Acórdão nº 50014055620198210067 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 07-07-2022
Data de Julgamento | 07 Julho 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50014055620198210067 |
Tipo de documento | Acórdão |
Órgão | Primeira Câmara Criminal |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20001943102
1ª Câmara Criminal
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Criminal Nº 5001405-56.2019.8.21.0067/RS
TIPO DE AÇÃO: Ameaça (art. 147)
RELATOR: Desembargador MANUEL JOSE MARTINEZ LUCAS
APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA
APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
Na Comarca de São Lourenço do Sul, A. D. B., 27 anos à época do fato, foi denunciado como incurso nas sanções do art. 147, caput, do Código Penal, combinado com as disposições da Lei n.º 11.340/06.
A peça acusatória, recebida em 11/06/2019 (p. 9, contida no evento 3 - PROCJUDIC2 da ação penal), foi do seguinte teor:
"No dia 14 de abril de 2019, por volta das 11h, neste Município, o denunciado Anderson dias Borges ameaçou as vítimas Nara Regina Dias, sua mãe, e Natália Dias Borges, sua irmã, mediante palavras e gestos, prometendo-lhes causar mal injusto e grave (fl. 03).
Na ocasião, possivelmente por ser usuário de entorpecentes, o denunciado quebrou objetos do interior da residência e proferiu ofensas verbais às vítimas, bem como ameaçou-as de morte.
A mãe do denunciado postulou medidas protetivas, as quais foram deferidas, e estendidas à Natália, diante da gravidade dos fatos narrados e considerando que houve violência dirigida contra ela também (fl. 37)."
Processado o feito, sobreveio sentença (p. 23-40, evento 3 - PROCJUDIC3 da ação penal), prolatada em 12/08/2021, julgando procedente a ação penal para CONDENAR o réu A. D. B. como incurso nas sanções do art. 147, caput, combinado com o art. 61, inciso II, alínea "f", e art. 70, caput, primeira parte, todos do Código Penal, com incidência da Lei n.º 11.343/2006, à pena de 01 (um) mês e 11 (onze) dias de detenção, em regime inicial fechado, concedendo-lhe o sursis mediante condições.
Irresignada com a decisão, a defesa (p. 47, evento 3 - PROCJUDIC3 da ação penal) interpôs recurso de apelação. Em suas eeeeeeeeeeeeeeerazões (p. 1-12, evento 3 - PROCJUDIC4 da ação penal), preliminarmente, postulou pelo reconhecimento da nulidade dos depoimentos das vítimas, por violação do art. 210 do Código de Processo Penal. No mérito, requereu a absolvição do réu por ausência de provas para a condenação. Subsidiariamente, pleiteou o afastamento da agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea "f", bem como pelo afastamento da sanção de prestação de serviços à comunidade e do pagamento da indenização por danos morais fixada.
Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público (p. 21-28, contidas no evento 3 - PROCJUDIC4 da ação penal).
Vieram os autos a este Tribunal.
Nesta instância, o parecer do Procurador de Justiça Dr. Marcelo Roberto Ribeiro foi pela rejeição da preliminar suscitada e, no mérito, pelo provimento parcial do recurso defensivo (evento 7 da apelação).
Esta Câmara adotou o procedimento informatizado, tendo sido observado o disposto no art. 613, inciso I do Código de Processo Penal.
É o relatório.
VOTO
O recurso interposto é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razões pelas quais é conhecido.
Passo ao exame de preliminar defensiva.
O art. 210 do Código de Processo Penal refere que "as testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas não saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-las das penas cominadas ao falso testemunho.".
Ademais, o parágrafo único do referido artigo prescreve que "antes do início da audiência e durante a sua realização, serão reservados espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das testemunhas.".
Como se pode observar, os citados textos legais se referem unicamente às testemunhas, não fazendo qualquer tipo de menção às vítimas.
Ademais, de acordo com o art. 563 do Código de Processo Penal, "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa" (princípio do pas de nullité sans grief).
Segundo a defesa, a quebra da incomunicabilidade das vítimas acarretou evidente prejuízo ao acusado, tendo em vista sua condenação.
