Acórdão nº 50013981420188210095 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 31-08-2022

Data de Julgamento31 Agosto 2022
ÓrgãoOitava Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50013981420188210095
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002077247
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001398-14.2018.8.21.0095/RS

TIPO DE AÇÃO: Contravenções Penais

RELATORA: Desembargadora FABIANNE BRETON BAISCH

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Adoto, de início, o relatório constante na sentença (evento 3 dos autos originários - PROJUDIC3: fls. 5/16), prolatada em 15.12.2020 (não há data de publicação registrada nos autos), que passo a transcrever:

"(...)

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra C.A.N., brasileiro, casado, com 48 anos de idade na data do fato, nascido em 22.12.1969, natural de Itaqui/RS, filho de (...), residente e domiciliado na (...), dando-o como incurso nas sanções previstas no artigo 65 da Lei das Contravenções Penais, combinado com os artigos e da Lei nº 11.340/06, pela prática do fato assim descrito na inicial acusatória (fl. 02 f/v):

“(…)

No dia 04 de abril de 2018, por volta das 15h, na Rua (...), Bairro Rincão, Via Pública, nesta cidade, o denunciado C.A.N. molestou e perturbou a tranquilidade, por acinte e motivo reprovável, da vítima R.A.F., sua ex-companheira.

Na oportunidade, o denunciado, ex-companheiro da vítima, importunou lhe perseguindo-a nas ruas com o carro da prefeitura, inclusive vindo a trancar sua passagem por diversas vezes. O motivo foi o final do relacionamento ente ambos (conforme termo de declarações a fl. 07).

(...)”.

A denúncia foi recebida em 12.11.2018 (fl. 34).

O réu foi citado em 16.04.2019 (fl. 41) e, por meio da Defensoria Pública, apresentou resposta à acusação à fl. 42, não arrolando testemunhas.

Não sendo caso de absolvição sumária, designou-se audiência de instrução, oportunidade em que foi ouvida a vítima e interrogado o réu (fl. 67).

Foi declarada encerrada a instrução, determinando-se a atualização dos antecedentes criminais e a substituição dos debates por alegações (fl. 67).

Foram atualizados os antecedentes criminais do réu (fls. 68-69 f/v).

O Ministério Público apresentou memoriais às fls. 70-71 f/v, referindo estar comprovada a materialidade e a autoria do delito em tela, razão pela qual requereu a procedência da denúncia, com a condenação do acusado, nos termos da inicial acusatória.

A defesa, por sua vez, requereu a improcedência da peça acusatória, com a consequente absolvição do acusado, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal e, subsidiariamente, o reconhecimento da confissão espontânea, bem como seja a pena aplicada no mínimo legal, conferindo-se ao acusado o benefício da gratuidade da justiça (fls. 72-75 f/v).

(...)"

Acresço ao relatório que o réu teve ofertado o benefício da transação penal, ao qual recusou em audiência preliminar realizada em 06.09.2018 (evento 3 - PROCJUDIC1: fl. 40).

No ato sentencial, a magistrada a quo JULGOU PROCEDENTE A DENÚNCIA para CONDENAR C.A.N. como incurso nas sanções do art. 65 do Decreto Lei nº 3.688/41, com a incidência da Lei nº 11.340/2006, c/c art. 61, II, alínea "f" do CP, à pena de 20 DIAS DE PRISÃO SIMPLES (pena-base de 15 dias, aumentada em 5 dias pela agravante), no regime inicial ABERTO. Denegada a substituição da pena carcerária. Concedido o sursis pelo prazo de 2 anos, mediante o cumprimento de condições (prestação de serviços à comunidade; proibição de se ausentar da Comarca; comparecimento trimestral em juízo. Concedido ao réu o direito de apelar em liberdade. Custas pelo réu, suspensa a exigibilidade.

Inconformada, a defesa apelou do decisum (evento 3 dos autos originários - PROCJUDIC3: fl. 25).

Em razões, sustentando a tese da insuficiência probatória, postulou a absolvição do acusado. Subsidiariamente, o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea e a redução do apenamento ao mínimo legal (evento 3 dos autos originários - PROCJUDIC3: fls. 28/37).

Contra-arrazoado o apelo (evento 3 dos autos originários - PROCJUDIC3: fls. 38/43), subiram os autos a esta Corte.

Aqui, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Luiz Henrique Barbosa Lima Faria Corrêa, manifestou-se pelo parcial provimento ao apelo, para reconhecer ao réu a atenuante da confissão espontânea (evento 7).

Vieram conclusos em 18.03.2022 (evento 8).

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, tendo sido atendido o disposto no art. 207, II do RITJERGS.

