Acórdão nº 50013731620208210132 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50013731620208210132
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003342365
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5001373-16.2020.8.21.0132/RS

TIPO DE AÇÃO: Incapacidade Laborativa Parcial

RELATOR: Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: LARISSA GASPARINI (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de reexame necessário e de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) contra sentença (evento 65, SENT1) que, nos autos da ação movida por LARISSA GASPARINI, julgou procedente o pedido inicialmente formulado, nos termos do seguinte dispositivo:

“[...] Em face do exposto, afasto a preliminar de carência de ação e JULGO PROCEDENTE o pedido, forte no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de, respeitada a prescrição quinquenal, condenar o réu a conceder o benefício de auxílio-acidente ao autor, a contar da data da cessação do auxílio-doença acidentário.

Quando da elaboração dos cálculos, sobre as parcelas vencidas deverão ser observados os índices de correção monetária relativos a cada período e respectivo fundamento legal: - IGP-DI de maio de 1996 a março de 2006, conforme os artigos 10 da Lei nº 9.711/98 e 20, §§ 5º e 6º, da Lei nº 8.880/94; - INPC de abril de 2006 a 29 de junho de 2009, conforme artigo 31 da Lei nº 10.741/03, cumulada com a Lei nº 11.430/06; - TR de 30 de junho de 2009 a 24 de março de 2015, conforme Lei nº 11.960/2009, em consonância com a Questão de Ordem nas ADIs nº 4.357 e 4.425; - IPCA-E a partir de 25 de março de 2015, em função da modulação dos efeitos na Questão de Ordem, nas ADIs nº 4.357 e 4.425. Quanto aos juros de mora, estes serão devidos desde a citação à taxa de 12% ao ano, sendo que a partir de julho de 2009 passam a ser os aplicados à caderneta de poupança, nos termos da Lei 11.960/09, que alterou a redação do artigo 1º-F da Lei 9.494/97.

Condeno o réu ao pagamento dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre as parcelas vencidas até a data desta sentença, forte na Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça, e pagamento das despesas excetuadas da Taxa Única de Serviços Judiciais, conforme Lei Estadual 14.634/2014, nas quais se inclui os honorários periciais que devem ser ressarcidos.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

A demanda é sujeita ao duplo grau de jurisdição, devendo ser encaminhados os autos ao egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para reexame necessário.

Oportunamente, arquive-se com baixa.

[sic]

Em suas razões recursais, a autarquia apelante argumenta, em síntese apertada, que o benefício de auxílio-acidente não é devido no caso em apreço, uma vez que ausente prova bastante de redução efetiva da capacidade laboral específica da demandante. Enfatiza que o laudo pericial constante dos autos não atestou permanência de sequela acidentária que determine diminuição da aptidão funcional da obreira, de sorte que não atendidos todos os pressupostos legais da precitada prestação indenizatória. Subsidiariamente, pugna pelo reconhecimento de isenção legalmente instituída em seu favor com relação à taxa judiciária, com consequente dispensa do recolhimento das custas processuais. Ainda postula, sucessivamente, a alteração do índice aplicável à correção monetária. Cita jurisprudência e pede, ao final, o recebimento e provimento do apelo.

Sobrevieram contrarrazões.

Nesta instância, o Ministério Público opinou pelo não conhecimento do reexame necessário e pelo parcial provimento da apelação manejada.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o sucinto relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso reúne condições de admissibilidade, razão por que dele conheço.

Inicialmente, devo registrar minha compreensão de que a nova normatização do duplo grau obrigatório de jurisdição é suficientemente clara quanto à dispensa da remessa oficial nos casos em que a sentença for impugnada mediante recurso voluntário da Fazenda Pública.

Ora, é de conhecimento geral que não se presumem, na lei, palavras inúteis. Recomenda a boa hermenêutica, efetivamente, que todas as palavras, expressões, locuções e orações empregadas em textos normativos devem ser compreendidas, sempre que possível, com a sua devida utilidade e eficácia, em conformidade com a velha máxima segundo a qual verba cum effectu sunt accipienda.

Sob tal perspectiva, é preciso reconhecer que expressões e termos introduzidos em legislações revogadoras – seja mediante substituição de uma palavra, frase ou período anteriormente positivado na norma, seja mediante acréscimo de uma ou mais expressões que não constavam do texto revogado – ganham especial relevo quando se busca interpretar determinada regra a partir da nova redação que lhe foi conferida.

