Acórdão nº 50014938520168210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 31-08-2022

Data de Julgamento31 Agosto 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50014938520168210007
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002504558
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001493-85.2016.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: RONI SCHNEIDER SCHMEGUEL (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por GILMAR LINDEMANN VOIGT contra a sentença (evento 3, doc. 4, fls. 13-17 do processo originário) que, nos autos desta ação indenizatória por danos materiais movida em face da COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA CEEE-D, julgou improcedente a demanda.

Adoto o relatório da r. sentença, que bem narrou o presente caso:

A parte autora diz que é produtor rural de fumo e utiliza estufa(s) elétrica(s) para secagem de sua produção. Menciona data(s) e horário(s) em que o fornecimento de energia elétrica foi interrompido pela ré, o que lhe causou prejuízos pela perda total ou parcial da qualidade do produto em secagem, atestada por laudo(s) e quantificado. Requereu assistência judiciária gratuita, pois se trata de pequena produtora rural em agricultura familiar e a condenação da ré ao ressarcimento do prejuízo, juntando procuração e documentos.

Deferida a AJG.

A CEEE-D no mérito alegou: 1) a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; 2) que a interrupção de energia se deu por caso fortuito ou força maior; 3) falta de comprovação dos danos sofridos, quer por ausência de documento comprobatório da recusa de recebimento do produto pela fumageira, quer pelo fato do laudo juntado ser meramente estimativo, quer pela possibilidade de ocorrência de fraude. Requereu produção de prova oral e pericial e juntou procuração e documentos.

Sobreveio réplica.

Em despacho saneador foi reconhecida a incidência do CDC e delimitada a matéria controvertida e o ônus da prova.

Instadas as partes quanto a produção de provas, a ré requereu a apresentação das notas fiscais da venda do fumo. O autor nada requereu e apenas se manifestou sobre os pedidos da ré.

Vieram os autos conclusos para a sentença.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

ISSO POSTO, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos contidos na AÇÃO DE INDENIZATÓRIA movida por Roni Schneider Schmeguel contra COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – CEEE-D.

Por sucumbente, condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios aos patronos da parte ré, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, forte no art. 85, § 2º, I ao IV, do Código de Processo Civil. Contudo, fica suspensa exigibilidade dos ônus sucumbenciais, tendo em vista que a autora litiga ao abrigo da gratuidade da justiça, na forma do art. 98 do Código de Processo Civil.

Em suas razões recursais (evento 3, doc. 4, fls. 21-36 do processo originário), a parte autora salienta a ausência de conjunto probatório quanto à culpa exclusiva do consumidor, bem como refere que não é dever do autor possuir gerador próprio de energia. Colaciona jurisprudência. Disserta sobre a aplicabilidade do CDC no presente caso, uma vez que o autor é pequeno produtor rural, utilizando-se de sua produção como forma de subsistência. Discorre acerca da essencialidade do serviço prestado pela parte ré, insurgindo-se contra o reconhecimento da culpa exclusiva exposto em sentença. Requer o provimento do recurso.

Apresentadas as contrarrazões (evento 3, doc. 4, fls. 39-50 e doc. 5, fl. 1) vieram os autos conclusos para julgamento, após regularizada a representação processual pela parte ré.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço o recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade, tendo sido tempestivamente interposto e estando dispensado o preparo pela concessão da gratuidade da justiça (evento 3, doc. 1, fl. 24).

Inicialmente, cumpre anotar que são aplicáveis às relações existentes entre as empresas concessionárias de serviços públicos e as pessoas físicas e jurídicas que se utilizam dos serviços como destinatárias finais as normas do Código de Defesa do Consumidor, dentre outras, quanto à responsabilidade independentemente de culpa (artigo 14) e quanto à essencialidade, adequação, eficiência e segurança do serviço (artigo 22).

No caso em tela, o autor é fumicultor, sua subsistência é baseada na agricultura familiar, identificando-se como destinatário final (consumidor) do serviço de energia elétrica oferecido pela empresa demandada, nos termos do que dispõem os artigos 2º, caput1, e 3º, § 2º2, da legislação consumerista.