É o relatório.

VOTO

Há questão que deve ser enfrentada, prima facie, por revelar-se prejudicial ao mérito, referente à presença de causa de extinção da punibilidade do réu, a teor do art. 107, III do CP.

Explico.

Como adrede relatado, o réu foi condenado como incurso nas sanções do art. 65 da Lei de Contravenções Penais, com a incidência da Lei Maria da Penha.

Ocorre que, durante a tramitação do feito, sobreveio relevante alteração do quadro legislativo, com a entrada em vigor da Lei nº. 14.132/2021, na data de 1º.04.2021, que introduziu no ordenamento jurídico o crime de perseguição, agora previsto no art. 147-A do CP, revogando, expressamente, em seu art. 3º, o art. 65 do Decreto-Lei nº. 3.688/41

Eis o seu inteiro teor, in verbis:

Art. 1º Esta Lei acrescenta o art. 147-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para prever o crime de perseguição.

Art. 2º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte art. 147-A:

“Perseguição

Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:

I – contra criança, adolescente ou idoso;

II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;

III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

§ 3º Somente se procede mediante representação.

Art. 3º Revoga-se o art. 65 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais).

(...).”

Como se vê, a partir da novel legislação, a conduta de perturbação foi contemplada no art. 147-A do CP, integrando um dos verbos nucleares do novo tipo penal, que, em síntese, criminaliza a prática conhecida como stalking, assim entendida como a perseguição reiterada, operada por qualquer meio, inclusive virtual, que ameaça a integridade física ou psicológica de alguém, atingindo a sua liberdade e/ou privacidade.

Nesse contexto, está-se diante de uma realocação do tipo penal, formalmente suprimido, não mais considerado contravenção, mas sim crime punível com pena de reclusão, em continuidade normativo-típica.

Ilustrando, o seguinte precedente do E. STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS COUS. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO INDEFERITÓRIA DE LIMINAR EM PRÉVIO WRIT, AINDA NÃO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE DE SUPERAÇÃO DA SÚMULA N. 691 DA SUPREMA CORTE. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. CONDUTA REITERADA DO TIPO PREVISTO NO ART. 65 DO DECRETO-LEI N. 3.688/1941. INEXISTÊNCIA DE ABOLITIO CRIMINIS. CONTINUIDADE NORMATIVA TÍPICA. ART. 147-A DO CÓDIGO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A revogação da contravenção de perturbação da tranquilidade - art. 65 do Decreto Lei n. 3.688/1941 - pela Lei n. 14.132/2021 não significa que tenha ocorrido abolitio criminis em relação a todos os fatos que estavam enquadrados na referida infração penal. De fato, a parte final do art. 147-A do Código Penal prevê a conduta de perseguir alguém, reiteradamente, por qualquer meio e "de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade", circunstância que já estava contida na ação de "molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável", quando cometida de forma reiterada, porquanto a tutela da liberdade também abrange a tranquilidade.
2. A abolitio criminis apenas alcançou a referida contravenção na hipótese da prática de apenas um único ato, tendo em vista que o art. 147-A do Código Penal impõe, atualmente, a reiteração da ação delituosa. Assim, considerando que o ora Agravante teria, em tese, praticado a contravenção de forma reiterada - ação que, no momento atual, está contida no novel tipo penal acima mencionado, em razão da continuidade normativa típica -, não há ilegalidade a fim de justificar a concessão da ordem.
3. Reconhecer a inexistência de indícios de autoria delitiva para justificar a decretação das medidas protetivas demanda o amplo revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência incabível na estreita e célere via do habeas corpus.
Além disso, as medidas impostas não se revelam desproporcionais, notadamente quando se verifica que o Paciente as descumpriu recentemente, tendo sido advertido sobre a possibilidade de decretação da custódia provisória.

4. O art. 19, § 1º, da Lei n. 11.340/2006, expressamente autoriza a decretação das medidas protetivas de urgência de imediato, independentemente da audiência das partes e de manifestação do Ministério Público.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 685.255/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de 25/2/2022.)

E também deste Tribunal de Justiça:

“APELAÇÃO CRIME. RECURSO DEFENSIVO. CONTRAVENÇÃO PENAL. PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. MANUTENÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO. PROVA SUFICIENTE. LEI Nº 14.132/21. CONTINUIDADE NORMATIVA-TÍPICA. Não obstante a Lei nº 14.132/21 tenha revogado o artigo 65 do Decreto-Lei nº 3.688/41, foi introduzido no ordenamento jurídico o novo tipo penal de perseguição, previsto no artigo 147-A do Código Penal. Em relação a parte das...

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