E dúvida não há, nesse passo, de que o Código de Processo Civil de 2015 constitui um dos exemplos mais atuais da legislação nacional em que as diversas mutações implementadas no respectivo texto normativo devem ser analisadas eficaz e criteriosamente, à luz do próprio espírito de transformação estrutural do processo que a codificação nova buscou infundir nos seus intérpretes e aplicadores.

No caso do reexame necessário, observam-se relevantes mudanças em sua disciplina normativa no âmbito do novo Código, cabendo destacar, nesta específica análise, a expressa eliminação do seu cabimento quando identificada a interposição de recurso voluntário pela Fazenda Pública sucumbente.

Repare-se que a alteração operada na redação do artigo 475, § 1º, do velho CPC, embora seja aparentemente sutil, materializa o intuito inequívoco do legislador de extinguir a possibilidade de trâmite conjunto da remessa oficial com apelações voluntariamente interpostas por entes fazendários.

Com efeito, assim dispunha a norma revogada:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

(...)

1º. Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. (Grifei)

Deveras, o excerto acima grifado não abria margem para dúvidas interpretativas, pois nele se determinava, com clareza, que a remessa dos autos era impositiva independentemente de apelação voluntariamente interposta. Vale dizer: no regime anterior, houvesse ou não apelação do ente público vencido, deviam os autos ser sempre remetidos ao Tribunal para reapreciação da lide quando configurada uma das hipóteses legais do reexame necessário.

A regra correspondente no novo Código, entretanto, suprimiu o fragmento textual acima destacado, com sua consequente substituição por trecho de significação substancialmente diferente (cuja inserção, a toda a evidência, não pode ser concebida como vã). Veja-se:

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

(...)

§ 1º. Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á. (Grifei)

Como dito, a modificação textual acima sublinhada revela o propósito claro do legislador de limitar a incidência do duplo grau obrigatório aos casos em que a Fazenda Pública deixa de recorrer voluntariamente da sentença. Deve-se apreendê-la, a valer, em sentido condicional, com a conseqüente inferência de que o juiz só deve ordenar a remessa oficial dos autos se não houver interposição de apelação no prazo legal, isto é, desde que não sobrevenha apelo tempestivo da pessoa jurídica de direito público.

A meu sentir, a inovação em comento é bastante compreensível se considerarmos o atual estágio de estruturação e desenvolvimento dos sistemas de representação judicial das Fazendas Públicas. Como cediço, as pessoas de direito público dispõem, nos dias de hoje, de aparato material e humano suficientemente capaz de assegurar a defesa judicial de seus direitos e interesses por meio da atuação exclusiva de advogados públicos.

Nesse contexto, é bem de ver que o reexame necessário de sentenças proferidas contra entes públicos representados por profissionais especializados e organizados em carreira não mais se justifica – na sistemática e conjuntura atuais – quando interposta apelação pela Fazenda Pública, uma vez que a tutela judicial dos interesses fazendários não padece, hodiernamente, de deficiências estruturais relevantes que sejam capazes de legitimar a coexistência de dois mecanismos de proteção – no caso, a presença constante do reexame necessário ao lado de apelações interpostas por procuradores que, em regra, possuem o dever funcional de promover (em todos os graus de jurisdição) a defesa judicial das Fazendas a que se vinculam.

Por conseguinte, entendo que o novo CPC considera descabida a sobreposição de duas medidas indutoras da reapreciação da sentença sempre que a Fazenda Pública recorrer voluntariamente da decisão (devolvendo, com isso, o exame da controvérsia ao Tribunal competente). Por sua vez, a impugnação recursal de apenas parte da decisão pelo patrono da Fazenda corresponde, no ordenamento vigente, à aceitação tácita dos demais capítulos do pronunciamento recorrido, evidenciando, assim, uma renúncia implícita do ente público ao seu direito de impugnar o restante da sentença em grau recursal.

É nesse sentido, por sinal, que a doutrina especializada vem assentando o seu posicionamento em torno da temática sob enfoque, conforme abalizada preleção que reproduzo, abaixo, para contribuir com a compreensão da matéria, ad litteris et verbis:

A novidade do CPC de 2015 é a supressão da superposição de remessa necessária e apelação. Se o recurso cabível já foi...

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