Todavia, entendo que tal argumento, além de ser genérico, por si só, não é capaz de evidenciar o alegado prejuízo, porque, como já visto, a legislação brasileira sequer faz alusão à necessidade de afastar a comunicação entre as vítimas, tendo em vista que tal texto normativo se refere, unicamente, à incomunicabilidade das testemunhas.
Outrossim, tal evento ocorrido na audiência não configurou afronta ao princípio da audiência bilateral (audiatur et altera pars), já que a defesa pôde se manifestar sobre todas as provas e manifestações produzidas pela acusação.
No que tange ao depoimento das vítimas, o magistrado oportunizou que a defesa fizesse todos os questionamentos pertinentes à defesa do denunciado, de modo que resta evidente a inexistência de qualquer mácula capaz de ensejar o reconhecimento da nulidade dos depoimentos das ofendidas.
Nesta senda, afasto a preliminar suscitada.
Passo ao exame do mérito.
A materialidade do delito restou consubstanciada pelo boletim de ocorrência policial n° 1181/2019/152031 (Evento 3, PROCJUDIC1 - págs. 07/09), pelas medidas protetivas de urgência (Evento 3, PROCJUDIC1 - págs. 10/11), pelos termos de declarações (Evento 3, PROCJUDIC1 - págs. 12/15), bem como pela prova oral colhida em Juízo.
A autoria do delito é certa e recai sobre a pessoa do acusado.
A fim de evitar inútil e fastidiosa tautologia, transcrevo a análise dos depoimentos contida na sentença:
Com efeito, o réu negou o fato, dizendo que nunca ameaçou a mãe e a irmã. Não é usuário de drogas e não sabe por que a Brigada Militar foi chamada, não tendo nada contra as testemunhas ouvidas (CD fl. 75).
A vítima Nara R. D. disse que o réu vinha há dias incomodando, e a depoente e Natália, aproveitaram a briga com a vizinha e relataram à Polícia as ameaças sofridas. O réu disse que iria matar as vítimas se elas chamassem a polícia. Na época do fato acredita que o filho bebia e usava algum entorpecente, mas atualmente não vê o filho beber ou usar drogas. Disse que no dia que ocorreu a briga com a vizinha o réu estava furioso, ameaçando com palavras (CD fl. 75).
A vítima Natália D. B. disse que já tinha sido agredida verbalmente pelo réu, que ameaçou que iria matá-la. Não sabe se o réu era usuário de drogas. Já tentaram internar o réu no CAPS, por conta de sua agressividade. Nesse dia estava com sua mãe em casa, e no momento da briga com a vizinha o réu pegou uma faca. Afirmou que a vizinha Jacira foi quem chamou a polícia. O réu disse que ia matar as vítimas e nesse dia Anderson brigou com a vizinha e a polícia foi chamada. Referiu que prestou depoimento na polícia e confirma sua assinatura. Disse que o réu voltou a morar com a depoente e hoje está calmo (CD à fl. 75).
O Policial Militar Diego Borges Strammer disse que os vizinhos chamaram a Brigada Militar. Falaram com a irmã e a mãe do réu, e elas estavam assustadas com a situação. Conversaram com o réu e ele estava estranho. Recordou que o réu foi abordado em outras ocorrências com usuários de drogas. Disse que o réu ameaçou de morte a irmã e a mãe e que a irmã estava bastante nervosa, dizendo não aguentar mais a situação dele (CD fl. 75).
Por último, a testemunha Jacira Beatriz da Silva disse que ouviu os gritos que vinham de dentro da casa, ouviu o barulho, mas não viu o réu. Negou ter chamado a polícia (CD fl. 75).
O delito de ameaça, disposto no art. 147 do Código Penal, constitui crime formal, cuja caracterização independe de prova material, sendo necessária tão somente a comprovação do temor infligido à vítima de causar mal injusto e grave.
As ofendidas, tanto em sede policial quanto em Juízo, apresentaram versão segura e coesa sobre o acontecido, ao afirmarem que o réu as ameaçou de morte.
Ademais, o policial militar Diego Strammer, em...
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