Acórdão nº 50014895620218210077 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 01-03-2023

Data de Julgamento01 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50014895620218210077
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002856914
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001489-56.2021.8.21.0077/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATOR: Desembargador JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

APELANTE: GABRIEL WESCHENFELDER BARDEN (AUTOR)

APELADO: UNIMED - COOPERATIVA DE SERVICOS DE SAUDE DOS VALES DO TAQUARI E RIO PARDO LTDA. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Gabriel Weschenfelder Barden contra a sentença que, nos autos da Ação Cominatória ajuizada contra Unimed - Cooperativa de Serviços Médicos de Saúde dos Vales do Taquari e Rio Pardo Ltda., julgou a demanda nos seguintes termos:

Ante ao exposto, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos formulados por GABRIEL WESCHENFELDER BARDEN em face de UNIMED VALE DO TAQUARI E RIO PARDO, extinguindo o feito, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios aos procuradores dos requeridos, fixados em 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) para o patrono de cada réu, devidamente atualizados, observados os critérios do artigo 85 do CPC, suspensa a exigibilidade em razão da AJG concedida para a parte autora.

Sustenta a petição recursal que a documentação carreada aos autos dá conta de que o apelante é pessoa autista e apresenta atraso global do desenvolvimento, necessitando de tratamento multidisciplinar para o seu desenvolvimento, precipuamente em razão da neuroplasticidade cerebral. Alega que restou comprovado que a patologia apresenta cobertura pelo plano, bem como que o julgado do STJ, usado como razão para o indeferimento do pleito, possui hipóteses de flexibilização da taxatividade, hipóteses estas aplicáveis ao caso dos autos. Assevera que descabe a negativa de cobertura do tratamento recomendado pelo médico assistente, pois a escolha deste ocorreu em razão da adequação ao quadro clínico da parte demandante. Fundamenta sua pretensão com base no princípio da boa-fé e no Código de Defesa do Consumidor. Aponta que a Lei n° 12.764/2012, que instituiu a política nacional de proteção dos direitos da pessoa com transtorno do espetro autista, prevê em seus arts 2°, III e 3° III, "b", a obrigatoriedade do fornecimento de atendimento multiprofissional ao paciente diagnosticado com autismo. Acrescenta que a Resolução Normativa nº 539/2022, da ANS, ampliou as regras de cobertura assistencial para usuários de planos de saúde com transtornos globais do desenvolvimento, dentre os quais está incluído o transtorno do espectro autista.

Requer o provimento do apelo (Evento 64 dos autos originários).

Intimada, a requerida apresentou as contrarrazões (Evento 67 dos autos originários).

Subiram os autos a este Tribunal.

Distribuídos, o Ministério Público opinou pelo provimento do recurso (Evento 11).

Cumpriram-se as formalidades previstas nos arts. 929 a 935, do CPC.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo. Dispensado o preparo em razão do benefício da justiça gratuita.

Inicialmente, para um melhor entendimento dos fatos debatidos na presente demanda, peço vênia para transcrever parte do relatório da sentença:

Vistos.

GABRIEL WESCHENFELDER BARDEN, representado por sua genitora FERNANDA WESCHENFELDER, ajuizou "Ação Cominatória" em face de UNIMED VALE DO TAQUARI E RIO PARDO LTDA. Relatou que mantém vínculo contratual de assistência de saúde com a ré. Mencionou que é portador de Transtorno Opositor Desafiante (CID F91.3) e Transtorno de Défict de Atenção e Hiperatividade (CID F90.0), os quais causam atraso no seu desenvolvimento. Alegou que o médico neuropediatra indicou o tratamento de equoterapia a fim de trazer melhora no quadro de saúde. Todavia, referiu que as moléstias que acometem o menor não estão inclusas no rol de exceções trazidas pela lei. Ademais, aduziu que o tratamento não é previsto no rol da ANS. Desse modo, requereu, em sede de tutela de urgência, a fim de que a ré inclua na cobertura do plano o tratamento indicado. No mérito, postulou a procedência da ação para o fim de tornar definitiva a tutela de urgência com a condenação da ré a autorizar e custear a terapia indicada com o fornecimento de materiais e insumos necessários, por prazo indeterminado. Outrossim, pugnou pelo reembolso dos valores despendidos desde o requerimento administrativo. Pediu AJG (Evento 01).

Deferida a gratuidade judiciária, todavia, indeferida a tutela de urgência (Evento 04).

Citada, a parte ré apresentou CONTESTAÇÃO (Evento 10). Preliminarmente, impugnou a gratuidade judiciária. No mérito, alegou que o tratamento de equoterapia não consta no rol de procedimentos da ANS, o qual é taxativo. Aduziu que o contrato foi firmado em 01.09.2016, estando sujeito às normas da LPS. Requereu a improcedência dos pedidos. Juntou documentos (Evento 10).

