Acórdão nº 50014588420188210095 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 26-01-2023

Data de Julgamento26 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50014588420188210095
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003154987
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001458-84.2018.8.21.0095/RS

TIPO DE AÇÃO: Apropriação indébita (art. 168, caput)

RELATOR: Juiz de Direito VOLNEI DOS SANTOS COELHO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Adoto o relatório da sentença, in verbis:

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra MARCELO CAMARGO DA MATTA, brasileiro, casado, nascido em 19/03/1979, com 39 anos de idade à época do fato, natural de Muriaé, MG, filho de Hugo José da Matta e Maria Elizabeth Camargo, residente à Rua Severo Cesca, nº 112, Bento Gonçalves, RS, pela prática do seguinte fato delituoso:

Em data não suficientemente esclarecida nos autos, mas certamente entre junho de 2015 e julho de 2018, na Rua Fagundes Varela, nº 428, Bairro Centro, em Estância Velha, RS, o denunciado MARCELO CAMARGO DA MATTA apropriou-se de objetos pertencentes à vítima Jackson Grassi de que tinha a posse ou a detenção, em razão de ofício. Na oportunidade, o denunciado, na condição de empregado da vítima, apropriou-se dos objetos descritos no registro de ocorrência da fl. 04 e auto de avaliação, conforme indireta à fl. 11, quais sejam: 01(uma) jaqueta, 03(três) camisas, 03(três), e 01(um) telefone celular da marca Samsung.

Recebida a denúncia em 19 de outubro de 2018 (fl. 22).

Citado (fl. 24, verso), o réu apresentou resposta à acusação às fls. 27-28.

Não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução (fl. 29), todavia realizada diligência para intimar o acusado, foi certificado que esse havia mudado de endereço (fl. 43, verso).

O parquet requereu a decretação da revelia, diante do descumprimento da determinação para comunicar o juízo previamente em caso de mudança de endereço (fl. 44), o que foi deferido (fl. 45).

Durante a instrução, foi ouvida a vítima (fls. 46-47).

Encerrada a instrução e atualizados os antecedentes do réu (fls. 52-53), as alegações finais foram convertidas em memoriais.

Em memoriais, o Ministério Público, entendendo comprovadas a autoria e materialidade, requereu a condenação do acusado nos termos da denúncia (fls. 54-55).

A defesa, por seu turno, postulou a absolvição do réu por insuficiência probatória (fls. 56-61).

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório.

Sobreveio sentença, publicada em 18.03.2020, julgando PROCEDENTE a pretensão acusatória para CONDENAR o réu, MARCELO CAMARGO DA MATTA, como incurso nas sanções do art. 168, §1º, III, do CP, à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime ABERTO, substituída a pena por duas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade e na prestação pecuniária de 05 (cinco) salários mínimos, e pena de multa no mínimo legal, por fim, fixada indenização no valor de R$ 1.249,00 (um mil duzentos e quarenta e nove reais) à título de danos materiais (Evento 3, PROCJUDIC2, fl. 33-41).

Inconformado, o réu apela (Evento 3, PROCJUDIC2, fl. 50).

Em suas razões, a Defensoria Pública, em síntese, sustenta inexistirem provas capazes de ensejar a condenação do acusado. Afirma que a palavra da vítima resta totalmente isolada nos autos. Salienta ser necessária a aplicação do princípio do in dubio pro reo (Evento 3, PROCJUDIC3, fl. 03-10).

O Ministério Público apresentou contrarrazões ao recurso da defesa (Evento 3, PROCJUDIC3, fl. 11- 16).

Nesta instância, o Ministério Público opinou no sentido de conhecer e desprover o recurso de apelação.

Vieram os autos.

É o relatório.

VOTO

Tempestivo e preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço da apelação.

Ausentes questões preliminares, passo ao exame do mérito.

DO MÉRITO

A materialidade está demonstrada pelo boletim de ocorrência (Evento 3, PROCJUDIC1, fl. 08), pela declaração da vítima em sede policial (Evento 3, PROCJUDIC1, fl. 09), pelo auto de avaliação indireta (Evento 3, PROCJUDIC1, fl. 15), e pelas demais provas produzidas nos autos.

A autoria recai sobre a pessoa do réu.

Transcrevo a prova oral contida na sentença, bem como a sua fundamentação, a qual utilizo como razões de decidir:

Decido.

Trata-se de ação penal pública incondicionada, de rito comum ordinário, na qual o Ministério Público imputou a ÉVERSON CARDOSO DOS SANTOS a prática de crime de apropriação indébita majorada (art. 168, §1º, III, do Código Penal).

O processo tramitou regularmente, com a observância de todas as formalidades legais, estando isento de vícios. Presentes as condições da ação e os pressupostos processuais e ausentes preliminares a enfrentar, passo ao exame da pretensão condenatória e das teses defensivas.

