Acórdão nº 50014125320218210075 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 25-11-2022

Data de Julgamento25 Novembro 2022
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50014125320218210075
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002868440
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001412-53.2021.8.21.0075/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATOR: Desembargador JAYME WEINGARTNER NETO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra MAIRTON CRISTIAN DA CRUZ, dando-o como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei n° 11.343/06, combinado com o artigo 61, inciso I, do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:

No dia 14 de junho de 2021, por volta das 20h30min, em via pública, na Rua Garibaldi, 281, Padre Gonzales, Três Passos/RS, o denunciado Mairton Cristian da Cruz trouxe consigo, para o fim de comércio, 16 porções de maconha, totalizando 49,5g da substância, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar (auto de apreensão nº 1409/2021 e laudo de constatação da natureza da substância nº 4113/2021).

Na ocasião, o denunciado estava trafegando com um ciclomotor, sem placas, momento em que recebeu ordem de parada pela guarnição da Brigada Militar. O denunciado, contudo, desobedeceu à ordem e, na sequência, tentou arremessar um pacote. Contudo, acabou se desequilibrando, vindo a cair ao solo. Ato contínuo, os policiais efetuaram revista pessoal e encontraram, no bolso do casaco do denunciado, a droga acima descrita e o valor de R$ 10,00.

Diante da configuração do delito de tráfico de drogas, o denunciado foi preso em flagrante.

Conforme certidão judicial criminal (Evento 2), o denunciado é reincidente.

A denúncia foi recebida em 23 de setembro de 2021.

Após regular trâmite processual, sobreveio sentença assim resumida no dispositivo (evento 59, SENT1):

Ante o exposto, rejeito a preliminar invocada pela defesa e JULGO PROCEDENTE a denúncia para fins de CONDENAR o réu MAIRTON CRISTIAN DA CRUZ, já qualificado, como incurso nas sanções do artigo 33 da Lei n. 11.343/2006 c.c. art. 61, I, do Código Penal.

A pena foi fixada nos seguintes termos:

Analisando as circunstâncias do artigo 42, da Lei nº 11.343/06 c/c artigo 59, do Código Penal, verifico que a culpabilidade, entendida como grau de reprovação da conduta, não excede ao normal. O réu é primário e não ostenta antecedentes criminais. Sua conduta social foi abonada. Personalidade não passível de aferição com os elementos do processo. Os motivos não restaram definidos, o que faz presumir serem os inerentes à espécie, ou seja, a obtenção de lucro fácil, por meio da traficância de entorpecentes. Circunstâncias e consequências que não desbordam do ordinário. Não há comportamento de vítima a ser sopesado.

Assim, sopesando o conjunto das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal e do art. 42 da Lei de Tóxicos, todas favoráveis, aliadas ao grau de reprovação da conduta, considero a culpabilidade em seu patamar mínimo, razão pela qual fixo a pena-base em 05 (cinco) anos de reclusão e ao pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa.

Na segunda fase da dosimetria, considerando que o denunciado é reincidente (processo n° 075/2.19.0001707-7), justificada a majoração da pena na fração de 1/6, ensejando pena de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e ao pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, a qual convolo em definitiva, diante da ausência de outras circusntâncias modificadoras.

Considerando as circunstâncias judiciais apuradas e que inexistem informações acerca da situação econômica do réu, estabeleço o valor de cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente ao tempo do fato, devidamente atualizado quando da execução (artigo 43, da Lei nº. 11.343/2006 e artigos 60 e 49, §§1º e 2º, do CP).

Considerando se tratar de crime equiparado a hediondo (art. 2º, § 1º, da Lei nº. 8.072/90) e por ser o réu reincidente, estabeleço como regime inicial de pena o fechado (art. 33, § 2º, ‘a’ e ‘b’, a contrario sensu, do Código Penal)

Deixo de aplicar o disposto nos artigos 44 e 77 do Código Penal, ante a reincidência do réu e o montante de pena aplicada.

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação.

Em suas razões, pugna preliminarmente pela: (a) nulidade do flagrante por abuso de poder, pois o acusado encontrava-se com diversas lesões; e (b) cerceamento de defesa (despacho do ev. 40), vez que indeferida oitiva de testemunha que teria presenciado as agressões. No mérito, requer a absolvição, ante a insuficiência probatória, com a respectiva devolução do veículo apreendido. Postula, ainda, a desclassificação para a conduta prevista no artigo 28 da Lei nº 11.343/06. No caso de manutenção da condenação, pede o redimensionamento da pena aplicada para afastar a agravante da reincidência diante da ausência do trânsito em julgado da condenação considerada, bem como afastar a pena de multa, a concessão da AJG e suspensão das custas (evento 79, PET1).

Foram apresentadas as contrarrazões.