(...)

Pois bem. Buscando conceituar os contratos de plano de assistência à saúde, Arnaldo Rizzardo afirma que (in Contratos, 2ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 892):

Trata-se do contrato pelo qual o segurador se obriga a cobrir a indenização por riscos ligados à saúde e à hospitalização, mediante o pagamento do prêmio em determinado número de prestações. Fica a pessoa protegida dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, com a garantia da assistência médico-hospitalar. Genericamente, é a garantia de interesses pela cobertura dos riscos da doença. Através dele, o indivíduo ou segurado fica protegido dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, e tendo direito à própria assistência médico-hospitalar. No entanto, tradicionalmente, duas as formas de cobertura: ou pelo reembolso de despesas com liberdade de escolha de quem presta os serviços, caracterizando o seguro-saúde; ou pelo credenciamento de médicos e hospitais, para os quais se encaminha o segurado que receberá o tratamento médico-hospitalar, tendo-se, os planos de assistência. Nesta última espécie, os serviços médicos e hospitalares organizam-se através de convênios. As pessoas signatárias do contrato pagam, mediante contribuições mensais, o dispêndio com os serviços médico-hospitalares futuros. De modo que, ao lado do seguro-saúde, aparecem os planos de assistência à saúde, que se organizam na forma de pessoas jurídicas, para a prestação de atividades ligadas à saúde, tanto no concernente ao tratamento médico como para finalidade da recuperação por meio de atendimento ambulatorial e internamento hospitalar.

No caso, o autor pretende ver reconhecida a obrigação da operadora de plano de saúde em cobrir os custos necessários ao tratamento de Equoterapia.

Conforme o relatório médico acostado no Evento 1 - ATESTMED11 dos autos originários, o autor, de apenas seis anos de idade, apresenta sinais de hiperatividade, impulsividade, dificuldade de manter a atenção em tarefas e um leve atraso no desenvolvimento, questões que podem ser maturacionais, mas a possibilidade de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) deve ser ponderada, necessitando de estimulação nas áreas do pensamento lógico, percepção, análise-síntese, linguagem compreensiva e expressiva, afetivo-social e de coordenação dinâmica geral, sendo recomendada a realização da referida terapia.

Por sua vez, a operadora do plano de saúde negou a cobertura para o tratamento pretendido porque não está previsto no Rol de Procedimentos da ANS (Evento 1 - INDEFERIMENTO12 dos autos originários).

De fato, o contrato de plano de saúde do qual o autor é beneficiário prevê a existência de coberturas no limite do Rol de Procedimentos da ANS (Evento 1 - CONTR8 dos autos originários).

Entretanto, o contrato em tela está submetido às normas do Código de Defesa do Consumidor. Inclusive, pacificada tal orientação no egrégio STJ, foi editada a Súmula 608, com o seguinte teor:

Súmula 608. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

Nestas circunstâncias, o art. 47, do CDC, determina que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Igualmente, deve incidir o disposto no art. 51, IV, § 1°, II, do CDC, segundo o qual é nula a cláusula que estabeleça obrigações consideradas iníquas, que coloquem o consumidor em desvantagem. Também, mostra-se exagerada a cláusula que restringe direitos ou obrigações inerentes à natureza do contrato, ameaçando seu objeto e equilíbrio, ou ainda que seja excessivamente onerosa ao consumidor.

Sobre o tema, Karyna Rocha Mendes, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela ESMP de São Paulo, assevera que (in Curso de Direito da Saúde, 1ª ed., Editora Saraiva, 2013, p. 635):

(...)

Com efeito, nos contratos de prestação de serviço de saúde, como já vimos, as cláusulas que infrinjam os princípios trazidos do Código de Defesa do Consumidor devem ser consideradas abusivas e, consequentemente, desconsideradas do pacto contratual. Nos contratos firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/98, somente se aplicavam as normas trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor e pela legislação anterior especial aos seguros – num verdadeiro diálogo de fontes.

Pelo Código de Defesa do Consumidor temos a aplicação de cláusulas gerais de boa-fé, transparência, informação, normas que buscam o equilíbrio contratual com a proteção da parte vulnerável na relação, o consumidor. O que a Lei nº 9.656/98 fez foi consolidar o que já era considerado abusivo. O espírito do intérprete deve ser guiado pelo art. 7º, do CDC, que autoriza a aplicação de lei e tratados que visem dar ao consumidor maior proteção.

De outro lado, os planos de saúde apenas podem estabelecer para quais doenças oferecerão cobertura,...

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