Acórdão nº 50014930220208215001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50014930220208215001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002056915
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001493-02.2020.8.21.5001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATORA: Desembargadora ELIZIANA DA SILVEIRA PEREZ

APELANTE: THOMAS FERRAO (AUTOR)

APELANTE: PORTOSEG S/A - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Cuida-se de Recurso de Apelação interposto por ambas as partes contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados nos autos da ação ajuizada por THOMAS FERRÃO em face da PORTOSEG S/A - CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, na qual o autor objetivava a declaração de nulidade do contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária que recaiu sobre o seu veículo, assim como a condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos morais.

Segue transcrição do dispositivo da sentença:

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a demanda proposta por THOMAS FERRAO contra PORTOSEG S/A - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO para:

a) CONDENAR a ré ao pagamento à parte autora do valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a título de indenização por danos morais, a ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir desta data (Súmula 362 STJ) e acrescido de juros legais a partir da citação;

b) DECLARAR a nulidade do contrato de financiamento, assim como a garantia instituída ao veículo I/BMW X3 XDRIVE20I WX31, ano de fabricação 2013, ano modelo 2014, placas NP08C76, CHASSI WBAWX3105E0G06892, inscrito no Renavam/RS sob o nº. 580479935;

c) EXTINGUIR o feito, com resolução de mérito, forte no art. 373, I, e 487, I, do Novo Código de Processo Civil.

Em razão da sucumbência, condeno a parte ré ao pagamento da integralidade das custas processuais e honorários ao procurador da parte contrária, que fixo em R$ 400,00 (quatrocentos reais), com fundamento no art. 85, §8º do CPC.

Em suas razões recursais, a parte demandada alegou, em síntese, que o fundamento utilização para o arbitramento de indenização por danos morais - impedimento de gozo do veículo - não existiu no mundo fático, tendo o autor permanecido o tempo todo gozando do bem. Aduziu que somente tomou conhecimento dos fatos narrados na exordial com o ingresso da presente demanda e adotou todas as medidas cabíveis para solucionar o caso, inclusive já providenciando a baixa do gravame. Asseverou que sua boa-fé é incontestável. Assim, referiu que não há dano moral ou patrimonial a ser indenizado, pois nenhum dano foi causado ao Recorrente e muito menos houve qualquer comprovação de sua ocorrência. Destacou, também, que o ato do pedido administrativo da restrição e liberação do financiamento deu-se em decorrência de fraude contra si, sendo também foi vítima, pois liberou/pagou uma alta quantia monetária à um estelionatário. Referiu que ocorrido o fato por culpa de terceiro (do estelionatário), não há qualquer dever de indenizar, ainda mais quando tomou todas as medidas cabíveis para não proporcionar qualquer prejuízo às partes (ou, ao menos, diminuir os prejuízos). Assim, pugnou seja afastada a condenação por danos morais.

A parte autora, por sua vez, em suas razões recursais, postulou pela majoração do quantum indenizatório constante do dispositivo da sentença, apontando contradição com o exposto na fundamentação. Pugnou, outrossim, a majoração dos honorários advocatícios. Por fim, requereu o provimento do recurso.

Ambas as partes apresentaram contrarrazões.

Os autos subiram.

Distribuídos, vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço dos Recursos de Apelação de ambas as partes.

Conforme relatado, a matéria controvertida, devolvida a este grau de jurisdição, refere-se aos alegados danos morais decorrentes da inserção indevida do gravame de alienação fiduciária sobre o veículo do autor, que ocorreu em razão de contratação fraudulenta de terceiro junto à ré.

Restou demonstrado no processo, e sobre o ponto em que não há qualquer irresignação recursal, é de que o carro do autor, um I/BMW X3 XDRIVE20I WX31, ano/modelo 2013/2014, placas NP08C76, CHASSI WBAWX3105E0G06892, foi inscrito no Renavam/RS sob o nº. 580479935, adquirido em 13/11/2019, e indevidamente colocado em alienação fiduciária.

A parte requerida, em sua defesa, justifica que tão logo tomou conhecimento do fato da ocorrência de fraude, deu baixa no gravame e na alienação fiduciária, atendendo ao pedido feito pela parte autora na inicial e buscando adotar todas as medidas necessárias para resolver a solução.

Diante desse contexto, o magistrado de origem considerou que, no caso em tela, incide a responsabilidade objetiva do prestador do serviço pela falha que resultou em danos para a parte autora, aplicando o enunciado nº 479 da Súmula do STJ, no sentido de que "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".

Na medida em que a ré não impugna a declaração de nulidade do contrato de financiamento operada na origem, resta dirimir, neste recurso, a existência de danos morais e sua eventual quantificação.

De acordo com o artigo 927 do Código Civil, aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, devendo-se entender por ato ilícito, nos termos do artigo 186 do mesmo diploma legal, a ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência que viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.

Tratando-se de relação de consumo, como é o caso dos autos, o elemento culpa fica dispensado, na medida em que, nos termos do artigo 14 do CDC, se trata de responsabilidade objetiva.

In verbis:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Sendo assim, o fornecedor de serviços responde objetivamente pelos danos causados aos consumidores, salvo quando provar a inexistência de defeito no serviço ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, nos termos do § 3º do artigo 14 do CDC.

Sobre o tema em questão - responsabilidade civil decorrente de inserção indevida de gravame de alienação fiduciária - como bem anotado pelo sentenciante de origem, na espécie incide o enunciado nº 479 da Súmula do STJ, no sentido de que "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".

Acontece que a responsabilidade objetiva da instituição financeira decorre da falha na prestação dos serviço quando das operações fraudulentas promovidas por terceiros que ensejam prejuízos. O fato de terceiro, consoante jurisprudência da Corte Superior, é flagrantemente caracterizado como fortuito interno, incapaz de afastar a responsabilidade objetiva da instituição financeira, porquanto vinculado diretamente à atividade exercida.

Resta incontroverso, assim, o nexo causal entre a ação da instituição financeira demandada, que inseriu gravame de alienação fiduciária no veículo de titularidade do autor, e os danos sofridos por este, que teve cerceado seus direitos de propriedade sobre o veículo.

Assim, tenho que a...

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