Acórdão nº 50014557720218210046 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 17-02-2023

Data de Julgamento17 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50014557720218210046
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003242004
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001455-77.2021.8.21.0046/RS

TIPO DE AÇÃO: Crime de Descumprimento de Medida Protetiva de Urgência

RELATORA: Juiza de Direito CARLA FERNANDA DE CESERO HAASS

RELATÓRIO

Na Comarca de Espumoso/RS, o Ministério Público ofereceu denúncia contra M. A. M., nascido em 18/12/1972, com 48 anos de idade ao tempo do fato, dando-o como incurso nas sanções do artigo 24-A da Lei 11.340/06, c/c o artigo 61, inciso II, alíneas “f” e “j”, do Código Penal.

Narrou a peça vestibular acusatória, in verbis (1.1):

No dia 28 de outubro de 2021, por volta das 16h, na Rua Etelvino Lupatini, n. 835, Bairro Cooperativa Velha, em Espumoso, RS, o denunciado M. A. M. descumpriu decisão judicial que deferiu medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/2006, conforme boletim de ocorrência do evento 01, do expediente n. 1411-58.

Na ocasião, foram concedidas medidas protetivas de urgência pelo Juízo no expediente n. 5000636-43.2021.8.21.0046, em favor de M. DA S., consistente na proibição de o denunciado aproximar-se e manter quaisquer contatos com a ofendida, das quais M. A. M. restou devidamente intimado, consoante certidão do Oficial de Justiça (ev. 10 do expediente 1411-58).

Ocorre que, mesmo ciente das medidas protetivas deferidas, o denunciado M. deslocou-se até a residência da vítima, aproximando-se e mantendo contato com M.

O denunciado M. A. M. é reincidente, conforme verte de seus antecedentes judiciais (ev. 02).

O crime foi praticado no âmbito familiar, razão pela qual incide, no caso, as disposições da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).

O crime foi praticado durante o estado de calamidade pública, decorrente da pandemia do novo coronavírus (COVID-19), conforme Decreto Legislativo n. 06/2020, do Congresso Nacional.

Em 30/10/2021 foi decretada a prisão preventiva do indigitado (16.1), cumprido o mandado em 03/11/2021 (26.1).

Recebida a denúncia em 10/11/2021 (4.1), o réu foi citado (10.1) e, por intermédio de defensor constituído, apresentou resposta à acusação (12.1).

Ausente hipótese de absolvição sumária, o feito prosseguiu com a inquirição da vítima e das testemunhas, passando-se, ao final, ao interrogatório do réu, revogada a prisão preventiva, mediante o cumprimento das medidas protetivas anteriormente deferidas (42.1)

O Ministério Público e a defesa apresentaram memoriais em substituição às alegações finais orais (50.1 e 53.1).

Em 15/07/2022, sobreveio sentença (55.1), julgando procedente a ação penal e condenando o réu como incurso nas sanções do art. 24-A da Lei nº 11.340/06, c/c o art. 61, inc. II, alíneas “f” e “j”, com a incidência das disposições da Lei nº 11.340/2006, à pena de 04 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, suspensa a execução da pena por dois anos com base no art. 77 do CP, mediante a limitação de final de semana e o comparecimento mensal em juízo. Suspensa a exigibilidade de pagamento das custas processuais.

Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação (62.1). Em suas razões (74.1), suscitou preliminarmente a inépcia da denúncia, aduzindo ausentes elementos mínimos de convicção a ampará-la. No mérito, discorreu acerca da fragilidade probatória, pugnando pela prevalência do princípio in dubio pro reo. Ademais, argumentou a ausência de dolo na conduta do agente, requerendo a absolvição do apelante ou a redução da penalidade imposta.

Intimado o réu do veredicto (61.1) e apresentadas as contrarrazões ministeriais (77.1), subiram os autos a esta Egrégia Corte, manifestando-se a Procuradoria de Justiça pelo desprovimento do apelo (7.1).

Conclusos os autos para julgamento.

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, tendo sido atendido o disposto no art. 207, inc. II, do RITJRS, bem como o art. 609, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

O voto vai no sentido de dar parcial provimento ao apelo.

Da preliminar de inépcia da denúncia.

Inicialmente, sustenta, o apelante, a inépcia da denúncia pela absoluta ausência de elementos mínimos de convicção a ampará-la.

A prefacial não merece acolhida.

Segundo lição de Pacelli, o essencial em qualquer peça acusatória, seja ela denúncia ou queixa, é a imputação, com a precisa atribuição a alguém do cometimento ou da prática de um fato bem especificado. Esse, ou esses, fatos, devem ser descritos com rigor de detalhes, para que sobre eles se desenvolva a atividade probatória. A exigência de delimitação precisa do fato imputado encontra-se na linha de aplicação do princípio constitucional da ampla defesa (PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 12ª ed. Editora Atlas: São Paulo, 2020, p. 140).

Nessa toada, basta leitura perfunctória da aludida peça processual para se concluir, de plano, suficiente a descrição da conduta típica atribuída ao réu, oportunizando-se o conhecer da imputação e propiciando o exercício de defesa, especificadas as ações do acusado, com a clara descrição do tipo penal que lhe fora imputado. Na esteira resenhada, o denunciado descumpriu decisão judicial que deferiu medidas protetivas de urgência à vítima, porque, apesar de ter sido devidamente intimado a respeito destas, deslocou-se até a residência da vitimada, com ela mantendo contato.

Assim sendo, suficiente a narrativa para oportunizar o conhecer da imputação e propiciar o exercício da defesa, especificada a ação do acusado.

Nesse sentido, perfila-se o entendimento da Corte Cidadã:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO. OFENSA AO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. CABIMENTO. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Não há inépcia da denúncia que, além da qualificação do acusado, descreve o fato delituoso e suas circunstâncias de modo suficiente ao exercício pleno do contraditório e da ampla defesa.
2. Conforme precedentes desta Corte, a fundamentação per relationem é aceita, podendo ser utilizado o parecer ministerial ou a própria sentença como razão de decidir.
Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 839.203/RJ, Rel.
Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 24/04/2018, DJe 11/05/2018) - grifou-se

Observo, outrossim, a acusação vertida na exordial acusatória está lastreada no boletim de ocorrência e respectivos relatos da ofendida (processo 5001411-58.2021.8.21.0046/RS, evento 1, OFIC1), elementos suficientes a indicar a existência do crime e sua autoria.

Rejeito, assim, a prefacial suscitada e passo à análise do mérito.

Da suficiência de provas para a condenação.

A existência do delito restou devidamente comprovada nos autos do expediente nº 5001411-58.2021.8.21.0046, pelo registro de ocorrência policial (1.1 fl. 01) e respectivos termo de declaração da vítima (1.1 fl. 03), cópia da decisão que deferiu as medidas protetivas à vitimada (10.1) e certidão de intimação do acusado acerca da decisão judicial (10.5), bem como pela prova oral coligida ao feito.

Verifica-se, desde logo, que o fato denunciado ocorreu durante a vigência das medidas protetivas deferidas em favor da vítima, em decisão proferida nos autos do expediente criminal nº º 5000636-43.2021.8.21.0046, datada de 21/06/2021, nos seguintes termos (10.1):

[...]

Trata-se de pedido de medidas protetivas em favor de M. da S., que supostamente teria sofrido ameaça por parte do ex-companheiro de sua filha J., M. A. M.

A Lei nº 11.340/2006, em seu artigo 18, autoriza o Juiz a deferir medidas protetivas de urgência a pedido da ofendida, o que pode ocorrer de imediato, independentemente de audiência das partes ou de manifestação do Ministério Público (artigo 19, §1º).

No caso em tela, no juízo raso da cognição sumária, próprio dessa fase processual e da natureza da tutela de urgência em questão, verifica-se, pelo teor da declaração que instrui o pedido, a ocorrência de violência doméstica e/ou familiar contra a ofendida.

Pertinentes, portanto, as medidas de proibição de aproximação (artigo 22, inciso III, alínea “a”), e de proibição de contato (artigo 22, inciso III, alínea “b”), tal como pretendido pela ofendida, visando a tutelar sua integridade física.

O pedido de proibição de frequentação de determinados lugares vai indeferido, diante da ausência de informação de quais lugares o ofensor não deveria frequentar.

Sendo assim, e considerando a necessidade imediata de proteção dos direitos da ofendida, com fulcro no autorizativo contido no artigo 22 da Lei nº 11.340/2006, viável o acolhimento do pedido formulado, porém, em parte.

Em razão do exposto, defiro o pedido formulado pela autoridade policial em prol da ofendida e, por conseguinte, aplico, de imediato, ao apontado agressor as seguintes medidas, vigentes pelo prazo de 6 (seis) meses:

a) determinação para que o agressor mantenha distância mínima de 100m (cem metros) da ofendida;

b) determinação para que o agressor não mantenha contato com a ofendida.

[...]

Das medidas impostas, tomou ciência o increpado na mesma data, qual seja, 21/06/2021 (10.5).

No tocante à autoria delitiva, o réu, em Pretório, rechaçou a imputação. Nesse tom, admitiu ter se deslocado ao local dos fatos, porém buscando estabelecer contato com J., sua companheira e filha da ofendida. Esclareceu, mãe e filha moram no mesmo endereço, porém uma ao lado da outra, em casas separadas. Acrescentou, ao chegar em frente à residência de J., a vitimada saiu de dentro da casa dela e começou a discutir. Em meio ao embate oral, J. pediu que fosse embora, assim o fazendo na sequência. Acerca da medida protetiva, disse ter assinado o documento "meio tonto", sem prestar atenção.

Contudo, em que pese refutada a prática delitiva, negada a intenção...

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