Compulsando os autos, verifico que a materialidade, consubstanciada na real existência do fato descrito na denúncia, está devidamente comprovada pelo boletim de ocorrência nº 3495/2018 (fls. 07-08), o auto de avaliação indireta (fl. 14), bem como pela prova oral colhida durante a instrução criminal.

Quanto à autoria, ouvida em Juízo, a vítima Jackson Grassi contou que tinha uma empresa de refrigeração e o acusado procurou-lhe buscando emprego. Contou ter marcado um encontro com o acusado, oportunidade que esse explicou que precisava muito da oportunidade, no entanto não o conhecia. Após uma semana, falou ter decidido fazer um teste com o réu, sendo que, após a primeira semana, quando era necessário realizar o exame admissional, o demandado avisou que o carro havia estragado. Nas próximas oportunidades de remarcação do exame, o réu disse, inicialmente, que a sua filha tinha adoecido e, após, ter queimado componente e do carro, momento indicou uma oficina mecânica para conserto. Mencionou ter descoberto que o réu o havia indicado ao mecânico como pagador indevidamente. Na semana subsequente, contou que o acusado pediu o adiantamento de valor para pagamento do aluguel que estava atrasado, sendo que, no dia seguinte, chegou ao trabalho nervoso pedindo, então, somente a quantia correspondente ao trabalho da semana, o que foi pago. Relatou que o réu pegou o dinheiro da semana e, às 17h daquele dia, pediu para sair mais cedo para fazer um depósito, não mais comparecendo. Narrou que o réu morava na mesma casa que outro funcionário seu, tendo perguntado a esse sobre o acusado, quando foi informado que ele saiu do local e levou todos os seus pertences. Depois de um tempo, historiou ter ficado sabendo que o réu fez a mesma coisa em Xangri-lá, RS. Ressaltou que, aproximadamente, o conserto do carro do acusado resultou R$ 1.400,00 e o celular levado era novo, tendo pagado R$ 1.500,00, além de ter lhe custado R$ 32,00 para cada camiseta, R$ 46,00 pela calça, R$ 180,00 pela jaqueta e a botina era no valor de R$ 69,00, objetos que nunca mais foram devolvidos.

O réu, por sua vez, não apresentou sua versão dos fatos na fase policial ou judicial.

Analisando a prova judicializada produzida durante a instrução do feito, se conclui que autoria exsurge estreme de dúvidas, repousando serenamente sobre o denunciado.

As declarações prestadas pela vítima merecem credibilidade, vez que uníssonas, harmônicas e sem contradições nos pontos essenciais tanto na fase judicial, quanto na fase policial, confortadas pelo restante da prova. Os subsídios probatórios enfeixam-se com logicidade, apontando induvidosamente a autoria do cometimento do delito de apropriação indébita pelo réu Marcelo Camargo da Matta.

Assentadas a materialidade e a autoria, passo ao exame da tipicidade.

O réu buscou emprego com a vítima, tendo solicitado, em meados de julho de 2018 (como atesta o registro de ocorrências das fls. 07-08), o pagamento de R$ 380,00 como adiantamento do labor da semana, o que foi pago. Após, não apareceu mais no estabelecimento comercial ou no apartamento que residia com outro funcionado, levando consigo uma jaqueta, três camisas de manga curta, três calças e um celular da marca Samsung, modelo J5, todos de propriedade da empresa e elencados na denúncia e no boletim de ocorrências, permanecendo na posse desses até a presente data.

Portanto, a conduta do réu, consistente em apropriar-se de coisa móvel da qual tinha a posse, em razão de emprego (todas as vestimentas e o telefone operacional da empresa), corresponde com exatidão à previsão em abstrato insculpida no art. 168, §1º, III, do Código Penal. Reitero que, tendo em vista que possuía os bens apropriados apenas por ser funcionário da empresa, o que não é incomum de ocorrer, principalmente com relação ao uniforme, está presente o dolo específico da majorante em razão do emprego.

Não estão presentes no caso, nem foram alegadas pela defesa, causas excludentes da ilicitude, tampouco da culpabilidade, quer seja esta entendida como elemento do crime, quer seja entendida como pressuposto de aplicação de pena, porquanto o réu é imputável – e o era ao tempo dos fatos – possuía a potencial consciência da ilicitude e lhe era exigível comportar-se de acordo com o direito.

Não procede o pleito defensivo de absolvição por insuficiência probatória. Isso porque as provas reunidas na instrução são suficientes e convencem da materialidade do crime e da autoria, pelo réu, de fato típico, ilícito e culpável.

Nesse sentido, o Eg. Tribunal de Justiça já decidiu que a palavra da vítima, quando em consonância com os outros meios de prova, leva relevante valor probatório, afastando a arguição de insuficiência, veja-se:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA MAJORADA EM RAZÃO DA PROFISSÃO. ACERVO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA A MATERIALIDADE E A AUTORIA DA CONDUTA.CONDENAÇÃO MANTIDA. Para a configuração do crime de apropriação indébita é necessária a presença concomitante de quatro elementos, a saber: a existência de relação (jurídica ou fática) entre o proprietário do bem e o...

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