Importante destacar que o Código de Defesa do Consumidor regula situações em que produtos e serviços são oferecidos ao mercado de consumo para que qualquer pessoa os adquira como destinatária final. São os bens e serviços tipicamente de consumo, levados ao mercado numa rede de distribuição, que serão em algum momento adquiridos independentemente de o produto ou serviço estar sendo usado ou não para a produção de outros3, como acontece com o serviço de energia elétrica oferecido pela empresa demandada.

A respeito do tema, bem esclarece o ilustre Professor Rizzatto Nunes em sua obra Comentários ao Código de Defesa do Consumidor4: a Lei n. 8.078 regula o pólo de consumo, isto é, pretende controlar os produtos e serviços oferecidos, postos à disposição, distribuídos e vendidos no mercado de consumo e que foram produzidos para ser vendidos, independentemente do uso que se vá deles fazer.

E, mais adiante, conclui: Dessa maneira, repita-se, toda vez que o produto e/ou serviço puderem ser utilizados como de consumo, incidem na relação as regras do CDC. Vale para a caneta do exemplo supra, mas vale também para a água e a eletricidade que se fornece e para o dinheiro que é emprestado por um banco, porque tais bens são utilizados tanto por consumidores quanto por fornecedores.

Ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que se entendesse que a parte autora, no caso, o produtor rural, não se enquadre, propriamente, no conceito de destinatário final do serviço de energia elétrica, seria possível aplicar as disposições do CDC, porque configurada situação de vulnerabilidade deste em relação à empresa pública fornecedora do serviço de eletricidade.

A mitigação da teoria finalista na interpretação do conceito de consumidor e, portanto, a possibilidade de incidência do CDC, quando comprovada a hipossuficiência da parte, é aplicada pelo e. Superior Tribunal de Justiça, consoante se depreende dos seguintes julgados (com meus grifos):

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. EXISTÊNCIA. APLICABILIDADE DO CDC. TEORIA FINALISTA. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. VULNERABILIDADE VERIFICADA. REVISÃO. ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA.

1. A Segunda Seção desta Corte consolidou a aplicação da teoria subjetiva (ou finalista) para a interpretação do conceito de consumidor. No entanto, em situações excepcionais, esta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja propriamente a destinatária final do produto ou do serviço, apresenta-se em situação de vulnerabilidade ou submetida a prática abusiva.

2. No caso concreto, o Tribunal de origem, com base nos elementos de prova, concluiu pela vulnerabilidade do agravado em relação à agravante. Alterar esse entendimento é inviável em recurso especial a teor do que dispõe a Súmula n. 7/STJ.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AResp 415244 S/C, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, julgado em 07-05-2015).

DIREITO COLETIVO E DIREITO DO CONSUMIDOR. ASSOCIAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RENEGOCIAÇÃO DE DÉBITOS ORIUNDOS DE CONTRATO DE CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

1. (...)

6. É torrencial a jurisprudência do STJ reconhecendo a incidência do Código do Consumidor nos contratos de cédula de crédito rural.

7. O próprio CDC estabelece (art. 52) que a outorga de crédito ou concessão de financiamento caracteriza típica relação de consumo entre quem concede e quem o recebe, pois o produto fornecido é o dinheiro ou crédito, bem juridicamente consumível.

7. A norma que institucionaliza o crédito rural (Lei n. 4.829/1965) estabelece como um dos objetivos específicos do crédito rural (art. 3°) é o de "possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios" (inciso III) e o de "incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando ao aumento da produtividade e à melhoria do padrão de vida das populações rurais, e à adequada defesa do solo" (inciso IV).

8. Dessarte, mesmo que o financiamento por meio de cédula de crédito rural se destine ao desenvolvimento da atividade rural, há, em regra, presunção de vulnerabilidade do contratante produtor, equiparando-o ao consumidor stricto sensu, dando-se prevalência à destinação fática para fins de qualificação do consumidor. Precedentes. (...)

10. Recurso especial não provido.

(REsp 1166054 / RN, Rel. Minstro LUIS FELIPE SALOMÃO, 4 - QUARTA TURMA, Julgado em 28/04/2015)5.

Definido que a relação jurídica existente entre as partes se submete às disposições do Código de Defesa do Consumidor, nos termos já dispostos na sentença, aplica-se a regra do parágrafo único do artigo 22 do CDC que, no tocante à responsabilidade civil, afirma que os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT