Acórdão nº 50014029620228210067 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 26-01-2023

Data de Julgamento26 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50014029620228210067
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003162333
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001402-96.2022.8.21.0067/RS

TIPO DE AÇÃO: Incêndio (art. 250)

RELATOR: Desembargador NEWTON BRASIL DE LEAO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

1. Trata-se de apelação, interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, contra decidir que, forte no artigo 386, incisos VI e VII, do Código de Processo Penal, absolveu IAGO RODRIGUES LACERDA, da imputação de prática do delito do artigo 250, § 1º, inciso II, alínea "a", do Código Penal, por fato assim narrado na inicial acusatória:

"No dia 09 de março de 2022, por volta das 23h, na Rua Oswaldo Aranha, n° 172, Bairro Lomba, nesta cidade, Iago Rodrigues Lacerda causou incêndio em casa de sua ex-companheira, habitada, expondo a perigo a vida e o patrimônio Liara Pereira da Silva, e dos seus filhos Pedro Henrique da Silva Paulsen e Hendryk Pereira Lacerda, destruindo totalmente sua residência e os bens que se encontravam no interior (Evento 1, OUT 8-16, Página 1), além de expor a risco a vida, a integridade física e o patrimônio dos vizinhos.

Na data do fato, o denunciado, o qual estava embriagado, após um desentendimento com sua ex-companheira, quebrou os móveis da residência e ateou fogo no local onde viviam, além de Liara, seus dois filhos, Pedro e Hendryk, com 12 anos de idade e 04 meses de idade, respectivamente, causando os danos supracitados.

Após atear fogo no local, o denunciado empreendeu fuga. Ato contínuo, os vizinhos da vítima acionaram a Guarnição da Brigada Militar e o Corpo de Bombeiros, que contiveram o incêndio, conforme relatório anexo.

Iago Rodrigues Lacerda possui condenação ativa no processo de execução nº 0002528-87.2013.8.21.0067, com condenação por roubo, e estava cumprindo pena em regime domiciliar na ocasião do fato".

Nas razões, alegando demonstradas materialidade e autoria delitivas, pugna pelo condenar do réu.

Foram apresentadas contrarrazões.

Em parecer escrito, o Dr. Procurador de Justiça opina pelo desprovimento do apelo ministerial.

Esta Câmara adotou o sistema informatizado, tendo sido atendido o disposto no artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

2. Persegue o Ministério Público o condenar do apelado, absolvido na origem tocante à acusação de prática de delito de incêndio.

A ocorrência do incêndio é inconteste, tendo sido demontrada pelo boletim de ocorrência policial (processo 5000610-45.2022.8.21.0067/RS, evento 1, DOC3), certidão de ocorrência do Corpo de Bombeiros (processo 5001402-96.2022.8.21.0067/RS, evento 1, DOC2), vídeo e fotografias (processo 5000610-45.2022.8.21.0067/RS, evento 1, DOC7 e OUT8 a 16), assim como pela prova oral produzida em Juízo, assim reproduzida no parecer ministerial:

[...] O réu, em seu interrogatório judicial, negou a acusação de incêndio na forma da denúncia, admitindo que eventualmente poderia ter causado incêndio culposo. Relatou que, pela manhã, discutiu com sua companheira, momento em que a mesma pegou seus filhos, levando-os para a casa de sua mãe. Mencionou que saiu de casa, também ao início do dia e que, ao voltar para casa, durante a noite, havia se deparado com a residência trancada, adentrando o ambiente por meio de uma janela que se encontrava aberta. Depois, relatou que dormiu, bêbado, com um cigarro em mãos, acordando-se por conta do fogo, que já se alastrava pelo local. Mencionou acreditar que as chamas foram iniciadas por conta de seu cigarro, que estava aceso. Afirmou que, no momento do incêndio, ouviu os vizinhos gritarem que havia sido ele o autor do suposto crime, tendo se escondido com a intenção de evitar represálias da polícia. Disse que a vítima o denunciou por conta da discussão que tiveram pela manhã, acreditando que ele havia cometido o delito. Negou que o casal havia se separado na noite do delito, bem como disse que não havia quebrado os móveis, não se encontrando em condições de fazê-lo, por se encontrar bastante embriagado no referido. Aludiu não ter visto os bombeiros contendo as chamas, nem mesmo à distância. [...]

