Acórdão nº 50014383120128210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 23-01-2023

Data de Julgamento23 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50014383120128210022
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002868122
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001438-31.2012.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Usucapião Ordinária

RELATORA: Desembargadora ROSANA BROGLIO GARBIN

APELANTE: VERA REGINA DA SILVA (HERDEIRO)

APELADO: GISELE RODRIGUES MENDES (AUTOR)

APELADO: RODRIGO MENDES (AUTOR)

APELADO: IMOBILIARIA SULINA LTDA (RÉU)

APELADO: SÃO GERONIMO KUNDE (Sucessão) (RÉU)

APELADO: SUCESSÃO DE ELBIO JUAREZ CAMPELLO DAS NEVES (Sucessão) (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por VERA REGINA DA SILVA da sentença em que, apreciando ação de usucapião ajuizada por GISELE RODRIGUES MENDES e RODRIGO MENDES, o Magistrado a quo julgou procedente a pretensão autoral nos seguintes termos (evento 32, SENT1):

"(...)

Posto isso, forte no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTE a presente demanda DECLARANDO adquirido pela parte autora, originariamente, pela usucapião extraordinária, ex vi do art. 550 do CC/1916 o domínio do imóvel descrito no memorial descritivo do evento evento 2, OUT - INST PROC3, fl. 116, e certidão do Registro de Imóveis do evento evento 2, OUT - INST PROC2, fl. 14.

Dada a sucumbência recíproca e nos termos da fundamentação no que diz com a ausência de pretensão resistida pelos corréus (à exceção da SUCESSÃO DE ÉLBIO JUAREZ CAMPELLO DAS NEVES), condeno a parte autora e a corré SUCESSÃO DE ÉLBIO JUAREZ CAMPELLO DAS NEVES ao pagamento das custas processuais, cada uma no percentual de 50%, cuja exigibilidade vai suspensa pela gratuidade judiciária, conforme art. 98, § 3º, do CPC.

Quanto aos honorários advocatícios sucumbenciais, fixo-os em R$ 1.000,00, devidas pela SUCESSÃO DE ELBIO JUAREZ CAMPELLO DAS NEVES ao procurador da parte autora , observando o tempo de tramitação e a complexidade da demanda, fulcro no § 8º do art. 85 do CPC. Igualmente suspensa a exigibilidade, em razão da gratuidade judiciária concedida à parte.

(...)"

Em suas razões (evento 41, APELAÇÃO1), a parte apelante refere que a sentença merece reforma, na medida em que os autores não evidenciaram o alegado na inicial. Esclarece que é herdeira de Élbio Juarez Campelo dos Santos, compromissário comprador do imóvel usucapiendo. Afirma que os prescribentes não mais residem no bem objeto da ação e o teriam vendido a terceiros. Pondera que ao longo da tramitação do processo postulou que, antes da prolação da sentença, fosse determinada diligência, a ser realizada pelo Oficial de Justiça, para constatar a veracidade das referidas alegações, medida esta que não foi levada a efeito, o que caracteriza cerceamento na busca da prova. Requer, assim, o provimento do presente recurso de apelação, com a improcedência do pleito prescricional aquisitivo ou, subsidiariamente, a desconstituição da decisão recorrida, "determinando-se ao Sr. Oficial de Justiça que traga aos autos a real situação do imóvel em de quem lá habita".

Foram ofertadas contrarrazões (evento 50, CONTRAZAP1).

Remetidos os autos digitalizados a esta Corte, aportou ao feito parecer ministerial (evento 8, PARECER1), "no sentido do conhecimento e provimento do recurso de apelação interposto por Vera Regina da Silva, para efeito de desconstituir a sentença vergastada, com o retorno dos autos à origem para que seja designada audiência para oitiva das testemunhas".

Veio o processo concluso para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, conheço do recurso.

Cuida-se a demanda subjacente de ação de usucapião proposta, em dezembro de 2011, por GISELE RODRIGUES MENDES e RODRIGO MENDES, referente ao imóvel situado no lote n.º 17 da quadra 52 do Loteamento Vila Princesa, no 2º Distrito de Pelotas/RS, indicando os autores o preenchimento dos requisitos à declaração da prescrição aquisitiva constantes do art. 1.238 do Código Civil.

Consoante narrativa da peça pórtica, referem os postulantes que, há mais de 50 anos, exerceriam - pessoalmente e por meio de seus antecessores - posse mansa, pacífica e tranquila sobre o bem sub judice, mais especificamente desde 1966, a partir de contrato de promessa de compra e venda firmado por São Geronimo Kunde. Sustentaram ter adquirido o imóvel em meados de janeiro de 2011 (fl. 18 de evento 2, OUT - INST PROC1).