Nesta instância, o Dr. Procurador de Justiça opinou pela rejeição das preliminares e, no mérito, desprovimento do recurso (evento 7, PARECER1).

Certidão de antecedentes nos autos (evento 2, CERTANTCRIM1).

Registra-se que esta Câmara adotou o procedimento informatizado, tendo sido atendido o disposto no artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

VOTO

Preliminares

Não há falar em nulidade do flagrante por abuso de poder, tampouco em cerceamento de defesa pelo indeferimento da oitiva de testemunha. Ambas preliminares reportam-se à alegação de que as lesões constatadas no laudo pericial decorreram em panorama diverso do narrado pelos policiais. Refere a possibilidade de a testemunha ter presenciado o fato.

O magistrado a quo assim se manifestou:

"[...] Atinente à alegação defensiva de que teria havido violência policial no flagrante, as provas dos autos não apresentam elementos suficientes a corroborar a tese defensiva, haja vista que os relatos dos policiais que efetuaram a prisão em flagrante são uníssonos ao afirmar que as lesões são oriundas de um tombo que o réu teria sofrido com sua motocicleta ao tentar empreender fuga da guarnição.

Em sentido contrário há apenas a palavra do réu, o qual referiu que foi atropelado pela viatura da polícia. No entanto, tal versão é insuficiente a indicar que as lesões foram provocadas pelos agentes policiais que efetuaram a prisão, porquanto contrárias às versões apresentadas pelos policiais, que merecem maior credibilidade, de modo que afasto a tese de ilegalidade da prisão em flagrante.

Além do mais, a referida questão, por si só, não invalida a presente ação penal decorrente do procedimento que resultou na abordagem do denunciado e que lastreou a denúncia, cabendo destacar que eventual conduta abusiva por parte dos agentes públicos, deverá ser apurada em procedimento investigativo e ação penal apartada.

Isso posto, considerando que eventual abuso de autoridade, por prática de atos violentos e excessivos pela autoridade policial, caso reconhecido em processo próprio, por si só, não desnaturam a tipicidade do delito de tráfico de drogas imputado ao acusado, rejeito a preliminar de nulidade do auto de prisão em flagrante.

Também não merece acolhida a tese defensiva de que o réu teve seu direito constitucional de ampla defesa cerceado em razão do indeferimento da oitiva de testemunha referida que poderia ter presenciado as supostas agressões.

Isso porque, conforme já mencionado no Evento 40, a oitiva da referida testemunha nestes autos em nada contribuiria para o deslinde do mérito desta ação, tendo em vista que ao final do seu interrogatório, ao ser questionado expressamente sobre o que a testemunha poderia ter presenciado, o réu mencionou que a testemunha não chegou a presenciar a abordagem e nem as supostas violências policiais, pois acredita que ela apenas saiu para fora da casa quando o réu caiu no chão, após ele ser atropelado e após escutar o barulho da queda e da batida do capacete no chão, não chegando a presenciar a violência

No mesmo sentido foi o depoimento do policial Militar Edson Almeida Vargas (Evento 32, VÍDEO3), que ao ser questionado se havia outras pessoas no local em que abordaram o réu, disse que próximo ao local em que o acusado caiu tem uma casa e os moradores depois que ele caiu sairam pra fora e visualizaram a abordagem.

Em seu depoimento em juízo, o próprio réu referiu que não houve outras violências pelos policiais além do suposto atropelamento.

Isso posto, considerando que tanto o depoimento do réu, como do policial militar Edson foram coesos ao referir que não havia ninguém no local no momento da abordagem e que a suposta testemunha apenas saiu para fora da residência depois que ouviu o barulho da queda do réu no chão, verifica-se que não restou comprovada a imprescindibilidade de sua oitiva para esclarecimento dos fatos, porquanto ela sequer teria chegado a presenciar o suposto atropelamento.

Desse modo, inexistindo elementos a configurar nulidade do auto de prisão em flagrante e tampouco o cerceamento de defesa pelo indeferimento de oitiva da testemunha referida, afasto as preliminares invocadas pela defesa e passo, então, ao exame do mérito.

No laudo consta "lesões e corte na cabeça, região occipital e costa". Ocorre que, segundo narrativa dos policiais, o acusado empreendeu fuga em uma motocicleta, atravessando uma praça, "com terreno bastante acidentado" e, durante a fuga, fez menção de dispensar algo que estava nos bolsos, o que teria levado ao desequilíbrio e à queda, ocasião em que perdeu o capacete e bateu no meio-fio da calçada.

O réu confirmou ter atravessado a praça, dizendo, porém, que pensou ser algum "desafeto". Disse que, ao perceber a viatura, parou e "eles chegaram com a viatura e o atropelaram". Referiu que "quando caiu no chão e deu...

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