Em seu depoimento, Liara negou ter brigado com seu companheiro na manhã em que ocorreu o incêndio, justificando que atribuiu o crime a ele em um momento de desespero, ao ver sua casa em chamas. Respondeu não saber onde o fogo começou, e que não possuía suspeitas; entretanto, mencionou que possuía uma jarra elétrica de ligação direta, bem como um botijão pequeno para esquentar alimentos, haja vista que não possuía fogão em sua casa, e que o incêndio poderia ter se iniciado a partir destes objetos, agravado pelo fato de a casa ser feita de madeira. A vítima relatou que, quando chegou em sua casa, por volta das 23h, a referida propriedade já estava pegando fogo. Respondeu possuir dois filhos, um deles de doze anos, enquanto o segundo nasceu há apenas seis meses. Negou estar separada de seu marido no momento do crime. Disse não saber se ele estava embriagado no horário do incêndio, haja vista que a vítima não o viu durante a noite. Ao ser perguntada sobre seu depoimento junto à Delegacia de Polícia local, onde alegou que o investigado estava bêbado na noite do crime, tendo destruído os móveis de sua casa, Liara respondeu ter mentido sobre os fatos aludidos, por estar irritada com seu cônjuge. A vítima negou ter ligado para a polícia, haja vista que não possuía telefone. Respondeu, ainda, que morava há aproximadamente dois ou três meses na casa, junto de seu marido, com quem ainda mantém um relacionamento. Mencionou que seu cônjuge a agredira verbalmente apenas uma vez, após ingerir bebidas alcoólicas, mas que o fato ocorreu há pouco mais de um ano. Respondeu, ainda, que, no dia do incêndio, fora a uma festa que ocorrera na casa de sua mãe, e que seu marido não estava junto dela, nem compareceu posteriormente. Negou ter pedido ao filho mais velho que levasse o irmão mais novo para casa, devido às brigas que tivera com o marido, ainda que a informação constasse no termo de declaração emitido pela Polícia Civil. Quando perguntada, a mesma respondeu não saber de que forma a casa havia pegado fogo, e que pensara que fora o marido, mas que ele não estava na residência no momento do crime. Respondeu que há casas vizinhas próximas ao incêndio. [...]

Elemar Pereira, relatou ter tomado conhecimento de que o investigado, Iago Rodrigues Lacerda ateou fogo nas roupas da vítima, fato que gerou o incêndio ocorrido na residência. Disse, ainda, que era o proprietário da casa, e que o casal não pagou indenização pelos danos sofridos, nem demonstrou quaisquer intenções de fazê-lo. Respondeu que seu tio possui uma casa ao lado da residência de Liara, tendo o mesmo se preocupado bastante com a possibilidade de o incêndio atingir seu próprio domicílio. Respondeu que, na noite do delito, a vítima se encontrava em sua casa, junto dos dois filhos, e não em uma festa, como a mesma havia dito. Mencionou, ainda, que os vizinhos relataram que o investigado quebrara a chutes os móveis que estavam na residência. Aludiu ter conhecimento de que o acusado, além de fazer uso de bebidas alcoólicas, também fazia uso de drogas, bem como de que já havia agredido a vítima em outras vezes, haja vista tratar-se de um casal instável, de condutas agressivas. Respondeu que a própria vítima lhe contou que seu marido havia ateado fogo nas roupas, utilizando um isqueiro, bem como falou que estava em casa no
momento do crime, junto de seus dois filhos.

O Policial Civil Fábio Ruzicki Conceição informou que não participou ativamente da investigação do crime. Respondeu que o tio da vítima realizou o registro da ocorrência do incêndio, mencionando que o casal estava embriagado no momento suprarreferido, ocasião em que o investigado agredira a vítima e, enquanto a mesma saía de casa para buscar ajuda, o criminoso teria pegado um isqueiro e incendiado a residência. Disse não possuir capacidade para afirmar se os móveis foram, de fato, quebrados antes do incidente, haja vista que estavam bastante queimados. Sobre o depoimento prestado pela vítima, mencionou que a mesma relatou que estava em casa no dia do referido crime, e que o cônjuge teria ateado fogo na residência. Disse que, conforme depoimentos que colheu, o réu observava as chamas durante o acontecimento, rindo e fazendo brincadeiras da situação, bem como ameaçando a vítima.

O Bombeiro Militar Anderson Silva da Silva relatou que o Corpo de Bombeiros foi acionado para conter as chamas do incêndio da referida residência e que, segundo o depoimento de populares, o suspeito, indignado com o possível término do relacionamento, teria ateado fogo na casa. Respondeu que as residências eram próximas uma da outra, correndo riscos de serem atingidas pelas chamas. Respondeu não saber se a vítima estava próxima à residência no momento do crime. Informou que o Corpo de Bombeiros não conseguiu precisar a origem do incêndio, mas que, em alguns cômodos, as roupas da vítima estavam espalhadas pelo solo, e que nestes locais se tornou mais difícil diminuir as chamas. Mencionou, também, que alguns móveis estavam desmanchados, mas que a situação poderia ter acontecido em decorrência do fogo. [...].

Do parecer ministerial igualmente reproduzo, por traduzir meu entendimento no caso concreto, que "a vítima mudou radicalmente a versão que havia prestado na fase policial, na nítida intenção de isentar o companheiro da responsabilidade pela infração penal sob apuração.

(...)

A versão prestada pela vítima na fase policial foi corroborada, em juízo, por ELEMAR PEREIRA, proprietário da casa habitada por ela, sua sobrinha, o qual deu conta de que teria ouvido da sua boca (da vítima) que o incêndio havia se dado de maneira dolosa, por parte do ora apelado. Este, utilizando um...

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