Instruído o feito, restou julgada procedente a pretensão autoral (evento 32, SENT1); pronunciamento judicial contra o qual se insurge VERA REGINA DA SILVA (sucessora de Élbio Juarez Capello das Neves, que constaria nos registro de imóveis como compromissário comprador do bem usucapiendo - fl. 16 de evento 2, OUT - INST PROC1), nos termos acima relatados.

Pois bem.

A declaração de usucapião depende, além da observância das formalidades atreladas ao próprio procedimento – como a cientificação das Fazendas Públicas, a citação dos confinantes e interessados, a intervenção do Ministério Público, etc. –, do preenchimento de alguns requisitos legalmente previstos.

Examinando a exordial, verifica-se que a pretensão autoral está alicerçada nas disposições art. 1.238 do Diploma Civil, nos termos do qual:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Ocorre que a parte demandante propôs ação em dezembro de 2011 - com dita aquisição do bem pelos autores em meados de janeiro de 2011 -, de modo que, para viabilizar a procedência da ação, pretendem os demandantes acrescentar à sua posse a do seu antecessor (art. 1.2431 do CC). Com isto, adviria o questionamento acerca da incidência da espécie de usucapião prevista no art. 5502 do CC de 1916 (conforme indicado na sentença), por força do disposto no art. 2.0283 do CC/02, diante das relevantes ponderações lançadas pelo Procurador de Justiça que atua junto a esta Câmara (evento 8, PARECER1).

Todavia, o aludido debate acerca do dispositivo aplicável na hipótese (e, portanto, do lapso temporal de posse apto a autorizar a declaração da prescrição aquisitiva perseguida), diante das peculiaridades do caso, revela-se de somenos importância, como adiante restará demonstrado.

Para a avaliação do mérito do recurso, impende discorrer sobre o direito à prova, eis que imprescindível à questão do convencimento, este primordial para a efetivação da prestação jurisdicional.

O art. 373 do CPC, nos seus incisos, preconiza que, a rigor, incumbe ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo de seu direito, enquanto ao réu caberia a demonstração da existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do demandante.

De acordo com Nelson Nery Junior4, "não existe obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus", "o não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para a obtenção do ganho de causa".

Não há, portanto, um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova da parte adversa; há um simples ônus, de forma que o litigante assume o risco de não ter seus pedidos acolhidos se não demonstrar os fatos sustentados e dos quais dependem a existência do direito subjetivo que pretende resguardar por meio da tutela jurisdicional.

Concretamente, pedindo vênia ao colega sentenciante, a análise do acervo probatório constituído no feito conduz ao juízo de improcedência da ação.

É parca e insuficiente a prova produzida nos autos a amparar a pretensão de declaração de pretensão aquisitiva dos postulantes.

Veja-se que os documentos coligidos ao feito não demonstram a existência de cessão de direitos possessórios entre Élbio Joarez Campello (indicado comprador do imóvel usucapiendo - fl. 16 de evento 2, OUT - INST PROC1) e São Gerônimo Kunde; ou mesmo negócio entre este último e a Imobiliária Sulina Ltda (em nome de quem o bem encontra-se registrado).

Como bem apontado pelo Órgão Ministerial evento 8, PARECER1, o registro de ocorrência juntado aos autos - dando conta do furto de contratos de compra e venda de três terrenos da Imobiliária Sulina e tendo como vítima São Gerônimo -, “de per si”, não tem o condão de evidenciar a existência de liame entre as posses de Élbio e São Gerônimo - vide fl. 19 de evento 2, OUT - INST PROC2.

Restou carreado ao grampo dos autos apenas o contrato de compra e venda, por instrumento particular, datado de 28/01/2011, no qual São Gerônimo Kunde aliena o imóvel usucapiendo para a demandante Gisele (fl. 18 de evento 2, OUT - INST PROC1), o que não preenche os pressupostos acima elencados para o juízo de procedência da demanda.

Nada há a esclarecer acerca da natureza da dita posse anterior (se “ad usucapionem”), ou mesmo quanto ao lapso de tempo sustentado na exordial.

Malgrado não se esteja absolutamente afastando a tese autoral, há carência de comprovação da condição indispensável ao provimento jurisdicional pretendido, qual seja, posse com animus domini, circunstância que acaba sendo determinante a fulminar a declaração da prescrição aquisitiva de propriedade imóvel em favor dos autores.

A propósito:

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO (BENS IMÓVEIS). AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE PELA CIRCUNSTÂNCIA DE O MINISTÉRIO PÚBLICO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA TER DECLINADO DA SUA INTERVENÇÃO NO FEITO. DE TODO MODO, NESTA INSTÂNCIA RECURSAL, O PARQUET OFERECEU PARECER DE MÉRITO, NÃO SE PODENDO, ASSIM, COGITAR A ALEGADA NULIDADE PROCESSUAL. CERCEAMENTO AO DIREITO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. INSPEÇÃO JUDICIAL. O MAGISTRADO É O DESTINATÁRIO DA PRO...

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