocorrência de força maior, sendo causa de excludente de responsabilidade. Discorre acerca da impossibilidade de fornecimento de energia elétrica de forma ininterrupta. Defende a necessidade do autor de adquirir um gerador, pois possui condições para tanto e tem conhecimento da necessidade do fornecimento ininterrupto de energia elétrica. Pede a reforma da sentença, para que sejam julgados improcedentes os pedidos iniciais. Requer o provimento do recurso.

Devidamente preparado o recurso pela parte ré e dispensado de preparo o recurso pela parte autora, por litigar com o benefício da Gratuidade da Justiça, vieram os autos a esta Corte de Justiça para apreciação.

Em contrarrazões (evento3,procjudic6, fls. 214/224), a parte autora aduz a inexistência de comprovação das alegações da parte ré, principalmente no que tange a ocorrência de força maior. Defende que a falha na prestação do serviço pela recorrente ocasionou os prejuízos ao recorrido. Argumenta acerca do caráter essencial do serviço de fornecimento de energia elétrica. Discorre acerca da responsabilidade da recorrente pelo evento danoso e sobre o dever de indenizar. Invoca aplicação do CDC. Menciona os prejuízos suportados com o fumo e diz que o laudo técnico não pode ser considerado unilateral e parcial, pois elaborado por técnico agrícola credenciado junto ao CREA/RS. Requer o desprovimento do recurso.

Em contrarrazões (evento3,procjudic6, fls. 225/229), a parte ré narra que juntou nos autos relatórios meterológicos que comprovam a ocorrência de força maior, temporal, tratando-se de excludente de responsabilidade. Afirma que restabeleceu o fornecimento de energia elétrica dentro das 48 horas que possui como prazo legal. Alega inexistência de ato ilícito e dever de indenizar. Destaca que o autor ficou sem o fornecimento de energia elétrica por menos de 24 horas. Pondera que se o autor necessita de energia elétrica em padrão superior ao fornecido, deve arcar com esse custo, nos termos da Resolução 414/2010 da ANEEL. Requer seja negado provimento ao recurso de apelação.

Regularmente distribuídos, vieram-me os autos a esta Corte de Justiça para apreciação.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 929 a 946, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto. Sem preliminares arguidas, passo ao exame do mérito.

Trata-se de ação indenizatória que com a parcial procedência dos pedidos na origem, a parte ré pugna, neste grau recursal, pela procedência total dos pedidos, com a condenação da parte ré ao valor integral do prejuízo suportado. A parte ré, por sua vez, pugna pela improcedência da demanda.

Em se tratando de dois recursos de apelação, interpostos por ambas as partes, que tratam sobre o mesmo assunto, passo a análise de forma conjunta.

Ab initio, registro que a relação jurídica mantida pelas partes é de consumo, sendo que a própria Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, na Resolução Administrativa nº 414/2010, conceitua consumidor como:

XVII - consumidor: pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, legalmente representada, que solicite o fornecimento, a contratação de energia ou o uso do sistema elétrico à distribuidora, assumindo as obrigações decorrentes deste atendimento à(s) sua(s) unidade(s) consumidora(s), segundo disposto nas normas e nos contratos, sendo: a) consumidor especial: agente da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE, da categoria de comercialização, que adquire energia elétrica proveniente de empreendimentos de geração enquadrados no § 5º do art. 26 da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996 , para unidade consumidora ou unidades consumidoras reunidas por comunhão de interesses de fato ou de direito cuja carga seja maior ou igual a 500 kW e que não satisfaçam, individualmente, os requisitos dispostos nos arts. 15 e 16 da Lei nº 9.074, de 07 de julho de 1995 ; b) consumidor livre: agente da CCEE, da categoria de comercialização, que adquire energia elétrica no ambiente de contratação livre para unidades consumidoras que LEGISLAÇÃO CITADA ANEXADA PELA COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEGISLATIVOS - CEDI Seção de Legislação Citada - SELEC satisfaçam, individualmente, os requisitos dispostos nos arts. 15 e 16 da Lei nº 9.074, de 1995 ; e c) consumidor potencialmente livre: aquele cujas unidades consumidoras satisfazem, individualmente, os requisitos dispostos nos arts. 15 e 16 da Lei nº 9.074, de 1995 , porém não adquirem energia elétrica no ambiente de contratação livre.

Desta forma, no caso concreto, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, pois mesmo que a parte autora, pequeno produtor, não seja destinatária final do serviço, está presente a sua vulnerabilidade técnica em relação à fornecedora de energia elétrica ré, situação que atrai a aplicação da “Teoria Finalista Aprofundada ou Mitigada”, que admite, como o próprio nome revela, que o conceito de consumidor final seja mitigado quando evidenciada a vulnerabilidade de quem contrata frente ao fornecedor do produto ou serviço.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ENERGIA ELÉTRICA. CONSUMIDOR. TEORIA FINALISTA MITIGADA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE, SÚMULA 7/STJ.
1. O STJ entende que se aplica a teoria...

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